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terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Insustentabilidade democrática: as secas políticas

Hoje em dia são milhentas as solicitações que temos nas nossas vidas. Independentemente da nossa capacidade financeira, existem muitas alternativas constantemente a concorrer pelo nosso tempo. Nisto incluem-se principalmente as atividades que nos dão prazer. Há cada vez mais uma concorrência de prazeres e o consequente evitar de tudo o que nos desagrade. Mas não adiante querer ser um purista e recriminar quem segue a busca pela felicidade através dos seus prazeres individuais, esquecendo de dedicar parte do seu tempo a alguns deveres sociais para com os demais. Não vale mesmo a pena querer fazer esse papel moralista pouco popular, porque só nos vai amargurar e afastar ainda mais as pessoas que queremos, eventualmente, convencer a mudar de atitude.

A solução passa por tornar as atividades cívicas, sociais, politicas e tudo o que seja relevante para a nossa comunidade, mais atrativas. Em algumas atividades é mais fácil gerar gratificações imateriais - ditas felicidade - que se relacionam a sociabilização e integração com a comunidade. Noutras é mais difícil, especialmente na vida política, tão carregada de modos de fazer e estigmas que condicionam a boa-vontade de fazer algo mais pelo efeito coletivo do que pelo benefício individual. Por isso vou centrar-me no exercício da atividade política, pois tenho alguns anos de experiência nessas lides. 

Os mecanismos de participação política não são cativantes para a maioria da população. Uma coisa não tem de ser menos séria para ser divertida. Pode parecer contraditório, mas não é. A seriedade relaciona-se mais com a coerência nestes casos. Podemos ser sérios nas nossas intenções e princípios políticos ao conduzir processos divertidos de produção de trabalho político, tal como na implementação dessas ideias e medidas. A política não tem de ser um antro de pessoas carregadas, maldispostas e cinzentas, sempre dadas a agressividades e facciosismos injustificados. Não temos de andar à pancadaria com a oposição em democracia. Podemos discordar e devemos tender para algumas convergências e acordos. Nada impede que se utilizem dinâmicas interativas com os cidadãos para cativar, usando dinâmicas lúdicas e até jogos. 

Já assisti a atividades políticas incrivelmente aborrecidas, especialmente pela forma como estavam construídas. Já perdi horas intermináveis sem qualquer resultado útil final em reuniões políticas. Já me cobriram de tédio com monólogos monocórdicos. Já ouvi tanta vez a mesma coisa, sempre das mesmas pessoas, que o sentimento de repetição se torna angustiante. 

Em certos casos parece que se faz de propósito para que os processos políticos sejam longos, inconsequentes, desinteressantes e tudo o mais que afaste as pessoas dos movimentos ou partidos políticos, para que se mantenham coutadas de uns quantos. 

Mas esta realidade não é motivo para desistir da participação política, pois seria o fim da democracia. A própria democracia tem de continuar a ser melhorada e adaptada para persistir e ser sustentável.

Texto publicado no Diário de Leiria

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Dar sustentabilidade ao voluntariado

Fazer voluntariado pode trazer vantagens a quem o pratica e dele beneficia. Mas nem tudo deve ser transformado em voluntariado e nem todas as pessoas o podem fazer constantemente. O voluntariado permite realizar algumas atividades que não poderiam ser economicamente sustentáveis de outra maneira, não se devendo substituir atividades económicas geradoras de emprego. O emprego tem um valor social estruturante importantíssimo. Substituir emprego por voluntariado é uma subversão pouco sustentável a médio e longo prazo.

Ser voluntário é assumir uma função cujos os ganhos estão para além dos benefícios materiais e monetários. Sabemos que existem muitos outros valores que mobilizam as pessoas, especialmente nas sociedades pós-industriais, onde, felizmente, a grande maioria das necessidades básicas estão garantidas, permitindo o surgimento de novas prioridades.

No entanto, os voluntários tendem a atingir um nível de saturação nas atividades que realizam, uma vez que o fazem livremente e sem remuneração. Fazer voluntariado, mesmo que seja perante um período de tempo curto, é uma forma de criar uma rede social, de ganhar novas experiências, de aprender coisas novas e, para alguns, uma forma de ocupar o tempo com algo de útil. Mas muitas vezes o voluntariado é entendido como um frete, uma atividade pesada, quase um castigo expiador autoinfligido.

Vivendo na pós-modernidade, fazemos parte de movimentos de crescente fragmentação social, individualismo, relativismos de toda a ordem, frutos de uma crescente liberdade. Cada vez mais as pessoas procuram o que as tornam felizes e fazem sentir relevantes. Fazer fretes ou algo a contragosto não encaixa neste novo sistema valorativo, por vezes nem mesmo quando se é bem pago para isso. Isto leva a que as ações de voluntariado vistas como vantajosas, mais-valias, para quem as realize tendam a ser efémeras e reduzidas. O segredo para dar sustentabilidade ao voluntariado é torná-lo algo agradável e gratificante para quem o pratica, sem pressões e obrigações.

Assistimos a esse fenómeno de voluntariado nos Boardgamers de Leiria. É algo transversal que queremos incutir na associação Asteriscos e todos os seus projetos. Temos conseguido fazer várias atividades de puro voluntariado, apoio educativo e integração social com jogos de tabuleiro porque os nossos voluntários são apaixonados por esses jogos, porque gostam genuinamente deles e porque ninguém é obrigado a nada, num grupo onde reina a boa-disposição. Quando se descobre algo que conjuga uma paixão e o impacto social encontra-se a fórmula de dar mais sustentabilidade ao voluntariado e a oportunidade para desenvolver novos projetos e mais iniciativas, úteis para os voluntários e para a comunidade em geral. Se a isto juntarmos uma organização horizontal, que trabalhe de forma colaborativa, esse potencial cresce ainda mais. Só não nos podemos esquecer que este e outros voluntários nunca deverão substituir empregos e outras atividades formais.

Texto publicado no Diário de Leiria em 1 de fevereiro de 2018

Ensaiar um processo colaborativo: caso do projeto UrbanWins

Como espécie social que somos, colaborar é algo que nos é natural. Mas no que toca à tomada de decisão pública, política e coletiva a cooperação e colaboração dificilmente surgem naturalmente. Dominam, acima de tudo, as vicissitudes das hierarquias e organização do poder formal e vertical na estruturação das nossas organizações e sociedade no geral. Qualquer coisa que mude isso terá sempre reações.

A primeira dificuldade é a semântica. Os termos e expressões utilizadas podem ser confusos. Tornar um processo de decisão pública participativo não é o mesmo que fazer um processo colaborativo ou cooperativo. Participar implica uma ação muito mais individual, podendo ser passiva ou apenas unidirecional. Participar pode simplesmente implicar estar presente, aprovar ou reprovar. Vemos isso no sistema eleitoral vigente em Portugal, em que se incute a participação como forma de validar ou escolher, sem componente ativa produtiva ou criativa. Já o termo colaborativo implica uma intervenção coletiva. Também pode ser passiva, embora colaborar pressuponha algum tipo de ação, em que se contribui para o resultado final. Ou seja, não é apenas uma validação da ideia ou projeto de outrem, mas o contributo para um objetivo que depende do envolvimento dos vários sujeitos.

Então, quando vemos utilizar os conceitos de participativo e colaborativo na mesma frase podemos ficar de imediato desconfiados. Será que estão a ser erradamente utilizados como sinónimos ou realmente se está a propor implementar um processo com vários níveis de envolvimento cívico?

No projeto UrbanWins faz-se um esforço para que a participação dos cidadãos na identificação das prioridades na problemática dos resíduos urbanos crie um processo colaborativo. Neste projeto os cidadãos são convidados a participar ativamente, sendo que os seus contributos têm forçosamente de ser debatidos e validados em grupo. Procedem-se a múltiplas votações individuais e várias etapas de trabalho colaborativo, aprofundando as ideias mais votadas. Este tipo de procedimento centra-se muito na força das ideias e da sua capacidade de ultrapassarem várias fases de validação e votação, anulando os efeitos negativos do individualismo. Dificilmente assim uma ideia será apenas boa pelo simples facto de ter sido apresentada pela pessoa X ou Y. Num mero processo participativo os efeitos individuais de notoriedade do proponente, capacidade comunicativa ou outro tipo de poder individual e de liderança sobre o grupo poderiam fazer com que uma ideia mais fraca, que não fosse do interesse comum ou tivesse fragilizada tecnicamente, pudesse vencer. Através destas metodologias isso evita-se em grande medida.

Atualmente as metodologias colaborativas são aplicadas em contextos mais criativos e inovadores, sendo que os poderes mais tradicionais tendem a evitá-las, chegando mesmo a ridicularizá-las. É por isso que a cidadania ativa deve tentar abraçar estes procedimentos, evitando os poderes de condicionamento cívico de determinados poderes instituídos.

Texto publicado no Diário de Leiria em 21-12-2017

UrbanWins: um passo para novas formas de participação cívica

As democracias são construções sociais politicamente utilitaristas que mudam com o tempo. A necessidade de constante reinvenção é imperativa para que não definhem. Neste momento sente-se um clima de incerteza nas democracias maduras dos países mais desenvolvidos. Há uma clara sensação de que os sistemas políticos necessitam de reformas para se adaptarem às exigências contemporâneas e futuras.

Quando se fala em democracia existe uma natural tendência para pensar de imediato no sistema político, em partidos, em câmaras municipais e assembleias. Mas a democracia é muito mais do que o sistema político representativo. Aliás, essa é apenas uma forma de democracia. Existem outras, a serem testadas em múltiplos contextos, com metodologias alternativas e direcionadas para objetivos muito específicos, que testam os limites da participação ativa dos intervenientes. A democracia e os seus princípios organizativos extravasam em muito a esfera política.

As ditas novas formas de democracia tentam colmatar os défices de formação política e participativa dos cidadãos na vida da comunidade em que vivem. A própria União Europeia tem formatado os projetos que financia para que neles se incorporem cada vez mais metodologias participativas e colaborativas. Por princípio, os planos de desenvolvimento sustentável deveriam contribuir também para melhorar o sistema de governança, que é como quem diz: os processos de decisão locais com o envolvimento dos vários stakeholders e cidadãos. Apesar do nome estranho, os stakeholders não são mais nem menos do que pessoas, instituições e organizações que defendem determinadas causas, têm conhecimento especifico numa determinada área ou representam grupos de pessoas e interesses. Exemplos são as associações de moradores, de defesa e proteção ambiental, etc.

Na prática estes processos de participação e colaboração para definição de planos e projetos de intervenção são uma raridade. Em Leiria nem a Agenda XXI local não teve continuidade, apesar do potencial cívico que tinha, partindo de uma metodologia colaborativa orientada para a melhoria do desenvolvimento sustentável. Nos raros processos em que os cidadãos são chamados a participar a tendência remete para o reforço do elitismo, por vezes pouco democrático, favorecendo quem tem mais espaço de comunicação pública, melhor oratória ou a arte de trabalhar as palavras. Também é recorrente nos processos de consulta pública, muito comuns nos instrumentos de gestão do território, tais como os Planos Diretores Municipais, Planos de Pormenor e afins, a participação resumir-se a um somatório de reclamações com base no interesse privado e particular de cada interveniente.

Felizmente há uma novidade em Leiria. Está a decorrer um novo projeto que promete ensaiar novas metodologias de participação cívica. Nos próximos textos irei falar desse projeto que tem o nome de UrbanWINS, de assuntos de índole ambiental e cultural, inspirados também nos textos do blogue “A Busca pela Sabedoria”.

Texto publicado no Diário de Leiria em 6 de dezembro de 2017.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Democracia – Uma Utopia contemporânea?

 
Ao contrário do que se possa pensar, o sistema político democrático era altamente criticado pelos intelectuais da época quando foi inicialmente instituído. Grandes pensadores e filósofos criticaram abertamente a democracia da época enquanto sistema de governo. Basta pensarmos na célebre tríade de pensadores gregos atenienses: Sócrates, Platão e Aristóteles. Consta que o próprio Sócrates foi condenado à morte por questionar as falhas da democracia. As críticas que se faziam eram, em parte, replicáveis ainda hoje. Cada um, no seu estilo e segundo a sua própria sistematização filosófica, criticava o tipo de decisões que resultavam da escolha democrática, com votações quase sempre desinformadas e facilmente manipuláveis por quem verdadeiramente detinha o poder, na sombra. A condenação à morte do próprio Sócrates é disso exemplo, tal como a incompetência da gestão do conflito contra Esparta durante a Guerra do Peloponeso, que arruinou a prospera polis ateniense. Não é então estranho que esses e outros pensadores tenham concebido sistemas de governo alternativos.

Sempre que se tenta avaliar a democracia enquanto sistema numa discussão é certo que alguém vai de imediato citar Winston Churchill, dizendo que “a Democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as outras”. De facto nenhum outro sistema provou ser melhor, pelo menos para a esmagadora maioria da população. No entanto, a aplicação da democracia e a concretização do seu potencial máximo continua, de um certo modo, a ser uma utopia. Exemplos, mais antigos e recentes, próximos e distantes, não faltam.

Tal como na antiguidade clássica, a democracia real, embora a nossa seja muito mais abrangente - devido ao sufrágio universal e outros direitos e deveres -, continua a ser defeituosa. Os votantes continuam a ser manipulados e não é certo que se escolham sempre os melhores. Continua a faltar a devida formação/prática cívica e política como fundamento da tomada de decisão, para serem os próprios cidadãos (ou eleitores de um ato particular) a criarem o suposto sistema de autogovernação. Uso este termo pois em democracia plena não deve existir, por princípio, aristocracia ou outra classe ou grupo social à parte destinada à governação, cada cidadão pode aspirar a esse cargo. No entanto, para a democracia ser verdadeiramente universal e funcional é essencial garantir certas condições mínimas, tais como: segurança, saúde, educação, liberdade, informação e adequados meios de subsistência. Enquanto isso não for totalmente garantido, a todos em igualdade de oportunidades, a democracia fica por concretizar: torna-se uma utopia contemporânea.
 
Nota: Texto publicado no Jornal de Leiria em 18 de setembro de 2014
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Redundâncias da Actualidade - criado em Novembro de 2009 por Micael Sousa





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