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sábado, 8 de fevereiro de 2020

Moeda Local para Leiria: sugestão feita na Assembleia Municípal de 7/2/2020



Ideia base: Implementar uma moeda local no concelho de Leiria, criando a moeda de Leiria.
Objetivos: promover comportamentos sustentáveis, apoiar o comércio local e contribuir para a divulgação e imagem do concelho. Criar uma moeda física que se pudesse obter, de forma limitada, através de um projeto integrado de desenvolvimento local.

Como implementar:
• Consiste num projeto em que afeta uma verba municipal anual pré-estabelecida para a moeda em circulação;
• Funciona como um projeto de fomento de atividades locais, previamente definidas pelo município;
• Pode agregar outros parceiros que pretendam aderir para financiamento do projeto;
• Pode começar com uma fase em projeto piloto, para posterior adaptação e alteração.

Como obter a moeda local:
• Residentes no concelho de Leiria podem obter a moeda local através de um programa municipal de desenvolvimento sustentável (i. e., reciclar resíduos, utilizar transportes públicos e de bicicletas, consumir produtos locais, realizar ações de voluntariado ou outras que se insiram nas estratégias de desenvolvimento sustentável local). A quantidade de moeda que cada cidadão pode receber deverá ter limites.
• As moedas podem ser compradas nos espaços municipais, especialmente nos museus, uma vez que turistas e visitantes tendem a ter interesse nestes produtos. 

Benefícios particulares:

• Todos os cidadãos podem transacionar ou receber as moedas de Leiria, podendo ser utilizadas para pagar produtos e serviços no comércio local aderente, até limites também pré-estabelecidos;
• O comercio local e/ou prestadores de serviços podem aderir à rede aceitando pagamentos com moeda local, que depois poderão converter junto do município até determinados limites estabelecidos.

Benefícios globais:

• Promoção de comportamentos sustentáveis de impacto e benefício coletivo;
• Estímulo e apoio ao comércio e empresas locais;
• Reforço das relações sociais entre residentes e comerciantes/empresas;
• Aumento da resiliência local com base numa economia circular de base local;
• Aumento de receitas de turismo;
• Promoção e marketing territorial para Leiria;
• A criação da moeda é um ato de criação com valor cultural por si (i.e., as imagens podem estar associadas ao património local);
• Replicável noutros concelhos, e com casos particulares para as várias freguesias;
• Passível de aplicado a outras áreas temáticas, podendo ser enquadrada como projeto de apoio à Rede Cultura 27.

sábado, 18 de janeiro de 2020

A importância das árvores em meio urbano

Quando pensamos em árvores tendemos a idealizar florestas. Mas as árvores podem e devem existir nos meios urbanos. São essenciais para a qualidade de vida nas cidades, pois desempenham inúmeras funções.

As cidades devem ter espaços verdes suficientes para garantir um equilíbrio ecológico, desde o grande jardim urbano até ao pequeno jardim de proximidade. Todos eles são necessários, mas não será apenas nos jardins que as árvores são importantes para as cidades.

Os espaços públicos de circulação, acessibilidade e fruição necessitam de árvores. São muito importantes como elementos de ruas, praças e avenidas. A conjugação com o edificado, arruamentos e espaços públicos é de extrema importância. Garantem a regularização e equilíbrio dos microclimas urbanos, aumentando a humidade relativa atmosférica, contribuindo para o abaixamento das temperaturas no verão e favorecendo a circulação atmosférica. Produzem oxigénio, sendo um sumidouro natural das emissões de dióxido de carbono. Retêm poeiras e outros poluentes, quase sempre associados ao intenso tráfego automóvel. De um ponto de vista mais físico, são ótimas sombras naturais e barreiras de proteção contra o ruido, especialmente como isolamento entre o ruido dos veículos automóveis e o sucesso que se deseja no interior do edificado. As árvores servem também de abrigo para alguma fauna local, aves e outros animais que se adaptaram à vida citadina. Por fim, o contacto com a natureza, especialmente em meio urbano, e mesmo que seja apenas pela proximidade de algumas árvores, é de máxima importância para a qualidade de vida de quem habita esses espaços.

Do ponto de vista da estética e funcionalidade urbana, importa referir que as árvores podem ser elementos de ordenamento dos espaços, separações, definição de alinhamentos e de sinalização à escala humana. Esteticamente podem valorizar um espaço ou até o próprio edificado. 

Por tudo isto importa planear e gerir o património vegetal em meio urbano, porque precisamos das árvores e porque os espaços no centro das cidades são muito cobiçados. Ter florestas nas imediações das cidades não é suficiente. Uma cidade sem árvores é ineficiente, mais desagradável. A ausência de árvores torna as cidades ainda mais artificiais e estranhas à natureza humana, que nelas vê tesouros pelos quais vale a pena lutar. 

 Precisamos então de arborizar as nossas cidades, mas de forma planeada e ordenada. Optar por qualquer tipo de árvore, em qualquer local totalmente é desaconselhável. Algumas árvores não se adaptam ao meio urbano. Outras criam problemas de limpeza e crescimento conflituante com as infraestruturas urbanas. Certas árvores podem ter frutos venenosos, ramagem e espinhos perigosos, impróprios para uma proximidade com os peões. A própria manutenção deve ser feita por especialistas, pois as podas desadequadas podem matar em pouco tempo árvores vigorosas. 

Se somos nós que fazemos as cidades, então podemos fazê-las com árvores adequadas para a melhoria da qualidade de vida urbana.

Texto publicado no Diário de Leiria

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

As ações piloto do projeto UrbanWins em Leiria

O UrbanWins está a entrar na fase final. Foi mais de um ano a implementar um processo participativo e colaborativo para estudar o metabolismo urbano, com especial enfoque nos resíduos urbanos. O termo metabolismo pode parecer estranho quando aplicado a cidades, mas tem sido uma abordagem cada vez mais utilizada, uma vez que facilita pensar a sustentabilidade urbana quando as cidades são analisadas como sistemas vivos. Tal consiste, de um modo simplificado, em considerar os fluxos que entram e saem de um sistema urbano, tal como se fosse um organismo vivo, que necessita de se alimentar e consumir para viver, mas que gera também resíduos e desperdícios. Ou seja, nesta abordagem não importa apenas tratar os resíduos que saem do sistema, mas também os saldos finais. Importa reduzir também os consumos, e fazer com que os materiais se mantenham o máximo de tempo dentro do sistema. Surge com isto a ideia de economia circular, em que a transformação dos recursos em resíduos é a última opção: evitar consumir e reutilizar antes de reciclar. A novidade passa por integrar estas ideias de sustentabilidade e de combate ao desperdício na vida contemporânea, de forma estruturada e eficiente, mantendo o nível de vida que hoje exigimos.

O projeto UrbanWins caraterizou-se por proporcionar uma plataforma de envolvimento cívico como nunca se viu em Leiria. Todas as pessoas tiveram a oportunidade de participar, quer presencialmente quer à distância, incluindo a dimensão digital interativa. Foram imensas as sessões colaborativas, abertas a todos. Debateu-se o problema dos resíduos urbanos em Leiria e produziram-se soluções, continuamente aprofundadas até serem definidas 3 ações piloto.

Os participantes no Urbanwins definiram então que Leiria iria implementar o Urban Reduz, o Urban Protege e o Urban Forma. O Urban Reduz pretende criar um guia para a redução do desperdício alimentar, tanto no setor empresarial e comercial como na vida doméstica, onde se geram imensos desperdícios. O Urban Protege irá criar um regulamento para os eventos sustentáveis do município de Leiria, uma vez que são muito numerosos e participados, mas com isso geradores de resíduos e desperdícios. O Urban Forma desenvolverá uma formação para o setor da restauração e comércio de forma a diminuir o desperdício, sendo um complemento das duas anteriores ações. 

O Município de Leiria irá implementar estas ações com parceiros locais. Espera-se então que em 2019 possamos saber os efeitos e resultado destas ações piloto. Com a conclusão deste projeto ficará também disponível um modelo de simulação do metabolismo urbano de Leiria, algo que poderá ser muito útil no apoio à tomada de decisão política nestas matérias.

Pessoalmente espero que o Município de Leiria possa aprender com este projeto e trazer as metodologias colaborativas para os processos de planeamento, de modo a envolver positivamente a população no futuro do concelho. Espero também que se socorram de estudos e modelos de simulação para fundamentar a tomada de decisão política. Caso contrário será um tremendo desperdício.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

E que tal uma rede sustentável de praias fluviais em Leiria?

Leiria não tem nenhuma praia fluvial formal, mas tem potencial para ter várias. Se tantos outros concelhos têm nós também poderíamos ter, pois temos inúmeras ribeiras e ribeiros, dois rios, e várias lagoas. Mas claro, para isso, teria de haver um planeamento e gestão desses recursos naturais para poderem ser verdadeiras praias fluviais. Os custos de investimento poderiam ser largamente compensados com os naturais retornos que uma eficiente gestão traria. 

Dizem algumas pessoas, provavelmente desinformadas do potencial das praias fluviais, que estamos demasiado perto do mar para precisarmos delas. Leiria tem uma praia e mesmo as praias dos outros concelhos ficam a poucas dezenas de quilómetros. No entanto, uma coisa não substitui a outra, especialmente com o tipo de condições marítimas balneares das praias da região para banhos. Quem gosta de desfrutar de um banho ou nadar nem sempre o pode fazer nas nossas praias. E o fresco, associado à habitual envolvente verde das praias fluviais, proporciona escapatórias ao calor abrasador e permite uma relação única com a natureza. Ainda assim, discordando do pensamento que considera as praias fluviais desnecessárias, muitos de nós gostávamos de as ter em Leiria, especialmente porque já desfrutámos delas noutros locais. 

Também não nos podemos esquecer que todas as deslocações, especialmente em veículos automóveis, geram impactes ambientais negativos. Ter uma praia fluvial por perto permitiria mitigar isso, tal como garantir reservas de água permanentes, cada vez mais importantes em contexto das alterações climáticas.

Imaginem então que existiam várias praias fluviais e ciclovias a ligar todos esses locais aos pontos de interesse do concelho. Imaginem parques de campismo, hotéis e infraestruturas de apoio perto destes locais. Imaginem praias fluviais urbanas e rurais, algumas associadas a património cultural, outras a aproveitar locais naturais únicos: Lapedo, Junqueira, Fontes, Cortes, Caranguejeira, Ervedeira, e muitos outros locais. E uma praia mesmo no centro de Leiria? Parece utopia, mas cidades como Estocolmo conseguiram tornar as suas águas superficiais urbanas próprias para nadar e até beber sem tratamento. 

Com esta rede de praias podíamos aproveitar uma franja importante do turismo cultural, gastronómico e balnear multifacetado para diversificar a nossa economia. Aí sim, Leiria seria distintamente atrativa para o lazer e férias durante todo o verão, em quase todo o seu território. Seria ainda mais atrativa pela qualidade de vida que teria para os seus habitantes.

Se esta fosse uma estratégia de desenvolvimento territorial para Leiria iria garantir-se a proteção ambiental dos nossos recursos naturais. A bacia hidrográfica do Lis teria de ser despoluída. A nossa qualidade de vida aumentaria imenso. 

Não temos de copiar os outros, mas devemos aproveitar o que temos de único, obtendo valor das nossas condições naturais, sem as depreciar. Isso é sinónimo de sustentabilidade. 

Texto publicado no Diário de Leiria

sábado, 14 de setembro de 2019

Leiria sobre Rodas e a Sustentabilidade Ambiental: Intervenção na Assembleia Municipal de Leiria

Leiria esteve sobre rodas no passado fim de semana. Foram milhares de pessoas que se deslocaram a Leiria, quase sempre nos seus veículos automóveis. Nada de estranho, uma vez que o evento promovia a cultura do automóvel e que a esmagadora maioria de todas as viagens em Leiria são realizadas nesses veículos.

Eventos como o Leiria sobre rodas são obvias opções políticas do atual executivo, que, pela votação obtida nas ultimas eleições, tem legitimidade para implementar políticas próprias. No entanto, há sempre possibilidade de melhorar, e parece-me que devemos sempre dar contributos de melhoria quando pudermos. A aposta na promoção do desporto e cultura automóvel pode ser conjugada com as políticas de proteção ambiental e sustentabilidade urbana. É nesse sentido que faço as seguintes sugestões, para que o evento possa ser mais sustentável, uma vez que tudo indica a sua continuidade no futuro, pela importância que já tem localmente e regionalmente.

Um evento que mobiliza tantos veículos para exposição e para circulação competitiva e de passeio, que exige uma enorme logística, que intervém no espaço público, que gera grandes necessidades de transporte dos espetadores para um ponto concentrado, tem consideráveis impactes ambientais. 

Sabemos que os transportes são os principais consumidores de energia e os maiores responsáveis por emissões de gases de efeitos de estufa, mas também de poluentes que afetam a saúde humana, especialmente nas zonas urbanas congestionadas. Sabemos que a utilização massificada de automóveis, em que a esmagadora percentagem dos veículos circula com apenas um passageiro, é insustentável. Mas para já não podemos dispensar os automóveis. Temos de ser realistas. Por isso temos de os integrar nos sistemas urbanos, pois sem eles perderíamos qualidade de vida e mobilidade. Assim será até haver outras alternativas e momentos de transição para uma mobilidade mais sustentável.

Então a minha sugestão será aproveitar este evento de massas para trabalhar a sustentabilidade urbana, mobilizando toda a comunidade e aqueles que são os mais apaixonados pelos veículos automóveis. Isso seria conjugável com as preocupações da autarquia para com a necessidade de medidas de adaptação às alterações climáticas, como hoje iremos ver. Sugiro que o evento seja organizado e planeado gradualmente para ter zero impactes. Isto implica fazer uma avaliação da pegada ecológica do evento, contabilizar todos os impactes ambientais, evitar ao máximo os efeitos negativos e compensar os que não possam ser precavidos. Um exemplo direto de uma medida de compensação poderia consistir em plantar árvores em número e capacidade de anular os efeitos das emissões adicionais produzidas. Fechar algumas ruas ao trânsito e reforçar a oferta de transporte público, pelo menos na medida do que seriam os impactes adicionais do evento, internalizando esses custos no próprio evento. Poderia haver uma forte sensibilização através de técnicas lúdicas e de experimentação de novas formas de mobilidade, ou simplesmente das possibilidades de alterar hábitos para opções mais insustentáveis, conjugáveis com o uso do automóvel.  Ao fazer isto poderia manter-se e reforçar o evento, fazer uma enorme campanha de educação ambiental, enquadrada com as demais políticas municipais. Através da experimentação e transferência dos impactes ambientais para os utilizadores facilmente se iria criar consciência ambiental. Também os resíduos urbanos gerados pelo evento poderiam ter um plano próprio que evitasse a sua produção. O ruido poderia ser também minimizado, através de isolamento próprio. As possibilidades são imensas, não havendo aqui tempo para as enumerar a todas. Mas fica a ideia.

Ficam estão as sugestões. Sem esquecer que o dia europeu sem carros, que tem uma adesão europeia entre as cidades que mais se preocupam com a qualidade de vida e sustentabilidade locais, merece ser celebrado. Parece-me que a coincidência com o Leiria sobre Rodas somente se justificará quando estas práticas ambientais forem inatas ao evento.
Nota: Intervenção na Assembleia Municipal de Leiria realizada em Setembro de 2019

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Mais um exemplo de projeto culturalmente sustentável em Leiria

A cultura tem de ser sustentável. Por isso se tenta reduzir o rácio de dinheiro investido por participante. Por outro lado, eventos de massas trazem outros benefícios, sendo facilmente associados a fatores multiplicativos. Com muitas pessoas num evento cultural é mais provável que aumentem os consumos diretos e indiretos na economia local. Também se percebe o porquê das réplicas dos eventos culturais para grandes públicos, muitas vezes indiferenciados e descontextualizados. Sabe-se que, segundo aquele modelo, há garantidamente muito público instantaneamente e um modo de poder dizer que foi um sucesso cultural. Mas será sustentável culturalmente?

Quando se fazem múltiplos eventos de massas a partir do nada, e sem um plano de continuidade ou projetos de suporte que aprofundem a dimensão cultural, a sustentabilidade pode ser difícil de garantir. Tão facilmente se mobilizam multidões como de seguida fica o deserto. Se todos fizermos o mesmo, de forma indiferenciada, e se não dermos o devido tempo de maturação para que se criem públicos ávidos de mais e melhor, o esforço pode produzir apenas a sucessos efémeros. A novidade, apesar de ser mais do mesmo, pode acontecer ali ao lado, como subitamente dali pode passar a ocorrer noutro local, feito exatamente pelas mesmas pessoas e nos mesmos moldes.

Existe um projeto que ajudei a fundar e que tem lutado por se implementar de forma sustentável em Leiria. Os Boardgamers de Leiria são hoje um projeto da Associação Asteriscos. Já passaram por várias fases de maturação e estiveram a funcionar noutros locais, instalações, associações e parcerias. O projeto pode ser replicado noutros territórios, tanto que existem grupos semelhantes de apaixonados por jogos de tabuleiro modernos que produzem atividades educativas e culturais noutras geografias, pois estes jogos são formas de inovação e de cultura passíveis de serem utilizados por todos. No entanto dificilmente se poderiam recriar exatamente os Boardgamers de Leiria, pois têm identidade própria, são fruto de anos de persistência e da criação de um público próprio, que cresce de forma sustentável ao seu próprio ritmo. Não nos pareceu sustentável começar por fazer um grande encontro de massas para um publico indiferenciado que dificilmente poderia assimilar toda esta nova vaga cultural de jogos. Em alternativa fazemos encontros todas as semanas. Já vamos quase em 200. Fazemos também encontros mensais para públicos familiares. Visitamos escolas e outras instituições, apostando na formação e divulgação baseada na experimentação na primeira pessoa.

Este caso dos Boardgamers de Leiria serve aqui apenas de exemplo, de um projeto cultural que tenta criar o seu próprio público, consolidando as atividades, para ser sustentável, sem se desvirtuar. Tenta-se aprofundar cada vez mais a variedade de conteúdos, das metodologias, das relações humanas e das aplicações com jogos. Todas as sextas-feiras, a partir das 21h30, podem aparecer gratuitamente para experimentar estes jogos na escola primária dos capuchos. Vão ficar surpreendidos.

Texto publicado no Diário de Leiria

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Modos suaves de transporte para melhorar a nossa vida

O tema da mobilidade e a acessibilidade diz respeito a todos. Porque todos, de forma mais ou menos intensa, têm necessidade de se deslocarem ou de que se desloquem por eles. O assunto faz parte do nosso quotidiano. No entanto não é um assunto simples, de análise imediata e cujos problemas se resolvem facilmente sem um grande investimento em estudo e planeamento. Planear o sistema de transportes de uma cidade é complexo, exige muito conhecimento técnico, ferramentas próprias e metodologias adequadas para cada caso, quase sempre associadas a dispendiosas modelações matemáticas. São essas as bases para desenhar cenários e saber quais os resultados de determinada proposta.

Dos sistemas de transportes fazem parte os modos suaves. Podemos dizer que são àqueles modos em que se dispensa o uso de equipamentos e veículos geradores de impactes negativos nos ambientes em que circulam. Os dois casos paradigmáticos são as deslocações a pé e de bicicleta, incluindo variantes que se encaixem nos princípios de baixos níveis de impactes.

Andar a pé é natural, saudável e inevitável. É aquilo que transforma qualquer viagem num percurso intermodal, pois acabamos sempre por andar a pé numa parte do trajeto. Apesar de ser natural andar a pé, nem sempre as nossas cidades facilitam essas deslocações. Os passeios tendem a ser ocupados por obstáculos e barreiras. Os pavimentos nem sempre são adequados e seguros. As passadeiras tanto podem ser inexistentes como existir sem condições de segurança. Em alguns locais poderíamos andar mais a pé se nos sentíssemos protegidos do tráfego automóvel, das condições climatéricas e até do crime.

Andar de bicicleta, que é o meio de transporte mais eficiente, permitiria atenuar os efeitos do excesso de veículos automóveis. Seria saudável, barato e versátil para uma grande parte da população. Mas não existe segurança na estrada para quem queria mesmo andar de bicicleta, especialmente nos atravessamentos e nós rodoviários. Escasseiam as redes cicláveis contínuas. Mesmo as zonas de fortes declives podem ser facilmente ultrapassadas com as novas bicicletas elétricas que apoiam o pedalar nas zonas mais exigentes.

A poupança monetária e os ganhos de saúde serão imensos se pudermos implementar um sistema de transportes urbanos e rurais em que os modos suaves sejam privilegiados, especialmente quando os conjugarmos com os outros transportes em modelos intermodais. Isso será possível se existir uma rede de transportes integrada e contínua, em que se possa conjugar a bicicleta com os parques de estacionamento, tal como com o transporte público confortável e versátil. Poupávamos direta e indiretamente. Ganhávamos mais saúde e qualidade de vida. Se tantas pessoas estão hoje disponíveis para transformar um passeio, corrida e volta de bicicleta de dezenas de quilómetros em atividades de lazer e bem-estar, facilmente podemos reconverter isso num novo e reinventado sistema de transportes mais sustentável. Mas para isso precisamos de mudar as cidades e as políticas. 

Texto publicado no Diário de Leiria

domingo, 5 de maio de 2019

Quando o associativismo cresce contra a sua natureza

As associações e a livre organização de forma voluntária para implementar ideias e defender causas coletivas podem ser atividades de grande mérito. Quando estas são feitas de forma interessada nas causas e desinteressada nos ganhos pessoais diretos produz-se a receita para o sucesso do voluntariado e do associativismo, pelo menos durante algum tempo. Quando este modelo se aplica ganham todos, quem faz e quem beneficia do trabalho realizado. No entanto há sempre a pressão do financiamento das atividades e do poder que elas trazem a quem as dirige.

Se os projetos de voluntariado, de inovação social realizados por associações sem fins lucrativos, pretendem ter futuro têm forçosamente de procurar a sua própria sustentabilidade financeira. Há imensos custos, mesmo em regime de voluntariado. Há forçosamente custos fixos, sendo as sedes e instalações as maiores dificuldades. Por outro lado, para inovar e manter no tempo as suas atividades há que optar. Ou passam a um regime semiprofissionalizado (ou até mesmo profissionalizado) em que existem atividades e recursos humanos remunerados ou então necessitam de uma grande rotatividade de voluntários. Seja como for, garantir salários ou estar constantemente a receber, formar e preparar novos voluntários para as atividades é trabalhoso, consumidor de recursos e tempo.

Os municípios podem ajudar ao disponibilizar infraestruturas às associações, para serem utilizadas enquanto existir atividade. Assim uma das principais dificuldades fica garantida. O resto pode ser conseguido com voluntariado e projetos desenhados de forma sustentável, com receitas próprias. O recurso crítico, apesar de tudo, são as pessoas. Para que se possam envolver nos projetos há que garantir um bom ambiente humano, uma gestão interna democrática e sentido de justiça. Acima de tudo importa também que as pessoas se divirtam e sintam realizadas no que fazem, como isso evita-se a saturação.
Se as associações pretenderam enveredar por outros rumos mais profissionalizados há um perigo à espreita. O vil metal pode corromper os corações mais bondosos e as boas intenções eclipsam-se perante os dígitos das contas bancárias. As associações são incentivadas a implementarem modelos semiprofissionais, assumir a inovação social, crescer nos processos burocráticos e depender de financiamentos exigentes. Com isso arriscam desvirtuar-se: a liderança passa a ser uma forma de aceder a prestigio e dinheiro, convertendo os voluntários em mão-de-obra barata. Apesar da via profissionalizada permitir trazer dinheiro para as associações é um risco grande de destruição do poder coletivo que criou os projetos, as ideias e as boas intenções. Corre-se o risco de fulanizar e de apropriações individuais do que inicialmente era coletivo. 

Deveríamos pensar nisto. Que tipo de associações queremos ter e se realmente as queremos transformar em empresas. Será sustentável do ponto de vista associativo? Talvez não. O dinheiro é preciso, mas as pessoas são mais importantes.

Texto publicado no Diário de Leiria

terça-feira, 30 de abril de 2019

Sistema de apoio ao estacionamento para a Feira de Maio: um exemplo a seguir

Quando se diz que Leiria tem problemas de falta de estacionamento estamos a dizer, no fundo, que tem excesso de dependência de automóveis. Quantos mais lugares criamos mais atração e mais necessidades de estacionamento vão surgir. Inevitavelmente, para suprir estas necessidades, temos de pensar nos transportes e na mobilidade como um sistema, em que usamos vários modos de transporte, articulados uns com os outros, para transportarmos pessoas e bens da forma mais comoda, rápida e eficiente.
Isto tudo a propósito da Feira de Maio e do Jardim de Almoinha Grande que está na fase final de conclusão. Com o novo jardim desapareceu a zona que servia de apoio ao estacionamento informal da Feria de Maio, agora conhecida como Feira de Leiria. Preveem-se assim dificuldades e caos pela falta de estacionamento, uma vez que em Leiria e na região envolvente dependemos muito do automóvel privado para nos deslocarmos.
Devíamos apostar em transporte público e coletivo, mais isso não se faz de um dia para o outro. Na prática esse esforço não tem sido a prioridade.  Bem sei que é dispendioso e que a nossa ocupação territorial dispersa não ajuda a implementar uma rede funcional e sustentável. Mas é urgente começar a estruturar essa rede para que não se diga que a falta de estacionamento continua a ser um problema e para que possamos aproveitar melhor os escassos espaços urbanos livres que temos no centro da cidade, tal como fazer a nossa parte na missão de redução das emissões poluentes.
Mas Leiria não pode parar. A cidade e todo o território concelhio, de uma forma geral, são exemplos de dinamismo. As estatísticas comprovam isso mesmo. Por isso importa conjugar o desenvolvimento de Leiria com soluções sustentáveis. No fundo esse é o grande segredo para o desenvolvimento sustentável. E para a nossa terra não devemos exigir menos que isso.
A Feira de Leiria terá uma importância relativa. Não será esse evento que define o desenvolvimento da nossa cidade, no entanto atrai pessoas e gera alguns efeitos multiplicadores na economia local. Para além disso é uma tradição, mesmo que algo renegada e não assumida. Quer queiramos quer não, esta feira diz algo aos leirienses.
Nesse sentido acho que é de louvar o esforço de planeamento e comunicação que foi feito para proporcionar parques de estacionamento alternativos para servir os visitantes da Feira de Maio, com transporte coletivo gratuito de apoio. É a solução possível. Espero sinceramente que seja um sinal de uma mudança para um futuro sistema de mobilidade urbano, mais sustentável para a nossa cidade. Com isto está dado o primeiro passo. Agora é continuar a caminhar nesse sentido, sem medo, pois o nosso futuro disso depende.
Espero que um dia existam autocarros a circular entre parques de estacionamento, facilitando o uso das bicicletas também e com apoio a pessoas com mobilidade condicionada.  Espero que tudo isso se transforme num sistema de informação e comunicação em tempo real, com acesso rápido e facilitado para todos. 

Texto publicado no Diário de Leiria

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Não existe estacionamento gratuíto

Um dos custos inerentes à utilização de um veículo automóvel particular é o estacionamento. Onde quer que estacionemos estamos a gerar um custo mesmo que não nos seja imputado. Estamos a falar de cerca de 10 m2 de espaço, sem contar acessos, destinados a veículos que estão parados cerca de 90% do seu tempo de vida útil. Dificilmente alguém disponibiliza 10 m2 de espaço a título gratuito, seja para que usos for. Ter um carro parado sobre o solo inviabiliza a sua utilização para outro fim, que poderia estar a gerar algum tipo de receita produtiva. Trata-se de um custo de oportunidade considerável, que no fundo é tudo aquilo que se perde pela não utilização daqueles 10 m2 de solo para outro fim.

O estacionamento público também não é gratuito mesmo que as pessoas não sejam solicitadas a pagar. Trata-se de um bem de utilização pública, podendo ser mais utilizado por uns do que por outros. Assim há sempre uma mais-valia privada à custa do bem público, quase sempre associada a ganhos económicos. É por isso que se exige uma regulamentação do estacionamento público, porque não existe em número suficiente e porque as soluções de gestão descuidada podem gerar desigualdades. 

Por outro lado, no caso dos estabelecimentos comerciais que oferecem estacionamento gratuito aos seus clientes também estamos perante uma aparência de ausência de custos.  O que esses estabelecimentos fazem é internalizar os custos desse estacionamento, imputando-os aos clientes nos produtos e serviços que vendem. Como os saldos têm de ser positivos, os clientes acabam sempre por pagar o estacionamento que utilizam. 

Voltando às cidades e a dimensão pública. Quando uma cidade opta por investir fortemente em oferecer estacionamento gratuito aos seus cidadãos está a assumir custos e a impossibilitar a utilização dos seus fundos e espaços públicos para outros fins. Há impactes ambientais dessas políticas. Os recursos são finitos, tal como os ambientes urbanos se depreciam quando afetados pelo excesso de tráfego automóvel. Existem alternativas, mas também essas necessitam de investimento. Há que tomar decisões e assumir as consequências das opções que se tomam, de forma informada e participada.

Escolher que tipo de ambiente urbano queremos é uma opção política. Os impactes ambientais e na saúde humana do uso intensivo dos automóveis são gritantes. Mais facilidade em estacionar gera mais tráfego e mais tráfego cria mais necessidade de estacionamento. Com isto aumentam as emissões de gases de efeito de estufa e poluentes que afetam a saúde humana.  Destrói-se o ambiente urbano, desperdiça-se espaço e solo que é um recurso natural não renovável. Com isso geram-se implicações económicas indiretas que condicionam o desenvolvimento sustentável, tanto urbano como rural. Está na altura de encararmos as alternativas, transformando gradualmente o modo como nos deslocamos, tendendo para uma mobilidade mais sustentável e que melhore a nossa qualidade de vida, que não nos faça depender de formas de energia do passado.

Texto publicado no Diário de Leiria

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Um processo colaborativo pode dispensar a orientação?

O projeto do Urbanwins em Leiria foi inovador em muitos aspetos, principalmente nos processos colaborativos, que são coisa rara por cá. Quando me refiro a processo colaborativos quero descrever aqueles em que a participação ocorre, mas em que o resultado desse envolvimento é um produto do grupo e não das individualidades, mais ou menos iluminadas. No fundo, estes processos não são novos, a novidade é gerarem medidas concretas e práticas. 

O poder político tem medo destes processos, porque lhes retira função decisória. No entanto, querer ignorar este tipo de processos colaborativos é perigoso para quem quer fazer carreira política – seja lá o que isso for no futuro. Para manter o poder político vai ser necessário alinhar neste jogo. Reprimir estas inovações não será opção, pois, mais tarde ou mais cedo, os atores políticos e as conjunturas mudam. Hoje é possível, sem grande logística, reunir concentrações de poder transitório consideráveis. Na era da informação e da comunicação em tempo real, sem limitações territoriais, o controlo de um processo político e de mobilização coletiva rege-se por outras regras. As pessoas mobilizam-se se acharem que podem fazer a diferença e se sentirem injustiças, seja contra quem for. É uma questão de emotividade.

Mas os processos colaborativos não são simples. Há que ter a noção das suas limitações e modos de funcionamento. Apesar de tudo é preciso acompanhamento e mediação. Quando se trata de assuntos complexos é impossível evitar o acompanhamento técnico. Sem esse acompanhamento as dinâmicas só por acaso produzem algo de concreto. Os projetos colaborativos têm de gerar resultados, caso contrário descredibilizam-se. Foi isso que se evitou e que o projeto Urbanwins pretende trazer de novo, especialmente para Leiria.

No Urbanwins foram sendo desenvolvidas prioridades de atuação para o problema dos resíduos, com especial enfoque na mitigação da produção. Depois da contínua participação, debate, aprofundamento e melhoria das ações, nas múltiplas sessões do projeto, foi tomada a decisão conjunta de implementar 3 medidas concretas. No passo final a decisão foi tomada colaborativamente através de uma análise multicritério. Escolheu-se então implementar: um guia para a redução de resíduos alimentares; um regulamento para eventos sustentáveis; e fazer formação para a restauração. Mas isto só foi possível com a devida mediação e acompanhamento. Notamos então algumas restrições nos graus de liberdade que eventualmente se poderia atribuir a um processo colaborativo. É normal.

Por ter havido a devida mediação técnica podemos ter alguma segurança na capacidade de implementação das propostas feitas através do método colaborativo.  Podemos ter a certeza que estas opções não surgiram num qualquer gabinete isolado, não foram fruto de uma única cabeça iluminada e não resultaram de uma mera votação passível de ser controlada ou manipulada por desinformação ou interesses ocultos estranhos à democracia. Este método é um bom exemplo prático para continuar a melhorar os processos democráticos, não acham?

Texto publicado no Diário de Leiria

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Sustentabilidade urbana: Aprender com o exemplo do mercado de La Varenne

Sempre que vou a Paris visitar familiares há um mercado que visito religiosamente. Costumo ir várias vezes por ano ao mercado de La Varenne, que fica em de Saint-Maur-des-Fossés, parte da área metropolitana de Paris e cidade geminada com Leiria, mais ou menos com a mesma população urbana que Leiria.

A estrutura do mercado é muito simples, pouco mais do que uma estrutura metálica e de vidro que protege da chuva. Mas nem por isso menos digno e atrativo, apesar do clima ser muito mais agreste no inverno que pela nossa terra. O mercado enche, especialmente ao domingo de manhã, com pessoas de toda a envolvente urbana. 

Ao darmos uma volta pelo mercado ficamos a perceber porquê. As bancas são muito apelativas. Mesmo os produtos mais simples, os hortofrutícolas por exemplo, têm ótimo aspeto e estão dispostos e ordenados de modo cativante. Dá vontade de comprar tudo. Por outro lado, existe uma oferta grande de produtos diferenciados, especialmente de comida pronta, quer de petiscos originais quer de refeições completas típicas. Não faltam também as carnes, peixes e mariscos. Há bancas de queijos e enchidos com uma grande variedade. As flores também marcam presença, adornando e sugerindo ofertas que reforçam laços afetivos. Existem bancas com produtos típicos de vários países e até de produtos biológicos. 

Mas não pensem que isto é um mercado gourmet, feito para elites ou pessoas endinheiradas. O mercado tem produtos para todos os preços e existe para servir a população local. Não é o único mercado da cidade. Existem outros, cada um pensado para cada zona urbana. 

Existem várias razões para o sucesso destes mercados em toda a zona urbana de Paris. Os produtos são de qualidade, diferenciados e beneficiam do envolvimento de profissionais jovens e abertos à inovação. A qualidade do mercado não tem relação direta com o edifício, mas com os produtos, a localização urbana e proximidade aos consumidores. Ir ao mercado é um ato social e de passeio, pois a esmagadora maioria das pessoas deslocam-se a pé. Isto só é possível porque resulta de um processo de planeamento urbano, em que cada zona da cidade tem o seu próprio mercado de proximidade, com negócios direcionados para as necessidades locais. A proximidade incentiva, tal como a qualidade da envolvente, dos jardins, das infraestruturas públicas e das lojas de rua que também beneficiam com os movimentos de pessoas que andam pelas ruas. O efeito do transporte público é evidente, pois há sempre autocarros a passar e o metro fica bem perto. E a concorrência com os supermercados e hipermercados não condiciona o mercado, pois existem alguns mesmo ao lado, abertos à mesma hora. São complementos porque os produtos e a experiência que oferecem não são os mesmos.  

Este é um exemplo de sustentabilidade urbana, porque este mercado reforça a produção local, incentiva o surgimento de novos produtos, reforça os laços sociais da comunidade, não querer infraestruturas dispendiosas para funcionar enquanto evita o uso dos automóveis e sugere hábitos saudáveis.

Texto publicado no Diário de Leiria

Insustentabilidade democrática: as secas políticas

Hoje em dia são milhentas as solicitações que temos nas nossas vidas. Independentemente da nossa capacidade financeira, existem muitas alternativas constantemente a concorrer pelo nosso tempo. Nisto incluem-se principalmente as atividades que nos dão prazer. Há cada vez mais uma concorrência de prazeres e o consequente evitar de tudo o que nos desagrade. Mas não adiante querer ser um purista e recriminar quem segue a busca pela felicidade através dos seus prazeres individuais, esquecendo de dedicar parte do seu tempo a alguns deveres sociais para com os demais. Não vale mesmo a pena querer fazer esse papel moralista pouco popular, porque só nos vai amargurar e afastar ainda mais as pessoas que queremos, eventualmente, convencer a mudar de atitude.

A solução passa por tornar as atividades cívicas, sociais, politicas e tudo o que seja relevante para a nossa comunidade, mais atrativas. Em algumas atividades é mais fácil gerar gratificações imateriais - ditas felicidade - que se relacionam a sociabilização e integração com a comunidade. Noutras é mais difícil, especialmente na vida política, tão carregada de modos de fazer e estigmas que condicionam a boa-vontade de fazer algo mais pelo efeito coletivo do que pelo benefício individual. Por isso vou centrar-me no exercício da atividade política, pois tenho alguns anos de experiência nessas lides. 

Os mecanismos de participação política não são cativantes para a maioria da população. Uma coisa não tem de ser menos séria para ser divertida. Pode parecer contraditório, mas não é. A seriedade relaciona-se mais com a coerência nestes casos. Podemos ser sérios nas nossas intenções e princípios políticos ao conduzir processos divertidos de produção de trabalho político, tal como na implementação dessas ideias e medidas. A política não tem de ser um antro de pessoas carregadas, maldispostas e cinzentas, sempre dadas a agressividades e facciosismos injustificados. Não temos de andar à pancadaria com a oposição em democracia. Podemos discordar e devemos tender para algumas convergências e acordos. Nada impede que se utilizem dinâmicas interativas com os cidadãos para cativar, usando dinâmicas lúdicas e até jogos. 

Já assisti a atividades políticas incrivelmente aborrecidas, especialmente pela forma como estavam construídas. Já perdi horas intermináveis sem qualquer resultado útil final em reuniões políticas. Já me cobriram de tédio com monólogos monocórdicos. Já ouvi tanta vez a mesma coisa, sempre das mesmas pessoas, que o sentimento de repetição se torna angustiante. 

Em certos casos parece que se faz de propósito para que os processos políticos sejam longos, inconsequentes, desinteressantes e tudo o mais que afaste as pessoas dos movimentos ou partidos políticos, para que se mantenham coutadas de uns quantos. 

Mas esta realidade não é motivo para desistir da participação política, pois seria o fim da democracia. A própria democracia tem de continuar a ser melhorada e adaptada para persistir e ser sustentável.

Texto publicado no Diário de Leiria

Para sociabilizarmos não basta estar com outras pessoas

Nesta quadra vamos estar, se tivermos uma vida social normal, em múltiplos eventos sociais. Com isso estou a contar todo o tipo de festividades e encontros, desde os momentos em que vamos tomar um café a dois até às festas de multidões. 

Todos estes ajuntamentos humanos têm razões próprias de ser, e ocorrem por diversos motivos. A duração e objetivos são dos mais variados. No entanto, todos eles, para funcionarem, para serem agradáveis, obedecem a determinados sistemas de regras sociais, mais ou menos formais. 
Juntar pessoas num mesmo espaço e esperar que a magia da sociabilização aconteça é puro otimismo. Todos os grupos necessitam de um sistema de comunicação e relacionamento para que a sociabilização possa fruir. Por vezes até uma conversa continuada é difícil de garantir.

Nos dois últimos textos referi-me aos jogos como ferramentas para garantir animação nas festividades. Mas não explorei o porquê disso. A utilização de jogos relaciona-se com algo que se estuda nas ciências sociais e humanas, especialmente nos estudos da colaboração. Para haver colaboração é necessário partilhar um determinado sistema de valores e de regras sociais.  Os jogos garantem isso, o sistema de regras e a dinâmica que, nem que seja por um breve momento, submete todos os que queiram jogar ao mesmo sistema de sociabilização e expressão individual. Se esses jogos forem potenciadores de boa disposição, se incentivarem a criatividade e a comunicação, servem de desbloqueadores para os nossos processos de sociabilização. Sociabilizamos naturalmente enquanto espécie, embora isso seja potenciado pelas tais regras e valores, caso contrário facilmente podemos cair na apatia ou até conflito e repulsa alheia.

Juntar simplesmente pessoas para que elas trabalhem em equipa não é suficiente. Há que definir o sistema de funcionamento do grupo, as regras e os objetivos, mas de forma a que acomode a individualidade e a necessidade de flexibilidade para a identidade coletiva em construção, tal como dos objetivos para os quais o dito grupo existe, sempre sem esquecer a força do individualismo. 

Assim, nestas festas de final de ano, não basta comer e beber em conjunto. Isso só ajudará, se em torno da comida se gerar uma conversa - uma análise do que se come e como come pode ser uma opção -, se existirem canais de participação para garantir essa expressividade. Se forem simplesmente comer, como ato mecânico de encher a barriga, em grupo, pouco irão sociabilizar. Recomendei jogos e recomendo igualmente mais coisas, tão simples como uma conversa que possa ser partilhada na construção de uma identidade de pertença coletiva, sobre algo que envolva as pessoas, as traga para o momento de sociabilização, sem entrar em monólogos e dominâncias de uns sobre os outros.
Não temos de ficar em grupo isolados enquanto adoramos os telemóveis. Quando isso acontece é sinal de que o sistema de valores e de partilha não está definido, porque estão simplesmente uns com os outros num vazio relacional. Já pensaram nisso? 

Texto publicado no Diário de Leiria

Alguns exemplos de Jogos de Tabuleiro sustentáveis para este Natal

No meu último texto comprometi-me a recomendar alguns jogos de tabuleiro modernos como possíveis prendas de natal, por serem sustentáveis. Mas queria salientar que existem muitas outras opções sustentáveis, especialmente quando optamos por ofertas não materiais. 

Apesar de tudo, os jogos de tabuleiro têm sempre algum impacte ambiental. No entanto, é muito menor que outras opções. Não gastam energia na utilização, têm baixos níveis de obsolescências, altos níveis de durabilidade e podem ser facilmente vendidos e trocados, evitando gerar resíduos depois de, eventualmente, lhes termos esgotado a jogabilidade.  Relembro também as restantes dimensões que os tornam produtos do desenvolvimento sustentável, nomeadamente a dimensão social que têm e a associação a uma nova industria criativa, tal como a promoção cultural da literacia através dos designs de qualidade. Mas o objetivo deste segundo texto passa por recomendar diretamente alguns jogos que podem ser oferecidos ou jogados neste natal, incutindo indiretamente mais sustentabilidade, e convívios mais animados nesta quadra.

Poderia recomendar centenas de jogos, mas vou referir apenas alguns exemplos, dos que são mais baratos e acessíveis, de várias editoras e que podem ser adquiridos com facilidade em Portugal e na região de Leiria. Mas se os quiserem experimentar primeiro podem sempre passar pelos encontros gratuitos dos Boardgamers de Leiria.

Dobble. Jogo em que cada carta tem um objeto em comum com todas demais cartas. O jogador que conseguir descobrir primeiro o seu objeto comum avança no jogo. Este jogo pode ser jogado por crianças a partir dos 3 anos, tal como adultos, mudando a velocidade. 

Catan. Jogo de gestão de recursos, planeamento estratégico e espacial. Os jogadores devem dominar a estatística das localizações para produção de recursos, tal como a arte da negociação, que lhes permite expandir os seus domínios sobre o território. Pode ser jogado por crianças a partir dos 8 anos, e é muito popular entre adultos. 

Dixit. Jogo de narração criativa. Os jogadores recorrem a cartas ricamente ilustradas de forma surrealista para contarem pequenas histórias. Estimula-se a comunicação de forma estratégica e criativa. Indicado para toda a família, podendo ser jogado por 12 pessoas ao mesmo tempo.

Passa o desenho. O jogo do telefone avariado, em que cadernos vão rodando pelos jogadores, criando sequencias hilariantes de palavras e desenhos. É comum chorar a rir no final de uma rodada. 

Mistacos. Jogo de empilhar cadeiras, em que se treina a destreza e um certo nível de estratégia estrutural. 

Skull
. Jogo de bluff com muita tensão, que pode ser jogado rapidamente até 6 pessoas, dada a sua simplicidade. Os jogadores jogam ocultamente peças ou tentam adivinhar por leilão as peças dos adversários, tentando evitar as caveiras.

Soldado Milhões. Jogo de cartas em que cada jogador deve gerir os seus recursos, tentando ganhar cartas de pontos em cada rodada por leilão. Todos começam com os mesmos recursos para os leilões.

Ofereçam produtos sustentáveis no Natal: jogos de tabuleiro modernos

O Natal está a chegar e importa falar de sustentabilidade. Longe de mim querer ser moralista e dizer que esta época é o cúmulo dos vícios consumistas e da hipocrisia. Até pode ser, mas também é muito mais que isso. Acho mesmo que é pena ser somente uma vez por ano, mas antes uma vez que nenhuma. No pior dos caos, pelo menos nesta época somos incentivados a pensar nos outros.

Por isso, quase todos vão tentar escolher os melhores presentes para oferecer, fazendo esticar o orçamento. Proponho acrescentar também, às limitações orçamentais, a preocupação para com a sustentabilidade. Ou seja, será que aquilo que vamos oferecer é sustentável em todas as vertentes do termo: ambientalmente, socialmente, culturalmente e economicamente? 

Proponho que considerem os novos jogos de tabuleiro por serem ambientalmente mais sustentáveis, pois são construídos em materiais facilmente recicláveis e têm baixa taxa de obsolescência. Se o jogo for bom vai dar anos de diversão, podendo ser vendido depois caso não vos interesse mais. Isso será possível porque os materiais tendem a durar e o design do jogo não se desatualiza se for bom. Esse jogo, por essa razão, só se transformará em resíduo depois de muita utilização. Estamos perante uma vertente da economia circular, em que os produtos são constantemente utilizados, na mesma ou em novas formas, evitando-se a produção de um resíduo sem o máximo aproveitamento. Para quem tenha mais curiosidade, estes conceitos estão a ser abordados em Leiria no projeto Urbanwins. Por outro lado, estes jogos não consomem energia para serem jogados, logo baixam consideravelmente a sua pegada ecológica, tal como dispensam qualquer outro tipo de periférico eletrónico. Uma mesa, cadeiras, ou até o chão servem para os jogar. 

Os jogos de tabuleiro são potenciadores do convívio social presencial, promovendo e reforçando os laços sociais, com toda a riqueza da comunicação multidimensional. Se uma imagem vale mais que mil palavras, um olhar transmite mensagens únicas. As emoções sentem-se mais ao vivo e com estes jogos podemos sentar famílias inteiras à mesa, promovendo a aproximação intergeracional. 

Do ponto de vista económico os jogos de tabuleiro são muito relevantes, pois podemos comprar produtos nacionais, e por vezes até locais. Podemos apoiar as editoras e criadores, que geram emprego e uma produtividade concreta, real e exportável. Apoiamos uma industria criativa e abrimos novos caminhos para mais desenvolvimento, pois os jogadores de hoje podem ser os criadores de amanhã. Por ouro lado, o mesmo produto pode ser usado por varias pessoas, podendo ser uma prenda coletiva mais barata.

Até agora falei muito no abstrato. Não recomendei um único jogo. Deixo aos leitores a liberdade de refletirem sobre isso. Se forem procurar por estes novos jogos vão encontrar uma imensidão de novas criações. Não vos quero retirar esse prazer. Mas também não vos quero deixar órfãos destas ideias e sugestões. Por isso, num próximo texto, irei fazer recomendações concretas resumidas. Até daqui a 15 dias!

Texto publicado no Diário de Leiria

A sustentabilidade das curtas distâncias: urbanismo

Se percorrermos grandes distâncias no dia-a-dia vivemos de forma sustentável? O ideal será construir todo um sistema de desenvolvimento urbano baseado nas custas distâncias, preferencialmente na distância que se pode fazer a pé. Aponta-se assim automaticamente para a concentração urbana. No entanto isto não é sinónimo de viver apenas em arranha-céus ou em cidades congestionadas. É exatamente o oposto disso. 

Modelos de concentração e promoção dos consumos e vivências de curta distância podem ser garantidos também nos níveis de construção menos intensos. O que só é possível com um planeamento adequado. Será necessário garantir primeiro as devidas infraestruturas, equipamentos, serviços e transportes antes de novas expansões urbanas serem possíveis. Para isso existem instrumentos de gestão do território. Os Planos de Pormenor e os Loteamentos podem garantir estas restrições e promoção de um desenvolvimento urbano integrado e de conjunto, ao delimitarem usos dos solos e desenhos urbanos que garantam níveis adequado de concentração urbana e a reserva para instalações de serviços de apoio a residentes. Casos concretos passam pela inclusão de espaços verdes, espaços para equipamentos públicos, vias de acesso multimodais, mas também pela gestão e planeamento dos lotes, com espaços de comercio e serviços adequados à dimensão da população residente expectável. Nada disto é novo, mas nem por isso tem sido utilizado de forma adequada por quem deve planear o território. 

Mesmo nos espaços rurais é possível fazer certos níveis de concentração sustentáveis, ordenando o território existente e sua ocupação. Não basta definir grandes áreas de baixa densidade. É preciso planear essas áreas, para que tenham um mínimo de condições e se evitem viagens desnecessárias, especialmente em veiculo automóvel. Devem haver escolas de proximidade, farmácias e outros serviços, tal como comercio retalhista e acesso a produtos de consumo. Quando tal não é possível há que reforçar o transporte público para garantir esses acessos. Se mesmo assim isso não puder ser garantido, não se deve incentivar a expansão urbana nessas áreas. Se não assumirmos isto dificilmente teremos espaços urbanos sustentáveis. Quer queiramos quer não, mais tarde ou mais cedo, vamos pagar a fatura por essas opções (ou falta delas).

Imaginem se todos pudéssemos fazer percursos a pé para levar os filhos à escola, ir às compras, ir ao café, tratar de um assunto administrativo, enquanto fazemos exercício físico e passamos por pessoas conhecidas na rua. Será mais difícil garantir isto nas deslocações de trabalho, mas há alternativas e novas formas de trabalhar. Devemos por isso também incentivar a possibilidade de viver o mais próximo possível do trabalho, como algo de interesse público. 

Na realidade vai faltando planeamento e ordenamento do território para mais sustentabilidade, onde se inclui a capacidade de preservar os recursos, poupar economicamente, garantir integração social e prolongar a nossa saúde através de hábitos de vida saudáveis. 

Texto publicado no Diário de Leiria

Alterações climáticas e as catástrofes de outubro em Leiria

Quem esteja minimamente atento já ouviu muitas informações sobre as alterações climáticas. A possibilidade transformou-se em certeza e as provas estão por todo o lado. Infelizmente, em outubro de 2017 e outubro de 2018, sentimos isto na pele na nossa região. 

Se no ano passado a baixa humidade, elevada temperatura e vento moderado criavam as condições propícias para a deflagração e avanço de fogos violentos incontroláveis, neste outubro os efeitos climáticos geraram outras catástrofes. Rajadas de ventos além da centena de quilómetros por hora, dignas de comparação com os furacões que nos chegam pelos noticiários de terras distantes, deixaram rastos de destruição na região de Leiria. Os danos ainda estão a ser contabilizados, mas sabemos que são enormes para já.

Nada disto é fruto do acaso. As estações estão instáveis. As mudanças são súbitas e os eventos climáticos extremos, mesmo em países como o nosso, onde estas ocorrências eram raras e as estações previsíveis. Estes perigos obrigam a planos de contingência e adaptação para lidar com as catástrofes cada vez mais prováveis. Os desafios são imensos. O território está ocupado, nem sempre da forma mais adequada. Falta ordenamento e planeamento para a nova realidade a que vamos estar sujeitos. Os próprios sistemas construtivos, em zonas mais sensíveis, provaram não ser adequados. Mas será que estamos preparados para abdicar de algumas coisas para melhor nos prepararmos para o futuro? 

Se os cientistas nos avisavam há anos para a insustentabilidade do nosso comportamento porque fizemos tão pouco para mudar e evitar as consequências? A razão prende-se com o sistema económico, social e cultural vigente, assente no consumismo e individualismo. Dificilmente alguém irá abdicar do seu direito ao consumo para minimizar o somatório dos efeitos e todos. Ainda hoje temos imensa relutância em abdicar do uso excessivo dos automóveis, de consumir bens alimentares de elevada pegada ecológica, de abusar de outros consumos evitáveis em alternativa a opções menos impactantes. Continuamos a viajar demasiado, a gastar águas e eletricidade de forma desregrada. Participamos nos ciclos intensivos de consumo de bens descartáveis. Não promovemos os consumos de curta distância, de produtos endógenos à nossa área territorial de proximidade. Não estamos preparados para fazer decrescer o nosso consumo, porque no fundo toda a economia assenta em princípios contrários a isso, em que o crescimento é um bom sinal. O consumo elevado chega a ser também uma demonstração de estatuto social. A tecnologia disponível ainda não se implementou de forma a manter o nível de consumo sustentável, e essa não parece ser a prioridade. Somos egoístas, mas vamos sofrer as consequências.

Será que vamos continuar a ficar chocados e alarmados com as catástrofes sem mudarmos comportamentos? O ponto de não retorno está quase aí, se é que não passou já. Como espécie temos a capacidade de nos adaptarmos para sobreviver. A grande questão será se essa adaptação será à força se por opção própria?

Texto publicado no Diário de Leiria

A Reabilitação Urbana Previne Resíduos

O projeto Urbanwins entrou na fase decisiva. Foram apresentados dados referentes ao metabolismo urbano de Leiria, provenientes de um modelo técnico e académico que poderá ajudar à gestão municipal de resíduos. É uma ferramenta de fundamentação científica para a tomada de decisão, algo que nem sempre acontece e que deveria servir de exemplo. Os modelos permitem traçar cenários e estimar os efeitos das ideias delineadas. Imaginem-se todos os erros que se poderiam ter evitado se apostássemos um pouco mais na compreensão, planeamento, gestão e avaliação dos problemas e desafios públicos.

O modelo referido diz-nos que os resíduos de construção e demolição são preocupantes. O setor da construção em Portugal, e muito marcadamente na região de Leiria, tem um importante peso económico. Crises e entraves à expansão urbana abalaram o setor, mas nem por isso se tornou irrelevante.

Pela sua importância e historial não podemos simplesmente prescindir do setor da construção. As cidades até podem abrandar o seu crescimento, mas não deixámos de construir. As necessidades de habitação não estão garantidas à partida, pois os edifícios degradam-se e as exigências de conforto e qualidade de vida aumentam. 

Considera-se sustentável reutilizar, reciclar, renovar, reinventar e recircular. No setor da construção faz sentido falar também em reabilitação e regeneração. Existe muito edificado degradado, necessitando de ser reaproveitado, o que implica, quase sempre, intervenções de reabilitação urbana, que são de sucesso quando permitem regenerar os tecidos urbanos, com novos habitantes e usos que geram atividades económicas, culturais e sociais. Estas intervenções permitem também melhorar os ambientes urbanos. Sem esse melhoramento das condições de vida, dificilmente se pode aproveitar os edifícios existentes.

As temáticas da reabilitação urbana e da gestão de resíduos estão relacionadas. As cidades e edifícios existentes são recursos. Se não os aproveitarmos estaremos a gerar desperdício e necessidade de consumir novos recursos, de despender mais energia, de aumentar a extensão das cidades que nos faz percorrer maiores distâncias, necessitar de novas infraestruturas e equipamentos. Esta expansão consome mais solo, dificilmente recuperável. Reabilitar e recuperar o património edificado, sendo histórico ou não, previne o consumo de recursos, evita também a entrada de novas matérias-primas nos ciclos de consumo e fileiras de resíduos. Tem também outro benefício. A recuperação dos edifícios, para além de manter a história, o património e a identidade, é uma atividade bastante intensiva em mão-de-obra, gerando mais emprego. Uma reabilitação de qualidade usa preferencialmente recursos locais, evitando os custos e impactes de transporte.

Como tentei demonstrar, a reabilitação urbana ou de edifícios isolados, tem imensas vantagens, mas nem sempre são consideradas nas análises e saldos económicos dos empreendimentos. Por vezes parece ser mais cara, mas tal ocorre porque os reais custos de contruir novo, diretos e indiretos, não são totalmente internalizados no custo final. 

Texto publicado no Diário de Leiria

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Planear o território para o excesso e escassez de água

Apesar da chuva ser uma coisa dos céus, a sua gestão faz-se no solo, planeando o território. Algumas regiões do país passaram, abruptamente, de uma situação de seca para a ocorrência de cheias. Estas mudanças súbitas relacionam-se com as mudanças dos padrões climáticos, aquilo que apelidamos de alterações climáticas, mais vulgarmente conhecidas por “aquecimento global”, embora a realidade não seja assim tão simples nem linear. Não estamos apenas a viver fenómenos de aquecimento devido aos gases de efeito de estufa. Os efeitos são muito mais amplos, pois o clima do planeta é um sistema, com infindáveis variáveis, e nos sistemas as alterações provavam efeitos em cadeia interativos, até que se atinja um novo equilíbrio.

Apesar da imprevisibilidade dos efeitos das alterações climáticas, temos algumas certezas. Sabemos que as mudanças podem ser súbitas, que estaremos sujeitos, principalmente em Portugal, a chuvadas muito intensas em períodos muito curtos, seguidas de vagas de calor, mas também a períodos de frio estranhos a um clima que se caraterizava por ser ameno, embora com algumas exceções geográficas.
Esta nova realidade obriga a que tenhamos de planear o território para os novos desafios climáticos, tornando-o resiliente às solicitações extremas. Só assim poderemos manter qualidade de vida e condições para mais e melhor desenvolvimento, quiçá aproveitar novas oportunidades.

Se sabemos que teremos probabilidade de períodos alargados de seca, seguidos de fortes chuvadas, temos de mudar atitudes, hábitos e adaptar as infraestruturas para esta realidade. O nosso território, especialmente as áreas urbanas, não está preparado para estas solicitações, sendo os tempos de concentração dos escoamentos cada vez mais reduzidos (os tempos em que a água se mantém no sistema de drenagem), muito devido ao excesso de impermeabilização. Continuamos a exigir novas estradas e estacionamentos, edifícios em desenvolvimento horizontal, mas isso tem consequências no aumento dos índices de impermeabilização, que contribuem para o escalar dos efeitos das chuvadas e das cheias.

Importa estabelecer novas normas, decorrentes dos instrumentos de gestão do território, de planos sectoriais para a construção e gestão urbana a várias escalas, desde o nível nacional ao nível local, incluindo os municípios que têm competências para regulamentar neste sentido. Importa reduzir as áreas de impermeabilização para garantir mais infiltração de água nos solos, sendo a criação de jardins uma solução direta, tal como optar por materiais de revestimento permeáveis em estradas, pavimentos, estacionamentos e outros. Importa constituir sistemas urbanos e rurais de bacias de retenção, para controlo de cheias e aproveitamento de água quando as secas surgirem. Os próprios edifícios devem ter sistemas de aproveitamento e acumulação de águas, com o duplo efeito de mitigar cheias e a escassez de água.

Estas mudanças não se fazem de um dia para o outro. Exigem planeamento e uma clara estratégia intencional, recorrendo a múltiplos recursos e técnicas.

Texto publicado no Diário de Leiria em 15 de março de 2018.
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Redundâncias da Actualidade - criado em Novembro de 2009 por Micael Sousa





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