segunda-feira, 23 de novembro de 2020

As festas em casa e a substituição de moradores nas cidades

 Neste ano, sempre que cai a noite nas cidades, paira um manto de ruido que não era habitual. Em tempos de pandemia, especialmente nas zonas habitacionais de maior concentração, de prédios e apartamentos empilhados, as restrições mudaram comportamentos. Tendo em conta a qualidade construtiva e da própria arquitetura dos apartamentos, especialmente naqueles onde as pessoas dividiam quartos, esses espaços eram pouco convidativos à socialização. Mas neste momento, sem alternativas, as pessoas descobriram que podem fazer festas em casa, seja a que hora for.

Mas ao fazerem festas e convívios em apartamentos causam um profundo impacto na vizinhança. Quando ao lado moram pessoas de várias gerações e até de origens sociais e culturais diferentes o conflito tenderá a acontecer. Eu já passei por isto, e não tem sido fácil a convivência, apesar do esforço para dialogar e explicar a quem incomoda o seu impacto. Exige compreensão mútua, o que nem sempre é fácil de atingir.

Imagino que muitas outras pessoas tenham experimentado situações destas. Elas poderiam ser evitáveis, mas, provavelmente, vão tender a acontecer mais, à medida que os habitantes em certas zonas vão sendo substituídos por novos residentes, aproveitando a queda de preços, por outros mais jovens e estrangeiros, menos enraizados localmente. Neste momento fica-me a sensação de um certo abandono de alguns dos edifícios mais centrais e antigos das cidades. Talvez seja uma correria às vivendas e às habitações com algum espaço exterior, a pensar já em possíveis futuras vagas da pandemia. 

As cidades, até as mais pequenas como Leiria, estão a sofrer processos de mudança por causa da pandemia. Isto exige uma resposta. O setor imobiliário vai-se ressentir também, e todas as atividades associadas, tal como o próprio tecido social local que pode sofrer rasgos irreparáveis. Com a saída de estudantes de certos locais ficou um vazio que está a ser ocupado, talvez apenas temporariamente até voltarem. Desconhecemos que tipo de impactos económicos e sociais isto terá nas pequenas cidades que eram dependentes desse fenómeno. 

Tudo isto alimenta situações complexas e para as quais, na atualidade, temos poucas soluções. Faltam os espaços de comunicação e de planeamento da vivência comum. Dificilmente os poderemos criar agora, uma vez que as bases não estão lançadas e que reuniões presenciais são desaconselhadas. Podíamos tentar ensaiar ferramentas online, mas muitas dessas opções têm gerado espaços de odio e de polarização. O convívio presencial, cara-a-cara, atenua esses efeitos e gera mais compreensão. 

Esse tipo de iniciativas poderia partir dos cidadãos, das instituições ou dos dois em simultâneo. Imaginem como seria se tivéssemos estes espaços, tanto físicos como digitais, para poder gerar comunicação entre vizinhos em contexto urbano, tanto para resolver alguns conflitos como para gerar redes de entreajuda? Se não tentarmos nunca vamos conseguir mudar o estado das coisas. Vamos tentar?


Texto publicado no Diário de Leiria.


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Redundâncias da Actualidade - criado em Novembro de 2009 por Micael Sousa





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