quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Risco de perda de conhecimentos técnicos no processo de descentralização: intervenção na Assembleia Municipal de Leiria

A proposta que nos chega do Governo promete cumprir alguns desejos antigos de descentralização, mas deixa imensas dúvidas, pelo menos para já. 

Provavelmente, pelo forte municipalismo e pela história da construção humana e cultural do território português, tenha sempre sido dificil implementar regionalismos como forma de governança, longe do que encontramos noutros países até mais pequenos do que Portugal. Na prática, a ausência de um nível intermédio de governança, entre o nível municipal e o Estatal, tem condicionado o nosso desenvolvimento coletivo, especialmente em Leiria. Por exemplo, por cá nem sequer sabemos ao certo do que falamos quando invocamos uma pretensa região de Leiria.

Espero que esta vontade de descentralizar coincida com a criação dos mecanismos de governança, planeamento e gestão que a escala intermédia regional necessita. Pois uma região é mais que a mera soma de concelhos. Tenho também esperança que isso possa ser construído através de processos democráticos de decisão por parte dos cidadãos, e não por mera representação de outros representantes políticos. Quanto maior o envolvimento dos cidadãos em todos os aspetos da governação maior o desenvolvimento económico, cultural e social de um território. Provas disso por todo o mundo não faltam.

Preocupa-me também agora a operacionalização da proposta que nos chega, especialmente pelo que fica de fora. Os municípios têm dificuldades em lidar com assuntos de complexidade técnica, especialmente quando o nível de especialização é muito grande. Por isso subcontratam serviços externos técnicos, tentando responder à escassez de recursos humanos. O que é melhor do que seguir pela via do senso comum, que num instante se transforma em “bitaite” e “achismos”. Não porque as pessoas não tenham direito à sua opinião, mas porque se evitam assim erros técnicos que afetam a vida de todos nós.

Nota: Intervenção realizada durante a sessão extraordinária da Assembleia Municipal de Leiria, de dia 30 de Janeiro de 2019, a propósito da proposta e delegação de competências para o Município de Leiria, a propósito do processo de descentralização. 

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Sustentabilidade urbana: Aprender com o exemplo do mercado de La Varenne

Sempre que vou a Paris visitar familiares há um mercado que visito religiosamente. Costumo ir várias vezes por ano ao mercado de La Varenne, que fica em de Saint-Maur-des-Fossés, parte da área metropolitana de Paris e cidade geminada com Leiria, mais ou menos com a mesma população urbana que Leiria.

A estrutura do mercado é muito simples, pouco mais do que uma estrutura metálica e de vidro que protege da chuva. Mas nem por isso menos digno e atrativo, apesar do clima ser muito mais agreste no inverno que pela nossa terra. O mercado enche, especialmente ao domingo de manhã, com pessoas de toda a envolvente urbana. 

Ao darmos uma volta pelo mercado ficamos a perceber porquê. As bancas são muito apelativas. Mesmo os produtos mais simples, os hortofrutícolas por exemplo, têm ótimo aspeto e estão dispostos e ordenados de modo cativante. Dá vontade de comprar tudo. Por outro lado, existe uma oferta grande de produtos diferenciados, especialmente de comida pronta, quer de petiscos originais quer de refeições completas típicas. Não faltam também as carnes, peixes e mariscos. Há bancas de queijos e enchidos com uma grande variedade. As flores também marcam presença, adornando e sugerindo ofertas que reforçam laços afetivos. Existem bancas com produtos típicos de vários países e até de produtos biológicos. 

Mas não pensem que isto é um mercado gourmet, feito para elites ou pessoas endinheiradas. O mercado tem produtos para todos os preços e existe para servir a população local. Não é o único mercado da cidade. Existem outros, cada um pensado para cada zona urbana. 

Existem várias razões para o sucesso destes mercados em toda a zona urbana de Paris. Os produtos são de qualidade, diferenciados e beneficiam do envolvimento de profissionais jovens e abertos à inovação. A qualidade do mercado não tem relação direta com o edifício, mas com os produtos, a localização urbana e proximidade aos consumidores. Ir ao mercado é um ato social e de passeio, pois a esmagadora maioria das pessoas deslocam-se a pé. Isto só é possível porque resulta de um processo de planeamento urbano, em que cada zona da cidade tem o seu próprio mercado de proximidade, com negócios direcionados para as necessidades locais. A proximidade incentiva, tal como a qualidade da envolvente, dos jardins, das infraestruturas públicas e das lojas de rua que também beneficiam com os movimentos de pessoas que andam pelas ruas. O efeito do transporte público é evidente, pois há sempre autocarros a passar e o metro fica bem perto. E a concorrência com os supermercados e hipermercados não condiciona o mercado, pois existem alguns mesmo ao lado, abertos à mesma hora. São complementos porque os produtos e a experiência que oferecem não são os mesmos.  

Este é um exemplo de sustentabilidade urbana, porque este mercado reforça a produção local, incentiva o surgimento de novos produtos, reforça os laços sociais da comunidade, não querer infraestruturas dispendiosas para funcionar enquanto evita o uso dos automóveis e sugere hábitos saudáveis.

Texto publicado no Diário de Leiria

Insustentabilidade democrática: as secas políticas

Hoje em dia são milhentas as solicitações que temos nas nossas vidas. Independentemente da nossa capacidade financeira, existem muitas alternativas constantemente a concorrer pelo nosso tempo. Nisto incluem-se principalmente as atividades que nos dão prazer. Há cada vez mais uma concorrência de prazeres e o consequente evitar de tudo o que nos desagrade. Mas não adiante querer ser um purista e recriminar quem segue a busca pela felicidade através dos seus prazeres individuais, esquecendo de dedicar parte do seu tempo a alguns deveres sociais para com os demais. Não vale mesmo a pena querer fazer esse papel moralista pouco popular, porque só nos vai amargurar e afastar ainda mais as pessoas que queremos, eventualmente, convencer a mudar de atitude.

A solução passa por tornar as atividades cívicas, sociais, politicas e tudo o que seja relevante para a nossa comunidade, mais atrativas. Em algumas atividades é mais fácil gerar gratificações imateriais - ditas felicidade - que se relacionam a sociabilização e integração com a comunidade. Noutras é mais difícil, especialmente na vida política, tão carregada de modos de fazer e estigmas que condicionam a boa-vontade de fazer algo mais pelo efeito coletivo do que pelo benefício individual. Por isso vou centrar-me no exercício da atividade política, pois tenho alguns anos de experiência nessas lides. 

Os mecanismos de participação política não são cativantes para a maioria da população. Uma coisa não tem de ser menos séria para ser divertida. Pode parecer contraditório, mas não é. A seriedade relaciona-se mais com a coerência nestes casos. Podemos ser sérios nas nossas intenções e princípios políticos ao conduzir processos divertidos de produção de trabalho político, tal como na implementação dessas ideias e medidas. A política não tem de ser um antro de pessoas carregadas, maldispostas e cinzentas, sempre dadas a agressividades e facciosismos injustificados. Não temos de andar à pancadaria com a oposição em democracia. Podemos discordar e devemos tender para algumas convergências e acordos. Nada impede que se utilizem dinâmicas interativas com os cidadãos para cativar, usando dinâmicas lúdicas e até jogos. 

Já assisti a atividades políticas incrivelmente aborrecidas, especialmente pela forma como estavam construídas. Já perdi horas intermináveis sem qualquer resultado útil final em reuniões políticas. Já me cobriram de tédio com monólogos monocórdicos. Já ouvi tanta vez a mesma coisa, sempre das mesmas pessoas, que o sentimento de repetição se torna angustiante. 

Em certos casos parece que se faz de propósito para que os processos políticos sejam longos, inconsequentes, desinteressantes e tudo o mais que afaste as pessoas dos movimentos ou partidos políticos, para que se mantenham coutadas de uns quantos. 

Mas esta realidade não é motivo para desistir da participação política, pois seria o fim da democracia. A própria democracia tem de continuar a ser melhorada e adaptada para persistir e ser sustentável.

Texto publicado no Diário de Leiria

Para sociabilizarmos não basta estar com outras pessoas

Nesta quadra vamos estar, se tivermos uma vida social normal, em múltiplos eventos sociais. Com isso estou a contar todo o tipo de festividades e encontros, desde os momentos em que vamos tomar um café a dois até às festas de multidões. 

Todos estes ajuntamentos humanos têm razões próprias de ser, e ocorrem por diversos motivos. A duração e objetivos são dos mais variados. No entanto, todos eles, para funcionarem, para serem agradáveis, obedecem a determinados sistemas de regras sociais, mais ou menos formais. 
Juntar pessoas num mesmo espaço e esperar que a magia da sociabilização aconteça é puro otimismo. Todos os grupos necessitam de um sistema de comunicação e relacionamento para que a sociabilização possa fruir. Por vezes até uma conversa continuada é difícil de garantir.

Nos dois últimos textos referi-me aos jogos como ferramentas para garantir animação nas festividades. Mas não explorei o porquê disso. A utilização de jogos relaciona-se com algo que se estuda nas ciências sociais e humanas, especialmente nos estudos da colaboração. Para haver colaboração é necessário partilhar um determinado sistema de valores e de regras sociais.  Os jogos garantem isso, o sistema de regras e a dinâmica que, nem que seja por um breve momento, submete todos os que queiram jogar ao mesmo sistema de sociabilização e expressão individual. Se esses jogos forem potenciadores de boa disposição, se incentivarem a criatividade e a comunicação, servem de desbloqueadores para os nossos processos de sociabilização. Sociabilizamos naturalmente enquanto espécie, embora isso seja potenciado pelas tais regras e valores, caso contrário facilmente podemos cair na apatia ou até conflito e repulsa alheia.

Juntar simplesmente pessoas para que elas trabalhem em equipa não é suficiente. Há que definir o sistema de funcionamento do grupo, as regras e os objetivos, mas de forma a que acomode a individualidade e a necessidade de flexibilidade para a identidade coletiva em construção, tal como dos objetivos para os quais o dito grupo existe, sempre sem esquecer a força do individualismo. 

Assim, nestas festas de final de ano, não basta comer e beber em conjunto. Isso só ajudará, se em torno da comida se gerar uma conversa - uma análise do que se come e como come pode ser uma opção -, se existirem canais de participação para garantir essa expressividade. Se forem simplesmente comer, como ato mecânico de encher a barriga, em grupo, pouco irão sociabilizar. Recomendei jogos e recomendo igualmente mais coisas, tão simples como uma conversa que possa ser partilhada na construção de uma identidade de pertença coletiva, sobre algo que envolva as pessoas, as traga para o momento de sociabilização, sem entrar em monólogos e dominâncias de uns sobre os outros.
Não temos de ficar em grupo isolados enquanto adoramos os telemóveis. Quando isso acontece é sinal de que o sistema de valores e de partilha não está definido, porque estão simplesmente uns com os outros num vazio relacional. Já pensaram nisso? 

Texto publicado no Diário de Leiria

Alguns exemplos de Jogos de Tabuleiro sustentáveis para este Natal

No meu último texto comprometi-me a recomendar alguns jogos de tabuleiro modernos como possíveis prendas de natal, por serem sustentáveis. Mas queria salientar que existem muitas outras opções sustentáveis, especialmente quando optamos por ofertas não materiais. 

Apesar de tudo, os jogos de tabuleiro têm sempre algum impacte ambiental. No entanto, é muito menor que outras opções. Não gastam energia na utilização, têm baixos níveis de obsolescências, altos níveis de durabilidade e podem ser facilmente vendidos e trocados, evitando gerar resíduos depois de, eventualmente, lhes termos esgotado a jogabilidade.  Relembro também as restantes dimensões que os tornam produtos do desenvolvimento sustentável, nomeadamente a dimensão social que têm e a associação a uma nova industria criativa, tal como a promoção cultural da literacia através dos designs de qualidade. Mas o objetivo deste segundo texto passa por recomendar diretamente alguns jogos que podem ser oferecidos ou jogados neste natal, incutindo indiretamente mais sustentabilidade, e convívios mais animados nesta quadra.

Poderia recomendar centenas de jogos, mas vou referir apenas alguns exemplos, dos que são mais baratos e acessíveis, de várias editoras e que podem ser adquiridos com facilidade em Portugal e na região de Leiria. Mas se os quiserem experimentar primeiro podem sempre passar pelos encontros gratuitos dos Boardgamers de Leiria.

Dobble. Jogo em que cada carta tem um objeto em comum com todas demais cartas. O jogador que conseguir descobrir primeiro o seu objeto comum avança no jogo. Este jogo pode ser jogado por crianças a partir dos 3 anos, tal como adultos, mudando a velocidade. 

Catan. Jogo de gestão de recursos, planeamento estratégico e espacial. Os jogadores devem dominar a estatística das localizações para produção de recursos, tal como a arte da negociação, que lhes permite expandir os seus domínios sobre o território. Pode ser jogado por crianças a partir dos 8 anos, e é muito popular entre adultos. 

Dixit. Jogo de narração criativa. Os jogadores recorrem a cartas ricamente ilustradas de forma surrealista para contarem pequenas histórias. Estimula-se a comunicação de forma estratégica e criativa. Indicado para toda a família, podendo ser jogado por 12 pessoas ao mesmo tempo.

Passa o desenho. O jogo do telefone avariado, em que cadernos vão rodando pelos jogadores, criando sequencias hilariantes de palavras e desenhos. É comum chorar a rir no final de uma rodada. 

Mistacos. Jogo de empilhar cadeiras, em que se treina a destreza e um certo nível de estratégia estrutural. 

Skull
. Jogo de bluff com muita tensão, que pode ser jogado rapidamente até 6 pessoas, dada a sua simplicidade. Os jogadores jogam ocultamente peças ou tentam adivinhar por leilão as peças dos adversários, tentando evitar as caveiras.

Soldado Milhões. Jogo de cartas em que cada jogador deve gerir os seus recursos, tentando ganhar cartas de pontos em cada rodada por leilão. Todos começam com os mesmos recursos para os leilões.

Ofereçam produtos sustentáveis no Natal: jogos de tabuleiro modernos

O Natal está a chegar e importa falar de sustentabilidade. Longe de mim querer ser moralista e dizer que esta época é o cúmulo dos vícios consumistas e da hipocrisia. Até pode ser, mas também é muito mais que isso. Acho mesmo que é pena ser somente uma vez por ano, mas antes uma vez que nenhuma. No pior dos caos, pelo menos nesta época somos incentivados a pensar nos outros.

Por isso, quase todos vão tentar escolher os melhores presentes para oferecer, fazendo esticar o orçamento. Proponho acrescentar também, às limitações orçamentais, a preocupação para com a sustentabilidade. Ou seja, será que aquilo que vamos oferecer é sustentável em todas as vertentes do termo: ambientalmente, socialmente, culturalmente e economicamente? 

Proponho que considerem os novos jogos de tabuleiro por serem ambientalmente mais sustentáveis, pois são construídos em materiais facilmente recicláveis e têm baixa taxa de obsolescência. Se o jogo for bom vai dar anos de diversão, podendo ser vendido depois caso não vos interesse mais. Isso será possível porque os materiais tendem a durar e o design do jogo não se desatualiza se for bom. Esse jogo, por essa razão, só se transformará em resíduo depois de muita utilização. Estamos perante uma vertente da economia circular, em que os produtos são constantemente utilizados, na mesma ou em novas formas, evitando-se a produção de um resíduo sem o máximo aproveitamento. Para quem tenha mais curiosidade, estes conceitos estão a ser abordados em Leiria no projeto Urbanwins. Por outro lado, estes jogos não consomem energia para serem jogados, logo baixam consideravelmente a sua pegada ecológica, tal como dispensam qualquer outro tipo de periférico eletrónico. Uma mesa, cadeiras, ou até o chão servem para os jogar. 

Os jogos de tabuleiro são potenciadores do convívio social presencial, promovendo e reforçando os laços sociais, com toda a riqueza da comunicação multidimensional. Se uma imagem vale mais que mil palavras, um olhar transmite mensagens únicas. As emoções sentem-se mais ao vivo e com estes jogos podemos sentar famílias inteiras à mesa, promovendo a aproximação intergeracional. 

Do ponto de vista económico os jogos de tabuleiro são muito relevantes, pois podemos comprar produtos nacionais, e por vezes até locais. Podemos apoiar as editoras e criadores, que geram emprego e uma produtividade concreta, real e exportável. Apoiamos uma industria criativa e abrimos novos caminhos para mais desenvolvimento, pois os jogadores de hoje podem ser os criadores de amanhã. Por ouro lado, o mesmo produto pode ser usado por varias pessoas, podendo ser uma prenda coletiva mais barata.

Até agora falei muito no abstrato. Não recomendei um único jogo. Deixo aos leitores a liberdade de refletirem sobre isso. Se forem procurar por estes novos jogos vão encontrar uma imensidão de novas criações. Não vos quero retirar esse prazer. Mas também não vos quero deixar órfãos destas ideias e sugestões. Por isso, num próximo texto, irei fazer recomendações concretas resumidas. Até daqui a 15 dias!

Texto publicado no Diário de Leiria

A sustentabilidade das curtas distâncias: urbanismo

Se percorrermos grandes distâncias no dia-a-dia vivemos de forma sustentável? O ideal será construir todo um sistema de desenvolvimento urbano baseado nas custas distâncias, preferencialmente na distância que se pode fazer a pé. Aponta-se assim automaticamente para a concentração urbana. No entanto isto não é sinónimo de viver apenas em arranha-céus ou em cidades congestionadas. É exatamente o oposto disso. 

Modelos de concentração e promoção dos consumos e vivências de curta distância podem ser garantidos também nos níveis de construção menos intensos. O que só é possível com um planeamento adequado. Será necessário garantir primeiro as devidas infraestruturas, equipamentos, serviços e transportes antes de novas expansões urbanas serem possíveis. Para isso existem instrumentos de gestão do território. Os Planos de Pormenor e os Loteamentos podem garantir estas restrições e promoção de um desenvolvimento urbano integrado e de conjunto, ao delimitarem usos dos solos e desenhos urbanos que garantam níveis adequado de concentração urbana e a reserva para instalações de serviços de apoio a residentes. Casos concretos passam pela inclusão de espaços verdes, espaços para equipamentos públicos, vias de acesso multimodais, mas também pela gestão e planeamento dos lotes, com espaços de comercio e serviços adequados à dimensão da população residente expectável. Nada disto é novo, mas nem por isso tem sido utilizado de forma adequada por quem deve planear o território. 

Mesmo nos espaços rurais é possível fazer certos níveis de concentração sustentáveis, ordenando o território existente e sua ocupação. Não basta definir grandes áreas de baixa densidade. É preciso planear essas áreas, para que tenham um mínimo de condições e se evitem viagens desnecessárias, especialmente em veiculo automóvel. Devem haver escolas de proximidade, farmácias e outros serviços, tal como comercio retalhista e acesso a produtos de consumo. Quando tal não é possível há que reforçar o transporte público para garantir esses acessos. Se mesmo assim isso não puder ser garantido, não se deve incentivar a expansão urbana nessas áreas. Se não assumirmos isto dificilmente teremos espaços urbanos sustentáveis. Quer queiramos quer não, mais tarde ou mais cedo, vamos pagar a fatura por essas opções (ou falta delas).

Imaginem se todos pudéssemos fazer percursos a pé para levar os filhos à escola, ir às compras, ir ao café, tratar de um assunto administrativo, enquanto fazemos exercício físico e passamos por pessoas conhecidas na rua. Será mais difícil garantir isto nas deslocações de trabalho, mas há alternativas e novas formas de trabalhar. Devemos por isso também incentivar a possibilidade de viver o mais próximo possível do trabalho, como algo de interesse público. 

Na realidade vai faltando planeamento e ordenamento do território para mais sustentabilidade, onde se inclui a capacidade de preservar os recursos, poupar economicamente, garantir integração social e prolongar a nossa saúde através de hábitos de vida saudáveis. 

Texto publicado no Diário de Leiria

Alterações climáticas e as catástrofes de outubro em Leiria

Quem esteja minimamente atento já ouviu muitas informações sobre as alterações climáticas. A possibilidade transformou-se em certeza e as provas estão por todo o lado. Infelizmente, em outubro de 2017 e outubro de 2018, sentimos isto na pele na nossa região. 

Se no ano passado a baixa humidade, elevada temperatura e vento moderado criavam as condições propícias para a deflagração e avanço de fogos violentos incontroláveis, neste outubro os efeitos climáticos geraram outras catástrofes. Rajadas de ventos além da centena de quilómetros por hora, dignas de comparação com os furacões que nos chegam pelos noticiários de terras distantes, deixaram rastos de destruição na região de Leiria. Os danos ainda estão a ser contabilizados, mas sabemos que são enormes para já.

Nada disto é fruto do acaso. As estações estão instáveis. As mudanças são súbitas e os eventos climáticos extremos, mesmo em países como o nosso, onde estas ocorrências eram raras e as estações previsíveis. Estes perigos obrigam a planos de contingência e adaptação para lidar com as catástrofes cada vez mais prováveis. Os desafios são imensos. O território está ocupado, nem sempre da forma mais adequada. Falta ordenamento e planeamento para a nova realidade a que vamos estar sujeitos. Os próprios sistemas construtivos, em zonas mais sensíveis, provaram não ser adequados. Mas será que estamos preparados para abdicar de algumas coisas para melhor nos prepararmos para o futuro? 

Se os cientistas nos avisavam há anos para a insustentabilidade do nosso comportamento porque fizemos tão pouco para mudar e evitar as consequências? A razão prende-se com o sistema económico, social e cultural vigente, assente no consumismo e individualismo. Dificilmente alguém irá abdicar do seu direito ao consumo para minimizar o somatório dos efeitos e todos. Ainda hoje temos imensa relutância em abdicar do uso excessivo dos automóveis, de consumir bens alimentares de elevada pegada ecológica, de abusar de outros consumos evitáveis em alternativa a opções menos impactantes. Continuamos a viajar demasiado, a gastar águas e eletricidade de forma desregrada. Participamos nos ciclos intensivos de consumo de bens descartáveis. Não promovemos os consumos de curta distância, de produtos endógenos à nossa área territorial de proximidade. Não estamos preparados para fazer decrescer o nosso consumo, porque no fundo toda a economia assenta em princípios contrários a isso, em que o crescimento é um bom sinal. O consumo elevado chega a ser também uma demonstração de estatuto social. A tecnologia disponível ainda não se implementou de forma a manter o nível de consumo sustentável, e essa não parece ser a prioridade. Somos egoístas, mas vamos sofrer as consequências.

Será que vamos continuar a ficar chocados e alarmados com as catástrofes sem mudarmos comportamentos? O ponto de não retorno está quase aí, se é que não passou já. Como espécie temos a capacidade de nos adaptarmos para sobreviver. A grande questão será se essa adaptação será à força se por opção própria?

Texto publicado no Diário de Leiria

A Reabilitação Urbana Previne Resíduos

O projeto Urbanwins entrou na fase decisiva. Foram apresentados dados referentes ao metabolismo urbano de Leiria, provenientes de um modelo técnico e académico que poderá ajudar à gestão municipal de resíduos. É uma ferramenta de fundamentação científica para a tomada de decisão, algo que nem sempre acontece e que deveria servir de exemplo. Os modelos permitem traçar cenários e estimar os efeitos das ideias delineadas. Imaginem-se todos os erros que se poderiam ter evitado se apostássemos um pouco mais na compreensão, planeamento, gestão e avaliação dos problemas e desafios públicos.

O modelo referido diz-nos que os resíduos de construção e demolição são preocupantes. O setor da construção em Portugal, e muito marcadamente na região de Leiria, tem um importante peso económico. Crises e entraves à expansão urbana abalaram o setor, mas nem por isso se tornou irrelevante.

Pela sua importância e historial não podemos simplesmente prescindir do setor da construção. As cidades até podem abrandar o seu crescimento, mas não deixámos de construir. As necessidades de habitação não estão garantidas à partida, pois os edifícios degradam-se e as exigências de conforto e qualidade de vida aumentam. 

Considera-se sustentável reutilizar, reciclar, renovar, reinventar e recircular. No setor da construção faz sentido falar também em reabilitação e regeneração. Existe muito edificado degradado, necessitando de ser reaproveitado, o que implica, quase sempre, intervenções de reabilitação urbana, que são de sucesso quando permitem regenerar os tecidos urbanos, com novos habitantes e usos que geram atividades económicas, culturais e sociais. Estas intervenções permitem também melhorar os ambientes urbanos. Sem esse melhoramento das condições de vida, dificilmente se pode aproveitar os edifícios existentes.

As temáticas da reabilitação urbana e da gestão de resíduos estão relacionadas. As cidades e edifícios existentes são recursos. Se não os aproveitarmos estaremos a gerar desperdício e necessidade de consumir novos recursos, de despender mais energia, de aumentar a extensão das cidades que nos faz percorrer maiores distâncias, necessitar de novas infraestruturas e equipamentos. Esta expansão consome mais solo, dificilmente recuperável. Reabilitar e recuperar o património edificado, sendo histórico ou não, previne o consumo de recursos, evita também a entrada de novas matérias-primas nos ciclos de consumo e fileiras de resíduos. Tem também outro benefício. A recuperação dos edifícios, para além de manter a história, o património e a identidade, é uma atividade bastante intensiva em mão-de-obra, gerando mais emprego. Uma reabilitação de qualidade usa preferencialmente recursos locais, evitando os custos e impactes de transporte.

Como tentei demonstrar, a reabilitação urbana ou de edifícios isolados, tem imensas vantagens, mas nem sempre são consideradas nas análises e saldos económicos dos empreendimentos. Por vezes parece ser mais cara, mas tal ocorre porque os reais custos de contruir novo, diretos e indiretos, não são totalmente internalizados no custo final. 

Texto publicado no Diário de Leiria
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Redundâncias da Actualidade - criado em Novembro de 2009 por Micael Sousa





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