terça-feira, 14 de maio de 2019

O fascínio e o lado sério dos jogos de tabuleiro modernos

Em finais dos anos 80, quando a industria dos jogos digitais estava a arrancar, na Alemanha desenvolveu-se um novo tipo de design de jogo de tabuleiro, aquilo a que hoje chamamos eurogames. À conta disso, surgiam alguns jogos de sucesso internacional como o Settlers of Cantan. Isso marcou o início da era dos jogos de tabuleiro modernos, para salientar as diferenças de design que os caraterizavam dos mais antigos e comerciais. Estes jogos eram pensados, preferencialmente, para adultos, tanto nas mecânicas como nos temas. Evitavam o conflito direto e o fator sorte ao reforçarem a importância das decisões dos jogadores, gerando exercícios de estratégia relevantes. Tinham durações de jogo controladas e eram jogados em grupos de pessoas. Nos E.U.A. desenvolviam-se também outos jogos, mais agressivos, mas igualmente poderosos por cativarem públicos crescentes, e capazes de gerar imersão nessas atividades sociais. Destas duas grandes influencias, germânica e americana, surgiu uma explosão de novos jogos no início do novo milénio. Hoje são publicados mais de 5.000 jogos por ano em todo o mundo, e alguns deles conseguem reunir milhões de euros em plataformas de crowdfunding e em vendas diretas.

Surgem cada vez mais lojas, grupos, associações, convenções, reuniões e projetos que utilizam estes novos jogos analógicos para vários fins. Estamos perante uma pujante indústria criativa que gera produtos culturais de autor, que podem ser utilizados para lazer e diversão, mas também para outros fins ditos mais “sérios”. A região de Leiria é um caso nacional paradigmático desta nova tendência. Temos a maior convenção nacional de jogos de tabuleiro, já fortemente internacionalizada: a Leiriacon. Existem duas editoras aqui sediadas e os Boardgamers de Leiria, da associação Asteriscos, são um dos grupos mais dinâmicos de apaixonados por jogos de tabuleiro no país, ao ponto de terem transformado esse prazer em vários projetos educativos, sociais e culturais que arrastam centenas de pessoas.
Pessoalmente estou a fazer investigação em aplicações de jogos para processos de planeamento territorial na Universidade de Coimbra, e tenho dado várias aulas, workshops e conferências sobre aplicações de jogos em projetos e formação, direcionados, por exemplo, para o desenvolvimento de competências tais como a negociação, criatividade e colaboração. 

Tudo isto pode parecer muito estranho, mas se experimentarem vão perceber do que falo. 


Texto publicado no Jornal de Leiria

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Modos suaves de transporte para melhorar a nossa vida

O tema da mobilidade e a acessibilidade diz respeito a todos. Porque todos, de forma mais ou menos intensa, têm necessidade de se deslocarem ou de que se desloquem por eles. O assunto faz parte do nosso quotidiano. No entanto não é um assunto simples, de análise imediata e cujos problemas se resolvem facilmente sem um grande investimento em estudo e planeamento. Planear o sistema de transportes de uma cidade é complexo, exige muito conhecimento técnico, ferramentas próprias e metodologias adequadas para cada caso, quase sempre associadas a dispendiosas modelações matemáticas. São essas as bases para desenhar cenários e saber quais os resultados de determinada proposta.

Dos sistemas de transportes fazem parte os modos suaves. Podemos dizer que são àqueles modos em que se dispensa o uso de equipamentos e veículos geradores de impactes negativos nos ambientes em que circulam. Os dois casos paradigmáticos são as deslocações a pé e de bicicleta, incluindo variantes que se encaixem nos princípios de baixos níveis de impactes.

Andar a pé é natural, saudável e inevitável. É aquilo que transforma qualquer viagem num percurso intermodal, pois acabamos sempre por andar a pé numa parte do trajeto. Apesar de ser natural andar a pé, nem sempre as nossas cidades facilitam essas deslocações. Os passeios tendem a ser ocupados por obstáculos e barreiras. Os pavimentos nem sempre são adequados e seguros. As passadeiras tanto podem ser inexistentes como existir sem condições de segurança. Em alguns locais poderíamos andar mais a pé se nos sentíssemos protegidos do tráfego automóvel, das condições climatéricas e até do crime.

Andar de bicicleta, que é o meio de transporte mais eficiente, permitiria atenuar os efeitos do excesso de veículos automóveis. Seria saudável, barato e versátil para uma grande parte da população. Mas não existe segurança na estrada para quem queria mesmo andar de bicicleta, especialmente nos atravessamentos e nós rodoviários. Escasseiam as redes cicláveis contínuas. Mesmo as zonas de fortes declives podem ser facilmente ultrapassadas com as novas bicicletas elétricas que apoiam o pedalar nas zonas mais exigentes.

A poupança monetária e os ganhos de saúde serão imensos se pudermos implementar um sistema de transportes urbanos e rurais em que os modos suaves sejam privilegiados, especialmente quando os conjugarmos com os outros transportes em modelos intermodais. Isso será possível se existir uma rede de transportes integrada e contínua, em que se possa conjugar a bicicleta com os parques de estacionamento, tal como com o transporte público confortável e versátil. Poupávamos direta e indiretamente. Ganhávamos mais saúde e qualidade de vida. Se tantas pessoas estão hoje disponíveis para transformar um passeio, corrida e volta de bicicleta de dezenas de quilómetros em atividades de lazer e bem-estar, facilmente podemos reconverter isso num novo e reinventado sistema de transportes mais sustentável. Mas para isso precisamos de mudar as cidades e as políticas. 

Texto publicado no Diário de Leiria

Porque as vias não são todas iguais: o caso desadequado da Avenida Marquês de Pombal

As vias, que é como quem diz as estradas, não são todas iguais nem servem todas para o mesmo fim. Umas servem para canalizar tráfego, umas para distribuir e outras ainda para aceder. Por isso quando estamos a gerir e planear o território as estradas não podem ser vistas apenas como um caminho de um ponto para outro.

Para definir uma estrada quanto à sua hierarquia, que é como quem diz quanto à sua importância e função, importa perceber quais os elementos que as podem distinguir. Exemplos são as larguras, quantidades de faixas de rodagem e de vias nas faixas de rodagem. As larguras são muito importantes, tal como o tipo de atravessamentos de peões e nós rodoviários. Os atravessamentos podem ser de nível ou segregados, influenciado a facilidade com que os peões atravessam e o modo como o trânsito automóvel flui sem interferências. Os nós rodoviários, os cruzamentos, entroncamentos e rotundas podem ter as mais variadas formas, potenciando a velocidade, as prioridades, a capacidade de escoamento de trânsito e a conjugação com os outros modos que partilham as estradas, com os peões e bicicletas por exemplo. 

Vamos então a casos concretos. Em leiria existe um exemplo de uma avenida que demonstra bem a importância de planear e gerir as vias pela sua hierarquia viária. A Avenida Marquês de Pombal é exemplo de uma via que antigamente, quando foi planeada, tinha como funções escoar o trânsito de circulação e atravessamento da cidade. Nessa altura privilegiavam-se mais os automóveis. Mas a zona envolvente da avenida massificou-se em construção de habitação. Hoje os acessos aos edifícios e os atravessamentos de peões são muitos. A Avenida não pode ser mais uma via de canalização e escoamento de grandes volumes de tráfego. As velocidades têm de ser reduzidas, caso contrário estamos perante perigos múltiplos para os utilizadores e residentes. 

Uma parte da avenida já foi intervencionada, tendo-se minimizado os efeitos do propósito do anterior traçado. Mas a zona envolvente da Escola Amarela continua por intervir. Trata-se de um troço excessivamente pavimentado de forma inútil, de 4 vias de largura, sem atravessamentos pedonais, e onde as passadeiras mais próximas oferecem apenas 12 segundos de atravessamento, tudo isto ao lado de uma escola. Este é um caso digno de estudo para demonstrar a importância da hierarquia viária, com um troço de estrada desfasado das suas funções de acesso, de necessidade de controlo de velocidade e facilidade para os atravessamentos pedonais. Essa zona funciona como uma barreira aos transeuntes, mas que nem para os veículos automóveis serve, uma vez que o sistema semaforizado aí implementado gera muitas paragens desnecessárias.  

Sabendo que o sistema viário da Avenida Nsa. Sra. De Fátima e General Humberto Delgado está em fase de planeamento, espero que se possa aproveitar para reordenar e adequar também esta zona da Avenida Marquês de Pombal, uma vez que é uma das zonas urbanas mais pujantes da cidade e onde vivem muitas pessoas.

Texto publicado no Diário de Leiria

domingo, 5 de maio de 2019

Quando o associativismo cresce contra a sua natureza

As associações e a livre organização de forma voluntária para implementar ideias e defender causas coletivas podem ser atividades de grande mérito. Quando estas são feitas de forma interessada nas causas e desinteressada nos ganhos pessoais diretos produz-se a receita para o sucesso do voluntariado e do associativismo, pelo menos durante algum tempo. Quando este modelo se aplica ganham todos, quem faz e quem beneficia do trabalho realizado. No entanto há sempre a pressão do financiamento das atividades e do poder que elas trazem a quem as dirige.

Se os projetos de voluntariado, de inovação social realizados por associações sem fins lucrativos, pretendem ter futuro têm forçosamente de procurar a sua própria sustentabilidade financeira. Há imensos custos, mesmo em regime de voluntariado. Há forçosamente custos fixos, sendo as sedes e instalações as maiores dificuldades. Por outro lado, para inovar e manter no tempo as suas atividades há que optar. Ou passam a um regime semiprofissionalizado (ou até mesmo profissionalizado) em que existem atividades e recursos humanos remunerados ou então necessitam de uma grande rotatividade de voluntários. Seja como for, garantir salários ou estar constantemente a receber, formar e preparar novos voluntários para as atividades é trabalhoso, consumidor de recursos e tempo.

Os municípios podem ajudar ao disponibilizar infraestruturas às associações, para serem utilizadas enquanto existir atividade. Assim uma das principais dificuldades fica garantida. O resto pode ser conseguido com voluntariado e projetos desenhados de forma sustentável, com receitas próprias. O recurso crítico, apesar de tudo, são as pessoas. Para que se possam envolver nos projetos há que garantir um bom ambiente humano, uma gestão interna democrática e sentido de justiça. Acima de tudo importa também que as pessoas se divirtam e sintam realizadas no que fazem, como isso evita-se a saturação.
Se as associações pretenderam enveredar por outros rumos mais profissionalizados há um perigo à espreita. O vil metal pode corromper os corações mais bondosos e as boas intenções eclipsam-se perante os dígitos das contas bancárias. As associações são incentivadas a implementarem modelos semiprofissionais, assumir a inovação social, crescer nos processos burocráticos e depender de financiamentos exigentes. Com isso arriscam desvirtuar-se: a liderança passa a ser uma forma de aceder a prestigio e dinheiro, convertendo os voluntários em mão-de-obra barata. Apesar da via profissionalizada permitir trazer dinheiro para as associações é um risco grande de destruição do poder coletivo que criou os projetos, as ideias e as boas intenções. Corre-se o risco de fulanizar e de apropriações individuais do que inicialmente era coletivo. 

Deveríamos pensar nisto. Que tipo de associações queremos ter e se realmente as queremos transformar em empresas. Será sustentável do ponto de vista associativo? Talvez não. O dinheiro é preciso, mas as pessoas são mais importantes.

Texto publicado no Diário de Leiria
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Redundâncias da Actualidade - criado em Novembro de 2009 por Micael Sousa





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