quarta-feira, 12 de junho de 2019

Que tipo de participação cívica pretendemos?

Incentivar à participação cívica em assuntos de interesse público é uma intenção recorrente de muitos agentes políticos e institucionais. Mas afinal o que é participar nestes contextos? Basta assistir e marcar presença? Ou será mais que isso?

A participação cívica só é sustentável se for agradável para quem se envolve e a concretiza, mesmo que seja meramente passiva. Se as pessoas sentirem que estão a perder o seu tempo dificilmente voltam a participar. Se o envolvimento pessoal for inconsequente, depois de um esforço para participar ativamente, surge frustração e até repúdio pelas próprias iniciativas. Os processos participativos, quando não são meras propagandas políticas ou de reforço de lóbis obscuros, são trabalhosos e exigentes para todos os intervenientes, podendo facilmente correr mal. Há que ter noção das consequências desses falhanços ou desvirtuamentos. A crítica destrutiva e do ódio é facilmente difundida pelos mecanismos de comunicação ao alcance dos cidadãos. É mais fácil destruir que construir.

Então, sempre que se organiza um evento, uma dinâmica ou um qualquer processo onde a participação cívica seja importante, há que ter noção dos efeitos de sustentabilidade da própria participação. A competição por ter instantaneamente mais participantes pode ser perniciosa a longo prazo. Podemos facilmente saturar as pessoas com processos mal planeados e inúteis, que depois condicionam outras atividades realmente relevantes e desenhadas para reforçar o hábito cívico participativo nas comunidades.

Mas para fazer este tipo de dinâmicas não bastam as boas intenções. Existem técnicas de organização e encadeamento de atividades dos ditos processos participativos, que podem a recorrer a ferramentas tão inesperadas, mas necessárias, como jogos. É possível levar a participação a níveis ainda mais profundos como os modelos deliberativos e até colaborativos. Estes modelos têm sido testados em casos piloto, estando um desses projetos a decorrer em Leiria neste momento: o Urbanwins. Nestes processos todos os participantes estão em pé de igualdade e participam na produção e discussão de ideias, tomam decisões conjuntas através de metodologias orientadas para resultados e propostas concretas sobre o tema em causa. No caso do Urbanwins consiste em abordar as problemáticas dos resíduos urbanos. O produto final nestas metodologias consiste num trabalho coletivo equitativo, muito debatido e tecnicamente apoiado.

Recentemente realizou-se em Leiria um fórum dedicado à utilização civil do base aérea de Monte Real. Os promotores desse fórum reforçaram a vertente participativa e agregadora deste fórum, no entanto decorreu em moldes tradicionais e formais. Havia oradores que comunicavam para uma plateia, que no máximo poderia colocar questões no final. Poderia ter sido replicado o conhecimento e experiência do Urbanwins. Seria trabalhoso, mas foi pena. Só o futuro dirá se existe abertura para implementar as metodologias participativas, deliberativas e colaborativas em Leiria, especialmente nos grandes assuntos de interesse público.

O que vem depois do novo jardim de Leiria?

Há uns anos parecia que o Jardim da Almoinha Grande nunca seria uma realidade. Não pela dificuldade de o fazer nem por ser de uma originalidade causadora de choque. Há vários jardins deste tipo, não muito distantes, semelhantes e até maiores. Mas em Leiria, desde o final dos anos 60, tem dominado uma política de massificação da construção, o que gerou muitos edifícios e espaço público de qualidade duvidosa. Somente nos finais dos anos 90, com os primeiros projetos de renovação, depois com o POLIS e demais intervenções públicas, a cidade foi tendo as suas intervenções de melhoria do ambiente urbano. 

Apesar de tudo isso sempre ficou a sensação de que era pouco. Ainda hoje, mesmo com este novo jardim, queremos todos mais. Sabemos que as necessidades humanas não têm limites, e que crescem muito acima dos recursos disponíveis, mas é desejável sonhar. São esses sonhos que nos levam a planear, num mundo de onde temos constantemente de decidir.

Nesta fase o jardim ainda está imberbe, as árvores pequenas, os prados e as espécies ripícolas da ribeira e lago ainda longe da consolidação. Nota-se que muitos dos utilizadores do jardim ainda o visitam por curiosidade, e não por um hábito estabelecido de desfrutar de um espaço verde onde se podem fazer múltiplas atividades. Lá virá o tempo em que tudo isso se irá consolidar. As espécies assumirão o seu papel, com a devida manutenção. As árvores vão crescer e desempenhar as suas múltiplas funções, incluindo a sombra. E as pessoas perder a curiosidade para passar a utilizadores habituais das valências de um jardim deste tipo. Não duvido, pois é assim em todas as cidades, desde que os espaços sejam cuidados e assumidos pelos habitantes.

O curto espaço de tempo de utilização do jardim demonstrou o fascínio dos utilizadores pela água, nas suas várias modelações. Tal evidência pode surpreender numa cidade que tem vivido de costas voltadas para o rio, tanto pelo seu enquadramento urbano como pela qualidade das suas águas. Fica claro que gostávamos de ter um rio mais limpo e aprazível. Imaginem o que seria se pudesse ter uma praia fluvial urbana? Imaginem essa valência balnear integrada com outras atividades fluviais de desporto e lazer. Tudo isso num contexto urbano com comércio, serviços e espaços culturais iria gerar atratividade sustentável, mas, mais que isso, iria gerar qualidade de vida, pois as cidades servem para vivermos nelas. 

E nas cidades vive quem nelas mora diretamente, mas também vivem os habitantes dos territórios adjacentes, das periferias que geram a centralidade urbana. As cidades não são isoladas da sua envolvente, especialmente em cidades médias, no contexto português, como Leiria. Essa conectividade garante-se com um sistema de transportes, que neste jardim passou, para já, por se cingir aos veículos particulares. Exige-se agora reforço do transporte público e a rede e ciclovias, aproveitando as zonas planas, e que conecte os roços desgarrados existentes e suas perigosas ligações com o tráfego intenso das rodovias.

Texto publicado no Diário de Leiria.
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Redundâncias da Actualidade - criado em Novembro de 2009 por Micael Sousa





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