segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Abordar e planear para os problemas de segurança de Leiria através de jogos

 As cidades são o produto humano de maior complexidade. Nelas coincidem atividades de todos os tipos, alimentadas por fluxos intermináveis ao longo do tempo. As cidades são os locais onde vive a maioria das populações humanas, em palcos contruídos que proporcionam oportunidades únicas, tal como perigos. Nas cidades encontramos diversidade humana e material, com inúmeras zonas de interação positiva, mas também de conflitos. Estudar as cidades é estudar a complexidade. Planear a realidade urbana é arriscar projetar na incerteza. 

Perante tais desafios e dúvidas os caminhos fazem-se de múltiplas maneiras. Até podemos ir mais depressa sozinhos, mas seguramente iremos mais longe juntos. Para lidar com os desafios urbanos do futuro, das cidades pós-industriais, pós-modernas, pós-carbono e pós-pandemia há que assumir a incerteza. Se planearmos juntos as nossas cidades para estes e outros desafios poderemos falhar, mas ficaremos preparados para melhorar da próxima que o fizermos. Ao participarmos no planeamento urbano colaboramos e ganhamos resiliência, que é a melhor arma para a incerteza.

Fazer aumentar a participação de cidadãos e entidades nos processos de planeamento urbano é desejável. Eleger políticos que nos representam não nos deve fazer diminuir o interesse pelos assuntos públicos. Como cidadãos, para nosso benefício, é imprescindível o envolvimento no planeamento dos territórios onde vivemos. Os políticos eleitos têm também interesse nesta abertura e partilha de poder de decisão, para ganhar o desejado apoio popular. Por isso, abrir os processos de planeamento ao conhecimento do dia-a-dia, de quem experimenta os espaços, tal como aos especialistas externos, permite fazer mais e melhores planos. Melhorar os processos de planeamento, tornando-os mais interessantes, cativantes e consequentes é igualmente imperativo para tornar a participação sustentável. 

Todas estas premissas estão neste momento a ser vertidas e aplicadas em Leiria, no UrbSecurity, em que cidadãos e instituições estão a colaborar entre si e com o município para definir prioridades e propostas de melhoria da segurança urbana. E isto está a ser feito através de novas metodologias de planeamento colaborativo, em que os resultados são fruto da interação de todos os intervenientes, auxiliados por dinâmicas de jogos que estimulam a criatividade, a reflexão e debate focado nos temas em causa, neste caso a segurança. Serão esses mesmos elementos de design de jogos que irão no futuro permitir testar as propostas, de modo a gerar planos coerentes, exequíveis e que resultam da vontade coletiva. 

Tudo isto pode parecer uma fantasia. No entanto, o processo já está em curso e já identificou as primeiras prioridades coletivas, nascidas da interação entre dezenas de pessoas. O jogo ainda só agora começou, mas já sabemos que teremos vencedores. Neste caso, independentemente do resultado, quem irá vencer seremos todos nós, mesmo que não tenhamos jogado. Imaginem então como seria se todos tivéssemos participado. 


Texto publicado no Diário de Leiria.


A base para o sucesso da Alta-velocidade em Leiria é o sistema de transportes local

 Tudo indica que em Leiria vamos ter acesso a comboios de alta velocidade. Poder chegar a Lisboa em pouco mais de meia-hora vai mudar o panorama local. No entanto, apesar da velocidade prometida, isto não será obtido automaticamente. De certeza que a futura estação de comboios não será no centro da cidade. Mesmo se fosse, não nos podemos esquecer que cerca de metade da população vive na periferia e nas zonas mais rurais. Estação não irá servir apenas o concelho de Leiria. O que significa que, muito provavelmente, chegar até à futura estação vai ser um problema. Embora, nada de irresolúvel. 

Uma futura linha de alta velocidade vai levar-nos do ponto A ao ponto B, mas até chegarmos a estes pontos temos de nos deslocar também. Usar apenas o automóvel para chegar a A seria estranho, uma vez que o dito comboio serve para reduzir a nossa dependência face ao automóvel, e para nos deslocarmos de modo mais comodo e sustentável até às grandes metrópoles portuguesas. Por isso, para que a alta velocidade se transforme realmente em redução de tempo de deslocação entre Leiria e o exterior urge ter um verdadeiro sistema de transportes, de preferência, intermodal. 

Vamos precisar de usar dos vários modos de transportes, cada um adequado a cada tipo de trajeto, para acedermos à futura estação. Uma rede de transportes públicos local, articulada com os concelhos vizinhos, realmente funcional. Conjugação com o acesso automóvel às zonas que não possam ser servidas de modo eficiente pelo transporte público. Uma ligação a uma rede ciclável que tem de ser conexa e não apenas composta por pequenos troços sem ligação entre si. Precisamos de conjugar as tecnologias de informação e comunicação que nos permitem partilhar veículos e sistemas automáticos de mobilidade. Pode parecer estranho, mas precisamos também de condições para andar a pé porque, no último trajeto, somos sempre peões, quer queiramos quer não.

Para além disto tudo temos a questão do preço. Ir de comboio vai ter de ser economicamente competitivo, ser mais vantajoso do que pegar no automóvel e seguir pela autoestrada, embora neste último modo nem sempre se contabilizem todos os custos associados ao uso do carro. Mas para chegar ao tal comboio de alta velocidade teremos de fazer o percurso de acesso, que será um custo adicional ao bilhete regular. 

Surge também a questão da intenção de transformar a base aérea de Monte Real em aeroporto civil. Com um acesso à alta velocidade, ligação à linha do Norte e uma reabilitação da linha do Oeste, teríamos um forte contributo para o sistema de acesso local e regional ao aeroporto. 

Tudo isto vai exigir avultados investimentos, tal como uma capacidade local de planear um sistema de transportes resiliente e mais complexo, que tem forçosamente de ser articulado com as escalas superiores, regional e nacional. Vai exigir que o processo seja participado e colaborativo, incluídos os atores locais e as populações, pois se assim não for o falhanço será garantido. 


Texto publicado no Diário de Leiria.


Das mecânicas de jogos às mecânicas de aprendizagem com jogos de tabuleiro

 Estive recentemente a apresentar um artigo de investigação numa conferência internacional sobre jogos, simulação e inteligência artificial. Apesar de parecer que só os sistemas digitais entrariam neste certame, o meu artigo versou sobre jogos de tabuleiro, comprovando que são produtos de inovação atuais.

Apresentei uma proposta para relacionar as mecânicas de aprendizagem com as mecânicas que fazem os jogos analógicos funcionar. Os jogos são, muito mais que brincadeiras divertidas, podendo ser coisas igualmente sérias. Quando garantimos esta combinação estamos a entrar nos “Serious Games” (jogos sérios). No artigo apresentado retratava uma experiência que fiz com alunos de MBA da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, onde um jogo, com as devidas alterações, serviu para abordar os conceitos de caminho ótimo numa rede. 

Uso da simulação, que neste caso junta a diversão, não é assim tão novo, embora a grande parte dos simuladores sejam muito complexos e, por vezes, pouco divertidos. Conseguir produzir algo que seja mais rápido, imediato e cumpra os objetivos de simular e ensinar tem imenso valor pedagógico e de treino. Mas para isso é preciso compreender como funcionam os processos de aprendizagem e como se constroem as dinâmicas de jogos. O segredo consiste em estudar e compreender as mecânicas de jogos, que são aqueles elementos interativos que alimentam os modelos e sistemas a que chamamos jogos, quando ativados pelos jogadores. Dominar as mecânicas exige aprendizagem, tanto na compreensão como na sua ativação de modo eficiente. Assim conseguimos estabelecer uma relação entre as mecânicas de aprendizagem e de jogo. Dominando as duas podemos então fazer Serious Games, que sejam cativantes para os utilizadores e atinjam os objetivos sérios. 

Quando os designers, professores e formadores dominarem estas mecânicas, facilmente poderão adaptar e construir novos jogos para os seus objetivos. Há que admitir que não é tarefa fácil, pois há muito conhecimento envolvido, de simulação, de design específico de jogos e de pedagogia. Mas tendo estas bases poderemos criar produtos inovadores e evitar a mediocridade que grassa na maioria dos jogos pedagógicos, que, por não serem interessantes do ponto de vista do jogo, nunca irão cumprir o seu objetivo educativos. 

Tenho abordado estes assuntos também no meu canal de Youtube dedicado aos jogos de tabuleiro, onde podem encontrar vídeos que abordam estas e outras questões. Podem ver exemplos de jogos e das suas mecânicas, as relações operativas entre os modelos e as realidades que pretendem simular. Podem aceder ao canal “Jogos no Tabuleiro” em: Youtube.com/c/jogosnotabuleiro

O mundo dos jogos analógicos é inesgotável. Domina-los pode ser útil até para criar de outros jogos, incluindo os jogos digitais, que são uma indústria imensa neste momento. Pois, antes de construir o jogo final, convém fazer protótipos de baixa tecnologia. Por isso e não só, os jogos de tabuleiro, ditos analógicos, continuam a dar cartas. 


Texto publicado no Diário de Leiria.


Devem os pais ficar contentes pela entrada dos filhos no ensino superior?

Estava eu muito bem a divagar pelo Facebook, como num zapping pela vida alheia, e deparo-me por uma quantidade enorme de publicações sobre as novas colocações no ensino superior. Eram principalmente os pais a fazer publicações de excertos fotográficos das colocações e a fazer identificação dos seus petizes e afins. 

Parece-me positivo isto continuar a ser um motivo de orgulho. No entanto, afinal, para que serve um curso superior? Muitas profissões dependem desses cursos, e existe ainda uma certa consciência de que o conhecimento que se obtém nas instituições de ensino superior pode ser útil também para empresas e instituições, que assim ganham valor. E com razão, porque, no fundo, os cursos superiores servem para aceder ao conhecimento. Podem formar bons profissionais ou não, mas devem, forçosamente, ensinar a pensar. 

Muitos dirão que importa é saber fazer. Com certeza que sim. Precisamos das coisas feitas no nosso dia-a-dia, mas só somos o que somos, como espécie, porque aprendemos e criamos, descobrimos e inventamos. Caso contrário ainda estaríamos a viver nas árvores ou nas cavernas. Se estivéssemos sempre a fazer a mesma coisa nunca teríamos chegado onde estamos hoje, embora pudéssemos ter ido já bem mais longe. Poderíamos ter aspirado a isso se tivéssemos mais conhecimento, ter feito enquanto compreendíamos o porquê das coisas e do que fazíamos. 

Nas universidades ensina-se a pensar, lá proporcionam ferramentas para compreender o porquê das coisas. O que não significa que todos usem depois. Alguns ficam apenas pela sua instrumentalização prática, pelo que dificilmente poderão inovar. A grande diferença do conhecimento prático e abstrato é essa. A pratica sabe como se faz, a teoria tenta compreender porque se faz e como se poderia fazer diferente. Com isto a teorização está sujeita ao erro, porque só a religião é certa nos seus dogmas. A ciência é imensamente falível, e é pelo erro que ela própria se desenvolve. Da teoria à prática e vice-versa. 

Outro erro da análise que quero esclarecer, pois pode ter ficado essa ideia, é que a teoria não é oposta da prática, embora a prática possa ignorar a teoria. As teorias pretendem sempre obter validação prática, mesmo nos casos mais conceptuais. Teorizar será visto como uma inutilidade apenas para quem tem défice de conhecimento. Há um mínimo necessário para compreender o seu valor. Apesar da teoria não poder viver sem a prática, a prática pode viver sem a teoria, embora viva mal e se restrinja assim à inovação. Imensas pessoas sabem na prática como se faz uma coisa, mas não se sabem porquê. Sem essa compreensão inovar é um arriscar imprevisível.  

Por isso devemos ficar felizes por tantos jovens estarem a entrar no ensino superior, pois muitos deles vão ter a oportunidade de compreender os porquês.  Alguns deles poderão então ajudar a nossa sociedade, e até a humanidade, a ir além dos seus limites atuais. Não serão todos, mas pelo menos alguns estarão preparados para isso, para benefício geral. 


Texto publicado no Diário de Leiria.


Transformar as entradas das escolas em pontos de socialização e colaboração

As aulas começaram, e para toda a comunidade escolar será um desafio sem precedentes. Pouco sabemos como será na prática, todos os procedimentos e logística. Nós, os pais, iremos aprender também. Será um desafio coletivo que só poderá ser superado com colaboração. 

O processo de “levar as crianças à escola”, enquanto ainda não são jovens autónomos, é um momento importante do dia para todos. Demasiados pais têm de levar os seus filhos à escola de automóvel próprio, algo que demonstra bem a fragilidade dos nossos sistemas de transportes e ainda mais a sua insustentabilidade. Mas mesmo para quem usa o automóvel, pelo menos uma parte do percurso deverá realizar a pé. Nesse processo de ir a pé, até ao portão, acontecem oportunidades únicas de interação e socialização que têm sido desvalorizadas ou ignoradas. 

Poucas são as escolas que permitem aos pais entrar nos seus espaços, e agora ainda menos serão em tempo de pandemia. Mesmo que não se possa entrar, as zonas imediatamente envolventes deveriam estar devidamente planeadas para o encontro social. Isto é uma realidade em muitos poises europeus, onde em frente às escolas existem pequenos jardins, espaços públicos de qualidade onde as crianças podem estar mais uns momentos, umas com as outras, enquanto os pais, professores e outras pessoas ligadas à comunidade escolar interagem, com qualidade e segurança. 

Tive oportunidade de ver isto acontecer em alguns países, especialmente em França. E tive a sorte de ter uma escola perto da minha residência aqui em Leiria onde isto acontecia, onde os pais podiam entrar numa parte do recinto escolar, onde havia um parque infantil. Era um momento valioso de transição, onde pais conversavam, falavam muitas vezes de projetos coletivos escolares, enquanto as crianças brincavam. 

Precisamos urgentemente destes espaços. Agora mais que nunca. As relações sociais, o mútuo apoio, são das maiores riquezas que podemos ter para ultrapassar os desafios do futuro, mas são precisos espaços que as favoreçam. Por isso, um plano de tratamento urbano das frentes de escola seria imensamente valioso. Os efeitos seriam tanto imediatos como a longo prazo, benéficos para toda a comunidade. Mais do que preparar o espaço imediatamente à frente das escolas para automóveis, precisamos de espaços para nos humanizarmos e socializarmos, para darmos o exemplo às crianças do valor da cooperação e harmonia social, onde existe espaço para nos aproximarmos em segurança.  

Se os próprios pais não se conhecerem, não conhecerem os colegas dos filhos, os professores e todas as pessoas que trabalham na escola: a escola fica aquém de todo o seu potencial. Faltam espaços em que isso possa acontecer, ainda que não seja dificil garantir essa realidade. Bastava um passeio mais largo, com uma árvore, uma vedação que proteja dos automóveis, medidas de acalmia de tráfego, algum mobiliário urbano confortável, uma sombra, um apontamento artístico urbano, um elemento interativo. Coisa pouca perante tanto investimento público que se faz, por vezes a exibir luxo. 


Texto publicado no Diário de Leiria.


Continuar com A Busca pela Sabedoria

Há 11 anos tive a ideia de começar a registar e resumir as ideias das coisas que ia lendo e vendo. Surgiu assim o blogue “A Busca pela Sabedoria”, disponível em www.abuscapelasabedoria.blogspot.com. Foi uma ideia algo ingénua, especialmente quando constato que as minhas aptidões estavam longe de garantir que o resultado tivesse interesse para terceiros. Escrevia mal. Hoje quando vou rever alguns desses textos dou por mim a pensar: “mas como raio fui escrever isto na altura e nem me apercebi dos erros e da confusão da construção frásica”. 

Quem inicia um projeto de escrita tem sempre uma dose de ingenuidade e loucura, quiçá inconsciência e ilusão. Estamos convictos de que podemos fazer coisas relevantes e de que os outros se vão curvar à nossa genialidade. Mas, salvo muito raras exceções, nem somos geniais nem os outros têm a disponibilidade para tal exercício. Para além disso estamos plenamente convencidos que os nossos amigos, familiares e pessoas que nos são mais próximas serão os nossos maiores fãs. Nada disso, na melhor das hipóteses vão ignorar e evitar confrontar-nos com a nossa própria mediocridade, enquanto consomem outros conteúdos. Não fazem isto por mal, faz mesmo parte da condição humana. O que está perto é sempre menos cativante, mesmo que seja igualmente interessante. Faz parte dos processos implícitos de inovação próprios da nossa espécie.

Passados mais de 10 anos desde o início da minha aventura pelos blogues, e que ocorreu praticamente em simultâneo dos meus primeiros textos de opinião em jornais locais e reginais, posso ensaiar algumas conclusões. Tentando ser realista, sou forçado a concluir que o fruto deste trabalho apaixonado – porque foi feito voluntariamente por prazer – poucas vezes descolou da mediocridade, com apenas um ou outro rasgo que não foi além do mediano. Eram apenas mais uns textos entre tantos outros. A maior utilidade disto tudo pode ser resumida em: prática. Ao lutar contra a mediocridade latente da minha criação tive, forçosamente, de tentar melhorar, em exercícios contínuos que me ajudaram posteriormente noutras tarefas. Posso também especular que terão tido utilidade para terceiros, que ao lerem o que eu escrevia se iam inspirando para fazer melhor. 

Os blogues parecem voltar a estar na moda, depois do decaimento causado pelas redes sociais e pela massificação dos conteúdos vídeo. Um número considerável de pessoas voltou a reforçar o interesse pela leitura na internet, nestes formatos interativos, mas de texto mais longo. Parece que não nos conseguimos desligar da pureza das palavras livres. Hoje até os vídeos de amadores são socorridos por esse auxiliar poderoso de comunicação. 

Por isso vou continuar a escrever, como forma de exercício de treino e reflexão, ordenando a desordem da informação que jorra de todas as fontes. Na era da informação instantânea e interativa urge ainda mais a necessidade de transformação de informação em conhecimento.  Foi principalmente isso que encontrei na escrita, a ordem sobre o caos e imensidão, uma tarefa nunca concluída e que alimenta a vida. 


Texto publicado no Diário de Leiria.

O ano só recomeça depois de agosto

Escrevo estas palavras com o olhar divido entre o computador e o horizonte, recortado entre os cumes das serras verdes que contrastam com o céu cinzento. O tempo está estranhamente frio, ventoso e escuro para este mês de agosto, mas para mim, apesar de tudo, as férias são neste mês.

Para mim o ano começa realmente em setembro. É assim há décadas, desde que vivi os meus primeiros anos letivos. Por isso a passagem de ano civil sempre me fez pouco sentido. O ano acabava depois das férias de verão, depois dos meus familiares que viviam em França voltarem, depois de provar o sabor do mar da região e do sol que dava lugar às noites quentes e silenciosas, mas que se interrompiam pontualmente pelas festas de aldeia cuja música passei a apreciar cada vez menos. Contudo as férias, para mim, continuaram sempre a ser em agosto, mesmo depois de começar a trabalhar, mesmo naqueles anos em que laborava todo o mês para poder ganhar algum dinheiro antes de voltar às aulas, talvez por isso custasse tanto aguentar aquele tempo fechado numa fábrica.

Mesmo depois de ter começado a trabalhar permanentemente, agosto continuou a ser mágico. Reservei sempre, no mínimo dos mínimos, uma semana para dele desfrutar, reativando memórias antigas. Pois era também o mês em que estavam de férias com os meus pais, habituados à interrupção laboral do ano, quando as fábricas fechavam e os operários tinham um vislumbre do que seria uma vida menos dura. Como filho deste mundo laboral industrial agosto era também o mês da pausa obrigatória, feita por questões de planeamento e eficiência. Era sempre um recomeço produtivo.

Como nos últimos anos andei próximo das escolas e universidades, quer a estudar quer a trabalhar, esta relação com um agosto de interrupção reavivou-se, com novas intensidades. Agora também entram em jogo as férias dos filhos, ritmadas pelos seus próprios andamentos. Apesar da minha família direta já ter voltado de França, herdei uma nova em diáspora. Voltei a recordar a emoção do mês de agosto, do reencontro e dos momentos únicos em espaços que temporariamente se transformam. Voltei, pela minha esposa, a experimentar o ambiente rural, pois hoje a cidade está cada vez mais perto da minha aldeia de origem, cada vez mais um subúrbio. Mais tarde ou mais cedo, a cidade, na sua forma menos densa, lá se irá impor. 

O tempo lá fora continua estranho ao que costuma ser agosto. A pandemia impede os hábitos de convívio, tudo ficou mais distante e condicionado. Até vou sentir falta das festas que habitualmente não aprecio. Aqui na vila que me acolhe por esta altura as coisas continuam a ser vividas a um ritmo mais lento, somente interrompido em agosto, por todos os emigrantes que retornam. Mas aos certo ninguém sabe como será. Vive-se um pouco na expectativa, tentando levar a vida com a normalidade possível.

Apesar de tudo, agosto continua a ser um mês augusto, um mês magnifico. Sem essa pausa seria dificil passar por todos os outros meses, avançar com os anos e ver o mundo a envelhecer enquanto nos reflete.


Texto publicado no Diário de Leiria  

As festas em casa e a substituição de moradores nas cidades

 Neste ano, sempre que cai a noite nas cidades, paira um manto de ruido que não era habitual. Em tempos de pandemia, especialmente nas zonas habitacionais de maior concentração, de prédios e apartamentos empilhados, as restrições mudaram comportamentos. Tendo em conta a qualidade construtiva e da própria arquitetura dos apartamentos, especialmente naqueles onde as pessoas dividiam quartos, esses espaços eram pouco convidativos à socialização. Mas neste momento, sem alternativas, as pessoas descobriram que podem fazer festas em casa, seja a que hora for.

Mas ao fazerem festas e convívios em apartamentos causam um profundo impacto na vizinhança. Quando ao lado moram pessoas de várias gerações e até de origens sociais e culturais diferentes o conflito tenderá a acontecer. Eu já passei por isto, e não tem sido fácil a convivência, apesar do esforço para dialogar e explicar a quem incomoda o seu impacto. Exige compreensão mútua, o que nem sempre é fácil de atingir.

Imagino que muitas outras pessoas tenham experimentado situações destas. Elas poderiam ser evitáveis, mas, provavelmente, vão tender a acontecer mais, à medida que os habitantes em certas zonas vão sendo substituídos por novos residentes, aproveitando a queda de preços, por outros mais jovens e estrangeiros, menos enraizados localmente. Neste momento fica-me a sensação de um certo abandono de alguns dos edifícios mais centrais e antigos das cidades. Talvez seja uma correria às vivendas e às habitações com algum espaço exterior, a pensar já em possíveis futuras vagas da pandemia. 

As cidades, até as mais pequenas como Leiria, estão a sofrer processos de mudança por causa da pandemia. Isto exige uma resposta. O setor imobiliário vai-se ressentir também, e todas as atividades associadas, tal como o próprio tecido social local que pode sofrer rasgos irreparáveis. Com a saída de estudantes de certos locais ficou um vazio que está a ser ocupado, talvez apenas temporariamente até voltarem. Desconhecemos que tipo de impactos económicos e sociais isto terá nas pequenas cidades que eram dependentes desse fenómeno. 

Tudo isto alimenta situações complexas e para as quais, na atualidade, temos poucas soluções. Faltam os espaços de comunicação e de planeamento da vivência comum. Dificilmente os poderemos criar agora, uma vez que as bases não estão lançadas e que reuniões presenciais são desaconselhadas. Podíamos tentar ensaiar ferramentas online, mas muitas dessas opções têm gerado espaços de odio e de polarização. O convívio presencial, cara-a-cara, atenua esses efeitos e gera mais compreensão. 

Esse tipo de iniciativas poderia partir dos cidadãos, das instituições ou dos dois em simultâneo. Imaginem como seria se tivéssemos estes espaços, tanto físicos como digitais, para poder gerar comunicação entre vizinhos em contexto urbano, tanto para resolver alguns conflitos como para gerar redes de entreajuda? Se não tentarmos nunca vamos conseguir mudar o estado das coisas. Vamos tentar?


Texto publicado no Diário de Leiria.


Valorizar as esplanadas e o espaço exterior à força

 A pouca importância que alguns restaurantes, cafés, pastelarias e bares davam à luz natural e ao espaço exterior sempre me deixou intrigado. Muitos destes espaços foram sendo instalados em edifícios que nunca foram pensados para esses fins, muitos em habitações e outros em lojas convencionais. Considerando estes condicionamentos, mesmo que se pretendesse, era difícil garantir uma boa relação com o exterior. 

A ausência de esplanadas também era comum. Quando existiam, muitas não passavam de algumas cadeiras e mesas espalhadas sem critério pelo exterior. Surgiam também aqueles casos das esplanadas totalmente cobertas e fechadas, autênticas estufas, que transformam uma suporta experiência exterior numa vivência de marquise. No fundo, esse recurso a explanadas tão fechadas, que esgotam o espaço público, são meras expansões de construção que tornam os edifícios e a sua relação com o exterior ainda mais disfuncional. 

Mas agora em contexto de pandemia, pela força da necessidade, as esplanadas abertas e arejadas são a norma. Teve de ser uma calamidade a fazer com que se descobrisse que é possível desfrutar de uma refeição ou de uma bebida ao ar livre? Obviamente que já existiam alguns espaços onde isso se podia fazer, mas este novo normal veio demonstrar que isso pode ser uma vantagem em praticamente todos os espaços, e que a qualidade das esplanadas vai ser um aspeto diferenciador. Quem tiver a melhor relação com o exterior vai prosperar. 

Parece absurdo que um país como Portugal precise de uma pandemia para apostar seriamente nas suas esplanadas. Basta viajar até outros países com climas muito mais agrestes para a vivência no exterior para perceber o nível do nosso desperdício, na incapacidade para saber valorizar o exterior, quer seja para atividades de comércio e serviços como fui referindo, quer para a disposição das próprias habitações. 

Continuamos a investir pouco nas nossas varandas e terraços. Os jardins da maioria das vivendas continuam a ser meros espaços frontais decorativos, pouco ou nada preparados para serem desfrutados por quem aí vive. São os casos das portas principais, salas de estar e jardins que se mantêm, mas para nunca serem utilizados. Provavelmente fruto de uma sociedade que ganhou mais meios materiais, mas que ainda não os conseguiu transformar em qualidade de vida. 

Tal como as vivendas, também temos espaços de comercio e serviços com potencial, mas falta aquele toque, aquele pormenor para os harmonizar com o exterior. A pandemia vai fazer também com que o espaço público exterior se valorize. Algumas esplanadas começam a avançar para espaços até agora reservados ao estacionamento automóvel. É um bom sinal e pode finalmente ser a força necessária para a melhoria da qualidade de vida nas cidades em Portugal. Só espero que não seja uma moda passageira e desgarrada dos processos de desenvolvimento urbanos. Porque para reclamar estes espaços que estavam destinados a outros fins, tais como o estacionamento, é necessária uma reformulação de todo o sistema urbano, incluindo o sistema de transportes. 


Texto publicado no Diário de Leiria


Levar uns jogos para as férias em família

 Em plena pandemia, sem sinal de abrandar em Portugal, os nossos hábitos de férias vão ter de sofrer algumas alterações. As grandes aglomerações em praias, hotéis, parques de campismo, festivais ou outros espaços semelhantes sofreram um rude golpe. O turismo urbano vai pelo mesmo caminho, pois as filas para visitar atrações, concentrações em espaços exíguos e o uso dos transportes públicos são desaconselhados. 

Muitas pessoas vão ter de reinventar hábitos. Provavelmente, muitos vão tentar escapar aos destinos habituais, procurar turismo rural e locais onde, eventualmente, consigam escapar a multidões. Não é apenas uma opção de gosto, este ano tem mesmo de ser assim. Muitos vão acabar por ficar por casa, apenas com saídas pontuais para arejar. Seja como for, a tendência será ficar e socializar com as mesmas pessoas em espaços delimitados e controlados. 

Mas esta nova realidade vem trazer desafios. Então o que fazer para ocupar e entreter estes grupos de pessoas em confinamentos condicionados? A minha resposta são as atividades coletivas, aquelas que possam fazer em casa, ou no exterior sem terem de se sujeitar a contactos externos. Teremos momentos em que iremos ficar em casa, provavelmente mais à noite, quer seja com a família ou com amigos com quem formos mantendo relacionamentos de proximidade e que estejam dentro da nossa rede próxima de contactos. 

Nesses momento, em que vamos ter de descobrir novas atividades, recomendo - como é meu hábito - experimentarem os novos jogos de tabuleiro. Podia recomendar outras coisas, mas os jogos são mais interativos e fomentam a socialização. Nos jogos de tabuleiro estamos todos a participar em simultâneo, olhos nos olhos, cara a cara. Se estivermos protegidos com essas pessoas do exterior então não haverá perigo. 

Com tanta novidade de jogos por explorar vão ter imensas possibilidade para aproveitarem estes momentos em grupo. Podem organizar sessões de jogos depois dos passeios e de fazer outras atividades. Podem até levar alguns desses jogos, aqueles mais simples e transportáveis, para as vossas próprias saídas, para jogar num jardim, debaixo de uma sombra, perto do rio ou do mar. Existem jogos para todos os tipos e apropriados a todas as condições possíveis e imaginárias.

Deixo então algumas recomendações de jogos simples, rápidos e transportáveis, destes novos designs que podem agradar a muitas pessoas.

Coloretto: um jogo de cartas em que temos de apanhar cartas de conjuntos que nos beneficiem e deixar as menos desejáveis aos adversários.

Dobble: jogo rápido de associação de objetos em que os mais rápidos a fazer essas associações ganham. 

Vende-se: jogo de leilões em que vamos tentar fazer os melhores negócios na compra e venda de casas.

Optimus: um jogo com alguns dados e que basta uma caneta para jogar, enquanto vão tentar fazer múltiplas combinações na nossa folha e libertar pontos. 

Millions: jogo de luta pelas cartas positivas e evitar as negativas, em que os jogadores têm de gerir os seus recursos durante o processo. 


Texto publicado no Diário de Leiria

O Youtube como forma de treino para comunicar

 Há uns anos comecei a escrever para os jornais locais, propondo os meus próprios textos de opinião. Depois fui colaborando pontualmente noutras publicações, num esforço para tentar melhorar a minha expressão escrita, mas também com o objetivo de ordenar as minhas próprias ideias. Criei vários blogues, sendo o primeiro de todos o abuscapelasabedoria.blogspot.com. Para além deste mantenho, entre outros, também o desartistico.blogspot.com, onde vou partilhando criações originais em vários formatos. Aproveito também algumas redes sociais específicas, tais como o Instagram e agora, mais recentemente, o Youtube. Todas estas criações servem três propósitos: registar o que faço, disponibilizar para poder receber críticas e aprender durante o processo. 

O Youtube tem-me permitido treinar outro tipo, mais profundo, de competências, que no meu caso eram praticamente inexistentes. A dicção, a fluidez do discurso e a emotividade da expressão não verbal eram miseráveis. Hoje continuam a ser fracas, mas a predisposição e regular produção de conteúdos vídeo, falando para uma câmara despersonalizada, que regista todas as nossas falhas, tem gerado imensas aprendizagens pessoais. Porque só é possível comunicar algo que se compreende, criar conteúdos vídeos de monólogos ou de diálogos é uma forma poderosa de nos submetermos a um processo contínuo de formação através da experimentação e da tentativa-erro. Esta é uma técnica típica da aprendizagem através dos jogos - que é algo a que me tenho dedicado - pois são arenas de experimentação estruturada por regras e com produção de respostas e avaliação para o desempenho dos jogadores. 

A produção de vídeos, submetidos numa rede social como o Youtube, é por si só também muito semelhante à aprendizagem pelos jogos. Podemos ver o resultado do que produzimos, para análise e melhoria. Os conteúdos submetidos numa rede social interativa permitem obter avaliações, quer pela quantidade de visualizações, quer pelas reações de aprovação ou desaprovação, tal como pelos comentários que eventualmente podemos receber. 

Neste momento o meu canal de Youtube “Jogos no Tabuleiro” (Youtube.com/c/jogosnotabuleiro), como expressão de entretenimento, mas também como espaço de exploração dos jogos de tabuleiro como ferramentas de aplicação para contextos sérios, ultrapassou os 1.000 seguidores. É muito pouco quando comparado com os canais mais visitados. Mas é muito para mim, uma vez que tem sido uma forma de cumprir os tais três objetivos anteriormente referidos: registo, avaliação e aprendizagem. 

Por isso, recomendo que experimentem algo de semelhante. Podem ficar muito longe dos principais youtubers, mas podem construir algo útil para vocês e para os outros, num espaço online interativo de aprendizagem individual e coletiva, no qual vão desenvolver competências essenciais para o atual e futuro mercado de trabalho. Fazer isto está cada vez mais simples, podendo ser feito através dos nossos telemóveis e com software fácil de utilizar.


Texto publicado no Diário de Leiria.


Saber viver e cuidar da boa vizinhança durante o confinamento

 Nestes últimos meses fomos todos forçados a passar mais tempo em casa. Esta necessidade extraordinária veio mudar muitos comportamentos e hábitos. Forçou-nos também a refletir sobre muitas coisas que as acelerações do dia-a-dia andavam a ocultar.

Pessoas que viviam em vivendas perceberam o quão importante é o seu espaço exterior, e as que vivem em apartamentos, em sentido inverso, ficaram a desejar por uma varanda maior. Percebemos que as nossas casas portuguesas estão pouco preparadas para vivermos nelas muitas horas, especialmente os apartamentos. E, com tantas pessoas em casa em simultâneo, surgem inevitavelmente situações de propensão para conflitos de vizinhança e dificuldades de convivência comum em espaços concentrados. 

Uma das razões para implementar os princípios de planeamento urbano colaborativo são precisamente estes conflitos que ocorrem, naturalmente, nas cidades, mas também em todos os territórios em que sobreposições de interesses diferentes ocorram. Isto é muito comum na utilização de espaços e recursos públicos, ondem existem várias prioridades e visões, com algumas delas a serem verdadeiramente antagónicas. Geram-se então conflitos, jogos de soma zero, onde o que uns ganham correspondem ao que os outros perdem. O planeamento colaborativo direcionado para a geração de consenso serve para mudar esse jogo, para que essas interações se transformem em jogos de soma positiva, em que todos ganham algo, garantindo que pelo menos algumas das suas demandas são consideradas.

Isto relaciona-se com coisas tão simples como ruido entre vizinhos. Este é um dos casos mais simples fruto do confinamento forçado. As pessoas vão estar mais tempo em casa, expressando os seus modos de vida e cultura de diversas formas. Uma delas é comunicando, outra é através da música. Tendo em conta o tipo de construções correntes em Portugal, especialmente em apartamentos, isto pode gerar problemas de vizinhança. Mais ainda quando não existe uma noção de respeito mútuo, provavelmente alimentada pela falta de espaços de diálogo e de compreensão mútua, aqueles espaços que resultariam da implementação de processos contínuos de planeamento colaborativo. 

Se as pessoas, mesmo sendo recém-chegadas a um prédio ou bairro, fossem integrados em comunidades organizadas para defender os seus interesses comuns teríamos mais facilidade em resolver estes atritos evitáveis. Seriam também formas de prepararmos as comunidades para responder ao poder político ou lobbies que podem condicionar ou não defender os seus interesses. A comunidade podia ser mais pró-ativa e ter um papel de transformação nas políticas territoriais, melhorando assim a sua qualidade de vida e a própria democracia participativa através destas abordagens colaborativas. 

A pandemia e seu confinamento ajudou-nos a perceber a importância de gerar condições saudáveis de vizinhança, quer seja para termos coisas tão simples como o descanso em casa, como para a possibilidade de podermos mobilizar forças coletivas para melhorarmos o futuro das nossas cidades. 


Texto publicado no Diário de Leiria


Jogos de tabuleiro para desenvolver competências nos profissionais de saúde

 Todas as civilizações têm os seus jogos e desde tenra idade que uma imensidão de jogos nos fascinam e desempenham um papel importantíssimo na nossa aprendizagem e desenvolvimento. Continuamos a jogar pela vida fora, mas a perceção tende a mudar. Apesar disso o nosso cérebro mantém-se plástico ao longo da vida, pelo que nunca deixamos de aprender, mesmo em idades mais avançadas. 

Os jogos geram experiências e estéticas que nos fascinam e emocionam. Transportam-nos para espaços imaginados onde tudo pode ser experimentado e testado. Logo os jogos são arenas de teste, mas diferentes das brincadeiras, pois essas não têm de ser estruturadas, não de ter regras definidas nem objetivos para alcançar. 

Todas estas características dos jogos permitem que sejam utilizados, mantendo a diversão, em contextos sérios. Através deles podemos treinar competências, melhorar as que temos e desenvolver até novas, num ambiente seguro, pois nos jogos a perda não tem consequências negativas. Nos jogos aprendemos perdendo simbolicamente, aprendemos errando e testando novas formas de abordar os desafios que nos são apresentados. 

Mas existem muitos jogos, de todos os tipos e com características que se adequam mais a certos contextos de aprendizagem e treino que a outros. O caso dos jogos analógicos, na sua maioria jogos de tabuleiro, porque se jogam sobre uma superfície, existem vantagens únicas. São naturalmente mais colaborativos, pois necessitam do envolvimento ativo dos jogadores para funcionarem. São mais transparentes nas suas mecânicas, permitindo adaptações com facilidade. Ao serem assim flexíveis, são excelentes para aplicar a contextos e objetivos particulares. Por serem necessariamente presenciais, vivendo da materialidade dos componentes e da riqueza da interação humana, são perfeitos para desenvolver competências sociais, muitas delas associadas ao que conhecemos por soft skills, as competências ditas suaves, mas que são essenciais. 

Por isso estamos a propor um projeto inovador, nascido em Leiria, na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Leiria (ESSLEI-IPLEIRIA). Uma ideia que consiste em aproveitar os novos designs de jogos de tabuleiro modernos, aqueles que os Boardgamers de Leiria da associação Asteriscos têm utilizado nos seus múltiplos projetos educativos e sociais. Com base nisso estive a ajudar a Marlene Rosa, investigadora e professora da ESSLEI-IPLEIRIA a criar um projeto para candidatarmos às Academias de Conhecimento da Gulbenkian. Nesse projeto propomos desenvolver sessões de treino de soft skills para que os futuros profissionais de saúde possam estar ainda mais preparados para lidar com as experiências e interações humanas em contexto de trabalho. Para isso queremos ajudar a desenvolver a comunicação motivacional, escuta ativa, gestão de expetativas, gestão de conflitos e tomada de decisão, tal como o estímulo criativo, entre outras. O projecto chama-se Gym2beKind, pois no fundo pretende criar um ginásio para treinar para a simpatia e humanização através da diversão. 


Texto publicado no Diário de Leiria.


Andamos a fazer demasiadas coisas ao mesmo tempo em casa

 O confinamento veio demonstrar como podemos fazer muitas coisas sem sairmos de casa. Neste momento fazemos claramente coisas a mais em casa, muita produtividade absoluta, mas pouca qualidade relativa. Os dias alongam-se sem barreiras entre a vida caseira e laboral. A casa transformou-se numa escola e os pais impreparados em professores. As crianças vão saltando de sofá em sofá, desejando poder voltar à rua e ao convívio com os colegas, exorcizando e libertando a energia que outrora ecoava coletivamente nos recreios das escolas.  

Os apartamentos ficaram mais exíguos, pois deixaram de ser meros dormitórios. Os lares passaram revelaram a sua ineficiência como máquinas de habitar, pois nunca as preparámos verdadeiramente para isso. Cozinhamos mais, sujamos mais, e em vez de vivermos apenas sobrevivemos mais em casa. Trabalhamos, educamos e pouco descansamos. Estamos todos no limite. 

Fazemos tantas coisas em casa, mas vamos, inevitavelmente, fazendo muitas mal. Faz-se tudo na medida do possível, de um modo que antigamente parecia impossível. Vivemos numa atarefada incompetência, a lidar com plataformas de comunicação desconhecidas onde participamos sem estar verdadeiramente presentes: a fingir que somos professores, a inventar novas formas de trabalhar e sem tempo para descansar. Fazemos isto tudo ao mesmo tempo, enquanto evitamos ser maus pais. As crianças dificilmente percebem que não lhes podemos dar a atenção que desejariam. Afinal, estando sempre em casa é normal que se sintam confusas.  Antigamente só estávamos todo o dia em casa nas férias e fins de semanas. Agora trabalhamos, enquanto garantimos que os nossos filhos têm aulas e fazem os seus deveres, enquanto se acumulam mais e mais tarefas domésticas. Temos toda esta carga sem poder recorrer ao apoio da família alargada. 

Estamos todos, permanentemente, numa situação de contínua pressão. Os pais não estavam preparados para estar tanto tempo com os filhos. O nosso modelo de organização social não previa isso. Mesmo quando um dos pais pode ficar em casa, o que é cada vez mais raro, existe uma rede de relações e atividades que permitem criar quebras para recuperar e desligar da realidade doméstica. Agora não temos nada disso. 

Agora fazemos muito mais coisas, mas não as fazemos bem. Trabalhamos pior, embora o trabalho à distância possa ser muito produtivo. Nestas condições estamos longe de poder potenciá-lo. Estamos ainda mais envolvidos na educação dos nossos filhos, mas sem as devidas competências para isso. Vivemos mais as nossas casas, apesar delas pouco se prestarem a essa intensidade de utilização. Este confinamento está a demonstrar que não conseguimos nem podemos fazer tudo ao mesmo tempo. Existem limites que temos de respeitar. 

Quando passar esta crise será que algo vai realmente mudar? Sabemos que a memória individual e coletiva são curtas. Mas esta experiência assemelhou-se a um trauma. Quando pudermos será que vamos deixar de correr tanto e tentar fazer tantas coisas ao mesmo tempo? Será? 


Texto publicado no Diário de Leiria.

Deveria existir permanentemente uma RTP Escola

 Em momentos de crise ocorrem situações extremas de necessidade de adaptação, e das quais surgem coisas interessantes e úteis que não imaginaríamos de outra forma. 

Nós, pais de crianças em idade escolar, não imaginávamos que iriamos estar em casa, a trabalhar à distância enquanto, ao mesmo tempo, teríamos de substituir parte das tarefas dos professores. As escolas tentaram dar respostas, umas melhores que outras, mas estamos todos em situação de exceção e de natural desconforto. O uso das tecnologias de comunicação e informação teve um impulso e crescimento exponencial, ao ponto de se dizer que o ensino nunca mais será o mesmo. O próprio conceito de telescola, que serviu para aumentar a escolaridade dos portugueses a partir dos meados dos anos 60, foi agora recuperada depois de abandonada há uns anos. A grande questão é: porque não estavam implementados estes modelos de ensino à distância?

O #EstudoEmCasa é a nossa telescola da atualidade. Porque não apostar, a partir de agora, neste formato de ensino de forma permanente? Não seria útil para as crianças, mas também para os adultos? Com um investimento contínuo haveria condições para melhorar este tipo de serviço público. Poderiam ser exploradas formas mais interativas, com mais elementos multimédia nesta nova telescola, indo até além da tradicional televisão. Quantos adultos não ganhariam com esta possibilidade de rever ou reaprender o básico da escolaridade? Havendo uma grelha pública mais alargada e a possibilidade de termos mais canais de acesso gratuito através da TDT porque não criar a RTP Escola? Esse canal poderia ser um apoio permanente aos estudantes dos vários graus de ensino, algo que os pais pudessem assistir também, numa reinvenção da televisão como atividade familiar. Poderia exibir documentários temáticos acessíveis que interessassem a todas as idades. Quem não pode pagar televisão por cabo ou os canais de streamming, como Netflix e outros, não tem grandes alternativas a telenovelas, reality shows e noticiários repetitivos. Isto seria, verdadeiramente, um serviço público educativo e formativo, quem sabe um modo de combater o flagelo da nova ignorância e das notícias falsas. 

Reparem como esta nova escola televisiva poderia ser também uma forma de gerar igualdade de oportunidades, proporcionando mais uma alternativa para as famílias que não podem pagar apoio ao estudo ou explicações. Seria uma forma de reforçar o serviço público de uma forma muito concreta. Seria também uma forma de criar emprego para professores que se poderiam especializar nestes novos formatos de comunicação educativa. Poderia gerar mais empatia e aproximação dos professores aos cidadãos, reforçando a sua imagem e reconhecimento social. O futuro depende deles como profissionais, das nossas crianças como agentes ativos dos ensinamentos e competências que adquirem, mas também de todos nós que aspiramos a uma sociedade onde o saber e a cidadania dominem. Quem sabe a telescola do futuro possa contribuir para isso.


Texto publicado no Diário de Leiria.
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Redundâncias da Actualidade - criado em Novembro de 2009 por Micael Sousa





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