domingo, 6 de dezembro de 2020

Black Friday: deturpações e enganos para defender o ambiente

Num mundo globalizado, dominado por modelos agressivos de incentivo ao consumo, a disseminação mundial do fenómeno do “Black Friday” não surpreende. O “Black Friday”, traduzindo à letra, é a sexta-feira negra, embora não seja uma referência negativa. Era a primeira sexta-feira a seguir ao feriado e celebração norte americana do “Dia de Ação de Graças”, que, no calendário do comércio, marcava o início da época de Natal. Nesse dia as lojas abriam mais cedo e praticavam promoções e descontos que tendiam a ultrapassar os 50%. Era um dia simbólico, de apologia do consumo, mas que tinha também a função prática de fazer esvaziar as lojas de um modo orgânico, para que pudessem acomodar os novos produtos, dando o pontapé de saída para um mês de excessos. 

Nos EUA este tipo de fenómeno é compreensível, uma vez que o seu modelo económico assenta no incentivo ao consumo interno, de um modo avassalador desde o final da 2.ª Guerra Mundial. Igualmente avassalador são os efeitos ambientais deste consumo desregrado, algo que se manifesta nos usos per capita de recursos naturais. Um americano consome, em média, o equivalente aos recursos renováveis anuais de 5 planetas Terra. O que significa que estão com um défice de pelo menos 4 planetas. Mas nós em Portugal não estamos muito melhor, pois consumimos mais do dobro do que o planeta poderia gerar anualmente. Os efeitos disto só não têm sido maiores porque em muitas partes do mundo uma multidão de pessoas consome muito menos, normalmente por questões de pobreza e não por opção. Por isso, se este “Black Friday” é negro, isso será pelos efeitos ambientais que provoca ao incentivar consumos excessivos, especialmente nos países onde isso já é insustentável. 

Mas como tem sido o “Black Friday” na prática em Portugal? Apesar do processo de aculturação, por cá modificamos tanto o conceito que o desvirtuamos até ficar irreconhecível. Se nos EUA as pessoas corriam às lojas, com inúmeros casos de violência, para meter as mãos naquela TV com 80% de desconto, por cá as lojas estão a praticar campanhas de descontos de 10 a 20%. Estão a chamar “Black Friday” a campanhas de promoção de baixos descontos que duram todo o mês de novembro. Qual a diferença para as campanhas de promoções tradicionais? Pouca ou nenhuma. Está tudo tão indiferenciado, o conceito tão mastigado e dissipado no tempo, que já nem se liga, pois são apenas os descontos do costume. Parece que isto do “Black Friday” apenas tem servido para nos relembrar da existência das lojas.

Visto de outra perspetiva, o modo como se deturpou o conceito de “Black Friday” em Portugal, com o seu incentivo ao consumo e ao esvaziar de lojas para a época alta do Natal pouco eficientes, pode ser apenas um reflexo na nossa maior consciência ambiental. Provavelmente foi uma maneira inteligente de controlar o consumo por cá. Se assim for, então há que reconhecer o mérito e inteligência desta opção. Por isso e não só, nem uma compra de “Black Friday” fiz. Mas só não fiz mesmo porque não encontrei nada que o justificasse. No final até fiquei com a consciência ambiental mais limpa. 

Texto publicado no Diário de Leiria


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Redundâncias da Actualidade - criado em Novembro de 2009 por Micael Sousa





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