quinta-feira, 21 de novembro de 2019

E que tal uma rede sustentável de praias fluviais em Leiria?

Leiria não tem nenhuma praia fluvial formal, mas tem potencial para ter várias. Se tantos outros concelhos têm nós também poderíamos ter, pois temos inúmeras ribeiras e ribeiros, dois rios, e várias lagoas. Mas claro, para isso, teria de haver um planeamento e gestão desses recursos naturais para poderem ser verdadeiras praias fluviais. Os custos de investimento poderiam ser largamente compensados com os naturais retornos que uma eficiente gestão traria. 

Dizem algumas pessoas, provavelmente desinformadas do potencial das praias fluviais, que estamos demasiado perto do mar para precisarmos delas. Leiria tem uma praia e mesmo as praias dos outros concelhos ficam a poucas dezenas de quilómetros. No entanto, uma coisa não substitui a outra, especialmente com o tipo de condições marítimas balneares das praias da região para banhos. Quem gosta de desfrutar de um banho ou nadar nem sempre o pode fazer nas nossas praias. E o fresco, associado à habitual envolvente verde das praias fluviais, proporciona escapatórias ao calor abrasador e permite uma relação única com a natureza. Ainda assim, discordando do pensamento que considera as praias fluviais desnecessárias, muitos de nós gostávamos de as ter em Leiria, especialmente porque já desfrutámos delas noutros locais. 

Também não nos podemos esquecer que todas as deslocações, especialmente em veículos automóveis, geram impactes ambientais negativos. Ter uma praia fluvial por perto permitiria mitigar isso, tal como garantir reservas de água permanentes, cada vez mais importantes em contexto das alterações climáticas.

Imaginem então que existiam várias praias fluviais e ciclovias a ligar todos esses locais aos pontos de interesse do concelho. Imaginem parques de campismo, hotéis e infraestruturas de apoio perto destes locais. Imaginem praias fluviais urbanas e rurais, algumas associadas a património cultural, outras a aproveitar locais naturais únicos: Lapedo, Junqueira, Fontes, Cortes, Caranguejeira, Ervedeira, e muitos outros locais. E uma praia mesmo no centro de Leiria? Parece utopia, mas cidades como Estocolmo conseguiram tornar as suas águas superficiais urbanas próprias para nadar e até beber sem tratamento. 

Com esta rede de praias podíamos aproveitar uma franja importante do turismo cultural, gastronómico e balnear multifacetado para diversificar a nossa economia. Aí sim, Leiria seria distintamente atrativa para o lazer e férias durante todo o verão, em quase todo o seu território. Seria ainda mais atrativa pela qualidade de vida que teria para os seus habitantes.

Se esta fosse uma estratégia de desenvolvimento territorial para Leiria iria garantir-se a proteção ambiental dos nossos recursos naturais. A bacia hidrográfica do Lis teria de ser despoluída. A nossa qualidade de vida aumentaria imenso. 

Não temos de copiar os outros, mas devemos aproveitar o que temos de único, obtendo valor das nossas condições naturais, sem as depreciar. Isso é sinónimo de sustentabilidade. 

Texto publicado no Diário de Leiria

Por uma cidadania divertidamente ativa

Existem muitas teorias para explicar a ausência de mais participação cívica e política por parte dos cidadãos. Se antigamente era por falta de informação ou conhecimentos, ou até mesmo por ausência de liberdade, hoje não é bem assim. Com isto não significa que todas as pessoas estejam informadas de tudo e preparadas para todas as possíveis formas de participação que podem assumir. Por outro lado, significa que, havendo vontade e fazendo um esforço para saber como proceder, é possível ter uma atitude mais ativa no que toca aos assuntos da governação coletiva, que é como quem diz: Política. 

Esperava-se que com a liberdade, generalização de níveis cada vez maiores de educação e acesso à informação, as participações cívicas e políticas aumentassem, e com isso a democracia prosperasse em formas cada vez mais participadas e diretas. Na prática isso não tem sido bem assim. As mobilizações têm ocorrido, mas mais por causas pontuais, associadas a tendências e novidades, ou por resposta a sentimentos de injustiça, habitualmente por revolta. Existe muito menos ativismo positivo, no sentido em contribuir para melhorar e aprofundar o modo como as sociedades funcionam. Talvez isto faça parte da natureza humana, tal como faz parte da natureza da dita classe política a sua pouca vontade em mudar o paradigma, pois seria abdicarem do seu poder, mesmo que seja um poder de aparências.

Típico dos nossos tempos é a constante concorrência de atividades. Nunca tivemos tantos meios para poupar tempo nas mais diversas tarefas e ao mesmo tempo menos tempo para tudo o queríamos fazer. A concorrência é imensa, crescendo o rol de atividades relacionadas com lazer e diversão. Vivemos em sociedades hedonistas e consumistas em que os indivíduos procuram o seu prazer individual. Existe oferta para todos os tipos. Por isso temos incentivos a procurar e seguir apenas aquilo apreciamos, dificilmente optando por coisas que nos incomodam. Parece mais ou menos óbvio.

Participar na vida cívica, em debates, discussões, manifestações, em associações, processos de colaboração e até em eleições tende a ser pouco divertido, pelo menos para a esmagadora maioria das pessoas. Os processos de consulta pública são burocráticos, cheios de papelada técnica para ler e tentar compreender. Os debates, por falta de moderação e de design dos processos, levam a sessões longas e tediosas, onde ódios são destilados e o confronto afasta os menos beligerantes. As eleições são dominadas por partidos que obedecem a lógicas de poder instituído, onde há muito pouco espaço para inovar e abertura a novos atores. Parece que tudo é transformado em aborrecimento, quando o mundo do consumo, físico e imaterial, está cheio de alternativas cativantes. Por isso optamos por consumir. 

A solução não é simples, apesar de óbvia, partindo do princípio que queremos uma democracia participativa. Por isso há que tornar a cidadania ativa mais interessante, mais fácil e mais divertida. Trata-se de uma revolução, mas que não faz correr sangue, quanto muito umas lagrimas de riso.

Usar os jogos de tabuleiro para tornar as empresas mais criativas

A criatividade vai ser o capital do futuro. As empresas terão sucesso se conseguirem captar o potencial criativo dos seus colaboradores. Mas as fórmulas do passado parecem pouco apropriadas para o conseguir. Temos de encontrar novas estratégias, mais centradas nas pessoas e no que as distingue das máquinas.  

Existem muitas opções para estimular a criatividade, e uma das mais poderosas passa pelo recurso a jogos. Os jogos são motivadores intrínsecos, o que significa que transportam, naturalmente, os jogadores para o chamado “círculo mágico”, num estado de alienação consciente onde é possível potenciar a criatividade e novas formas de estimulação cognitiva e comunicativa para a resolução de problemas. É como se os jogos proporcionassem arenas de treino e ensaio em que podemos planear e testar as mais variadas ideias e estratégias, sem os efeitos negativos e consequências da realidade. É aquele espaço imaginário onde podemos estudar e compreender o comportamento humano, as atitudes, a diversidade e imprevisibilidade, as prioridades e reações interativas perante os sistemas de jogo e as opções dos demais jogadores. No entanto os jogos têm a vantagem de terem em si sistemas de regras que permitem avaliar o desempenho e sucesso, tudo isto enquanto garantem diversão – ou seja, motivação. Por serem divertidos são melhores que as simulações. Os jogos são assim espaços de aprendizagem através da experimentação, são modos de aprender fazendo, mas também de produzir. 

Os jogos digitais dominam, pois são imediatamente estimulantes e podem ser utilizados por muitos jogadores em simultâneo e à distância, em múltiplas plataformas cada vez mais portáteis. No entanto os jogos analógicos, que não deixaram de evoluir, exploram a dimensão inigualável da interação presencial. Neste momento o setor dos jogos de tabuleiro está a crescer acima dos 20% ao ano, com volumes de negócios que se estimam em breve passar dos 10 mi milhões de dólares. Milhões de pessoas jogam os novos designs de jogos de tabuleiro: os “wargames”, os “role play games” e os jogos de hobby de modelo “europeu” e “americano”, convergindo para modelo híbridos em que o refinamento dos sistemas se conjuga com as narrativas e temas envolventes. Mais de 5.000 jogos são publicados anualmente, em contínuos processos de inovação e criatividade, cada vez mais acessíveis. Centenas de milhares de pessoas rumam às convenções de jogos, e nós cá temos a maior de todas em Portugal: a Leiriacon. Temos também uma das comunidades de boardgamers mais ativas do país: os “Boardgamers de Leiria” da associação Asteriscos, que implementam projetos de inovação social e educativa, para além de garantirem o espaço para um público e comunidade florescentes. Temos também por cá duas editoras que exportam jogos: “Whats your game?” e a “Pythagoras”. Tudo isto é altamente inspirador e parece estar a fazer emergir um cluster em Leiria.

Estes novos jogos de tabuleiro são também tendências dos polos tecnológicos e financeiros como Silicon Valley e Wall Streat. A D. Dinis Business School reconhece isto, e tem-me permitido incluir estes jogos como introdução à gamification e serious games na sua oferta formativa. Estas abordagens servem para que os jogos possam ser integrados das atividades das empresas de forma a estimular a criatividade e muitas outras competências necessárias para o sucesso. Tenho desenvolvido este tipo de soluções, em paralelo com as minhas investigações académicas sobre o poder motivador dos jogos, que podemos utilizar como incentivadores à participação, teste de ideias e resolução de problemas, que geram processo de cocriação e planeamento colaborativo. Parece brincadeira, mas estamos a falar de coisas bem sérias, com provas dadas, mas onde existe ainda muito espaço de progressão e desenvolvimento. Imaginem se pudessem trabalhar enquanto se divertem a jogar, gerando de forma intrínseca mais motivação, criatividade e até felicidade no mercado de trabalho.

Para que serve uma assembleia municipal e qual o papel dos cidadãos nela?

Sou membro da assembleia municipal de Leiria, sendo a minha segunda passagem por este órgão, depois ter estado a trabalhar no gabinete de apoio à vereação. Devo dizer isto antes de avançar com o texto por questões de transparência. Vou tentar descrever o que é uma assembleia municipal, segundo a minha experiência. 

São membros da assembleia municipal os deputados municipais, que correspondem a três vezes o número de vereadores, perfazendo um total de 33 lugares. Fazem também parte os presidentes de junta de freguesia, igualmente com direito a voto. Todos são sufragados através de listas de partidos ou de movimentos políticos que se podem constituir para concorrerem aos vários cargos nas eleições autárquicas. Ou seja, todos nós representamos partidos ou movimentos políticos, mas, primeiro que tudo, representamos os munícipes. Através de uma votação entre os membros da assembleia municipal elege-se a mesa e o seu presidente. Cabe à assembleia municipal fiscalizar a atividade do executivo municipal, do presidente de câmara e dos vereadores, mas também propor alterações, recomendações, moções e propostas próprias. Ou seja, a assembleia tem poder, os orçamentos têm de ser lá votados, tal como os grandes assuntos e investimentos locais.

Nas assembleias municipais podem também participar os munícipes que se inscrevam previamente. No caso da assembleia de municipal de Leiria os cidadãos são sempre os primeiros a falar, tendo pelo menos 5 minutos para usar livremente como entenderem, o que gera um importante espaço de participação cívica e política. Para além disso as assembleias municipais, tal como as assembleias de freguesia, são abertas ao público. No caso da assembleia municipal também é transmitida online no Facebook, gerando mais um modo de divulgação e partilha de informação, para que os cidadãos saibam o que se vai fazendo nesse espaço. 

A assembleia reúne ordinariamente 5 vezes por ano, podendo haver mais sessões extraordinárias, especialmente porque surgem alguns debates temáticos ou assuntos que possam necessitar de mais tempo para serem debatidos e deliberados. Em 2019 houve mais assembleias do que é habitual, alargando ainda mais este espaço de debate político e possibilidade de participação dos cidadãos. 

Espera-se que os vários membros da assembleia levem alguns dos seus conhecimentos e sensibilidade política para as reuniões de assembleia. Por vezes entra-se em tricas partidárias ou pessoais. Provavelmente isso faz parte da natureza humana, mas sabemos que o ideal seria o debate de ideais e a possibilidade da cocriação e geração de alguns consensos, algo que se consiga fazer algumas vezes. Precisávamos também de mais cidadãos a participar, quer como candidatos diretamente à assembleia, quer com intervenções pontuais enquanto munícipes. Esse hábito iria gerar condições para aprofundar a nossa democracia, porque é desenvolvida para assuntos que nos dizem muito. Remato com o desejo de um dia podermos ter  em funcionamento as assembleias de cidadãos a trabalhar de forma colaborativa e a deliberar sobre múltiplos assuntos.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Pensamento político do dia #1

O ódio que o Livre está a gerar é a prova de que faziam cá falta. O mesmo se pode dizer para o PAN, mesmo que já não choquem tanto como as galinhas que defendem, e para a Iniciativa Liberal, que veio relembrar que em política ainda há ideologia, ainda que parva. Até o Chega é útil para percebermos que também é preciso dizer chega a certas coisas, incluindo ao Chega.

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Independentes, partidos como clubes e os candidatos a Leiria no parlamento

Gostamos muito de independentes, mas que se comprometam com coisas. Detestamos partidos, mas acusamos com ódio quem os trai. Cá os partidos são como clubes de futebol, daqueles que nunca se pode mudar. Mas porquê? Um partido deveria defender ideais e valores, transformados em propostas políticas, mudando naturalmente. Os partidos, apesar disso, são feitos de pessoas e na prática servem para aceder ao poder, ao ponto de recorrerem a independentes. Já os independentes, que também querem poder, acedem aos pedidos dos partidos e vestem temporariamente as camisolas que nem sempre lhes assentam bem.
Tal como nos clubismos futebolísticos, ainda temos dificuldades em lidar com a mudança de partido. Talvez seja essa relação que temos tantos independentes e relações entre futebol e política. Até eu, que ligo cada vez menos a futebol, tive de fazer esta metáfora futebolística para não ficar fora de jogo.
Então como fazer para que os independentes se comprometam com as suas promessas políticas? Ficamos apenas pelas relações pessoais? Isso vai funcionando na esfera da política local, porque todos os dias vemos o fruto da atividade política, e até a sentimos mais quando passamos por um buraco ou outros contratempos do dia-a-dia. Facilmente vemos os representantes políticos, na rua, no seu local de trabalho e em eventos públicos. Mas quando se fala de política nacional precisamos ainda mais das instituições, no caso da atividade política estamos a falar de partidos, porque para já não temos alternativas, apesar de existirem outros formatos conhecidos. Parece então desapropriado ter independentes no xadrez político nacional. Faria mais sentido que quem se candidata para cargos nacionais se filiasse no partido pelo qual concorre, nem que fosse para mudar quando essa relação deixasse de ter sentido. Talvez agora com os novos partidos esses tiques de clubismo ferranho, que geram ódios, mudem e a vida política seja mais dinâmica.
Centrando em Leiria, que nunca parece estar ao centro das políticas nacionais, será que podemos ter a esperança que deputados eleitos assumam papeis de liderança e contribuam para o desenvolvimento do distrito? Dificilmente porque o distrito, enquanto unidade administrativa territorial, para pouco mais serve do que para os eleger. E depois de eleitos passam automaticamente, por força da constituição da república, a serem deputados nacionais, pelo que não deveriam privilegiar certos territórios em detrimento de outros. Ou seja, na prática, os candidatos a deputados apenas deveriam fazer campanha nos seus círculos eleitorais com base no programa nacional dos partidos que representam e não em assuntos locais, o que é bizarro. Sabe a pouco e os resultados depois na prática política sentem-se: ou seja, na prática depois pouco ou nada se vê nesses territórios fruto dessa representação, porque, não sendo suposto, os deputados naturalmente não têm recursos reais para isso. Em resumo: está na altura de mudar o sistema eleitoral.

As campanhas eleitorais deprimentes e inúteis

Já fiz muitas campanhas eleitorais, para todos os tipos de eleições. Já fui candidato a várias, ainda que sempre em lugares secundários. Já participei na logística e planeamento, embora quase sempre como mero braço de trabalho. Nos últimos 12 anos experimentei de tudo e vi de tudo. E tudo o que vi foi quase o mesmo. Tendem a aplicar-se as mesmas formas de sempre, que tendem a ser aborrecidas e desprovidas de sentido até para quem as faz. Então vejamos. Se alguém está motivado para ter atividade política será que aquilo que deseja fazer passa por estar simplesmente a distribuir t-shirts e porta-chaves nas feiras? Será que uma pessoa que vibra com a possibilidade de debater e construir propostas políticas e a sua implementação aprecia andar em corridas ao porco no espeto enquanto ouve repetidamente discursos pré-escritos sem qualquer tipo de debate ou contraditório? Que dizer também das visitas a empresas e instituições onde sentimos o olhar de repúdio de quem está no seu local de trabalho ou a aceder a um serviço essencial e não pode fugir do assédio eleitoral? A construção dos programas eleitorais deveriam ser os momentos mais interessantes do processo e não meros formalismos para meter na gaveta.
Mas nas campanhas também se fazem eventos próprios, conferências, debates, comícios e afins. No entanto, quem vai a estes eventos as são pessoas que fazem parte da campanha, militantes e amigos que são pressionados para comparecer em massa. Ou seja, o discurso e as atividades são realizadas para quem supostamente já irá votar nessa opção. Trata-se apenas de mais um frete? Para que servem? Dizem-me que servem para motivar as pessoas e para passar a mensagem de forma orgânica depois à rede social de cada participante.  Mas será que passa? Para isso é preciso que a mensagem seja clara e passível de ser assumida por quem a ouve, coisa que nem sempre acontece. Se as pessoas seguem um determinado partido ou movimento por razões de diferenciação ideológica ou causas muito concretas, como se lida depois com a tentativa de agradar a todos sem haver compromissos com ideias ou projetos, tudo na ânsia de alargar ao eleitorado indeciso e indiferenciado? Muitas vezes estes eventos apenas servem para tirar fotografias de marketing eleitoral nas redes sociais.
Hoje não tenho a menor dúvida de que as campanhas têm de ser feitas de formas diferentes. O mais chocante disto tudo é que ninguém consegue provar que as arruadas, comícios, visitas a feiras e distribuição de brindes de campanha têm impacto positivo no resultado eleitoral. Faz-se simplesmente porque não se conhecer outra forma e porque há o medo de perder eventualmente votos se não se fizer. Apesar de tudo o principal indicador, a abstenção, contínua a subir. A política pode ser divertida e séria ao mesmo tempo, pode ser uma forma agradável de resolvermos problemas, identificar diferenças, gerar consensos através da argumentação racional e cuidarmos do nosso futuro, especialmente se aprofundarmos novas formas de fazer democracia e as respetivas campanhas.

Nas catástrofes saltam à vista as fragilidades

O recente mau tempo que assolou a nossa região deixou grande parte da população à beira do desespero. Os prejuízos, seguramente, somam-se em milhões, tanto pelo que se danificou como pelo que não se pôde fazer quando faltou água e eletricidade. Com a queda de árvores também algumas vias ficaram intransitáveis. Estas catástrofes revelam muitas das nossas fragilidades: as mais imediatas, dependentes da qualidade das infraestruturas; e, as mais profundas, decorrentes dos nossos modelos de expansão, desenvolvimento e ocupação do território.


Prever catástrofes naturais é difícil, ou até mesmo impossível. No entanto, é para mitigar essas contingências e imprevisibilidades que se devem: fazer estudos; tomar certas decisões estratégicas e preventivas; e criar planos de resposta para a emergência. Será difícil que as infraestruturas suportem todas as catástrofes e intempéries, ainda que devam ser planeadas e executadas para resistir a casos de exceção – pelo menos assim mandam os vários regulamentos das várias especialidades.
Nestes dias passados demonstrou-se, violentamente, os efeitos do modo desordenado, e por vezes caótico, como nos expandimos, ocupamos e infraestruturamos o território. Os nossos modelos urbanos difusos, com zonas urbanizadas de baixa densidade e descontinuamente espalhadas por grandes zonas do território, são apontados como sendo altamente insustentáveis. Isto porque desperdiçamos solos, aumentamos desnecessariamente as distâncias de transporte e fazemos crescer, de igual modo, a necessidade de mais infraestruturas básicas e serviços. Mas os modelos difusos causam outro problema que só se evidencia em casos de emergência. Devido às descontinuidades, grande parte das nossas infraestruturas não constituem malhas ou anéis entre si, ou seja, não existe redundância ou ligações alternativas quando a ligação principal falha. Normalmente é por essa razão que nas cidades, onde existem sistemas “malhados” de infraestruturas, mais facilmente se resolvem avarias e se conseguem garantir abastecimentos alternativos.
Estando grande parte das redes já montadas, e não se prevendo, a curto prazo, expansões urbanas que ocupem os vazios ou façam ligações alternativas, os problemas das descontinuidades persistirá. Seja qual for a solução, os custos serão sempre elevados. Resta-nos então a intervenção de emergência pública, a do Estado - pelo menos enquanto não for desmantelado.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Propostas para tornar o Leiria sobre Rodas mais sustentável

Na passada sessão da Assembleia Municipal de Leiria, de dia 27 de setembro de 2019, recuperando as propostas de há um ano, voltei a sugerir que o Leiria Sobre Rodas assumisse uma vertente ambientalmente mais sustentável, tal como voltasse a ser celebrada a semana europeia da mobilidade e o dia europeu sem carros. 

Foram então estas as propostas para planear e construir o evento progressivamente para impactos zero, reduzindo e compensando:
• Plantar árvores para compensar as emissões adicionais de CO2;
• Promover a deslocação para o evento através de transporte coletivo planeado pela organização, conjugado com uma política de favorecimento dos parques de estacionamento periféricos;
• Fechar nas semanas anteriores ao evento algumas ruas ao trânsito e disponibilizar transporte público de complemento para compensar as emissões adicionais do evento;
• Disponibilizar estacionamento preferencial mais perto da entrada somente para automóveis que venham com mais de dois passageiros;
• Desconto para quem se desloque de bicicleta ao evento;
• Incorporação no evento de campanhas de sensibilização para a mobilidade sustentável, especialmente de formato lúdico;
• Implementar política de reutilização de copos e outros utensílios geradores de resíduos, compostagem para os resíduos biológicos e separação dos restantes resíduos que não se possam evitar;
• Incorporar no recinto do evento barreiras acústicas para reduzir os impactos sonoros na envolvente;
• Reforço em parcerias que tragam ao certame novos veículos mais sustentáveis, como o transporte coletivo, bicicletas de uso diário, veículos elétricos e outros sistemas alternativos.
• Um processo participativo e colaborativo para que os leirienses possam participar no processo de melhoria da sustentabilidade do evento.

Em resposta do atual Presidente de Câmara ficou o compromisso de voltar a celebrar o dia europeu sem carros, a semana da mobilidade e a ir gradualmente tornando o evento "Leiria sobre rodas" mais sustentável. 

sábado, 14 de setembro de 2019

Leiria sobre Rodas e a Sustentabilidade Ambiental: Intervenção na Assembleia Municipal de Leiria

Leiria esteve sobre rodas no passado fim de semana. Foram milhares de pessoas que se deslocaram a Leiria, quase sempre nos seus veículos automóveis. Nada de estranho, uma vez que o evento promovia a cultura do automóvel e que a esmagadora maioria de todas as viagens em Leiria são realizadas nesses veículos.

Eventos como o Leiria sobre rodas são obvias opções políticas do atual executivo, que, pela votação obtida nas ultimas eleições, tem legitimidade para implementar políticas próprias. No entanto, há sempre possibilidade de melhorar, e parece-me que devemos sempre dar contributos de melhoria quando pudermos. A aposta na promoção do desporto e cultura automóvel pode ser conjugada com as políticas de proteção ambiental e sustentabilidade urbana. É nesse sentido que faço as seguintes sugestões, para que o evento possa ser mais sustentável, uma vez que tudo indica a sua continuidade no futuro, pela importância que já tem localmente e regionalmente.

Um evento que mobiliza tantos veículos para exposição e para circulação competitiva e de passeio, que exige uma enorme logística, que intervém no espaço público, que gera grandes necessidades de transporte dos espetadores para um ponto concentrado, tem consideráveis impactes ambientais. 

Sabemos que os transportes são os principais consumidores de energia e os maiores responsáveis por emissões de gases de efeitos de estufa, mas também de poluentes que afetam a saúde humana, especialmente nas zonas urbanas congestionadas. Sabemos que a utilização massificada de automóveis, em que a esmagadora percentagem dos veículos circula com apenas um passageiro, é insustentável. Mas para já não podemos dispensar os automóveis. Temos de ser realistas. Por isso temos de os integrar nos sistemas urbanos, pois sem eles perderíamos qualidade de vida e mobilidade. Assim será até haver outras alternativas e momentos de transição para uma mobilidade mais sustentável.

Então a minha sugestão será aproveitar este evento de massas para trabalhar a sustentabilidade urbana, mobilizando toda a comunidade e aqueles que são os mais apaixonados pelos veículos automóveis. Isso seria conjugável com as preocupações da autarquia para com a necessidade de medidas de adaptação às alterações climáticas, como hoje iremos ver. Sugiro que o evento seja organizado e planeado gradualmente para ter zero impactes. Isto implica fazer uma avaliação da pegada ecológica do evento, contabilizar todos os impactes ambientais, evitar ao máximo os efeitos negativos e compensar os que não possam ser precavidos. Um exemplo direto de uma medida de compensação poderia consistir em plantar árvores em número e capacidade de anular os efeitos das emissões adicionais produzidas. Fechar algumas ruas ao trânsito e reforçar a oferta de transporte público, pelo menos na medida do que seriam os impactes adicionais do evento, internalizando esses custos no próprio evento. Poderia haver uma forte sensibilização através de técnicas lúdicas e de experimentação de novas formas de mobilidade, ou simplesmente das possibilidades de alterar hábitos para opções mais insustentáveis, conjugáveis com o uso do automóvel.  Ao fazer isto poderia manter-se e reforçar o evento, fazer uma enorme campanha de educação ambiental, enquadrada com as demais políticas municipais. Através da experimentação e transferência dos impactes ambientais para os utilizadores facilmente se iria criar consciência ambiental. Também os resíduos urbanos gerados pelo evento poderiam ter um plano próprio que evitasse a sua produção. O ruido poderia ser também minimizado, através de isolamento próprio. As possibilidades são imensas, não havendo aqui tempo para as enumerar a todas. Mas fica a ideia.

Ficam estão as sugestões. Sem esquecer que o dia europeu sem carros, que tem uma adesão europeia entre as cidades que mais se preocupam com a qualidade de vida e sustentabilidade locais, merece ser celebrado. Parece-me que a coincidência com o Leiria sobre Rodas somente se justificará quando estas práticas ambientais forem inatas ao evento.
Nota: Intervenção na Assembleia Municipal de Leiria realizada em Setembro de 2019

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Para quando uma ludoteca pública de jogos na nossa biblioteca municipal?

Os livros continuam a ser caros face ao poder de compra dos portugueses. Uma das opções para conseguir poupar e manter hábitos de leitura consiste em recorrer às bibliotecas públicas. As bibliotecas podem não ter exatamente tudo o que procuramos, mas se tiverem o mínimo de qualidade e investimento, podem ter bastante, algo muito próximo do que desejamos. No entanto, esses espaços públicos não são meros depósitos de livros. Neles devem haver espaços de apoio ao leitor, recursos humanos que incentivem e apoiem os leitores, mas também outras valências. As bibliotecas têm-se transformado em espaços de cultura acessível. Muitas têm espaços para as crianças brincarem, espaços de lazer, cafetarias, salas de exposições, possibilidade de ver filmes, ouvir musica, entre outras coisas. A biblioteca Afonso Lopes Vieira, a nossa biblioteca pública em Leiria, não é exceção.

Mais para o centro e norte da europa existe algo que tem tornado as bibliotecas ainda mais animadas e frequentadas. Algumas têm ludotecas em que se pode utilizar e requisitar gratuitamente jogos de tabuleiro, podendo aceder aos títulos mais recentes, àqueles que chamamos “jogos de tabuleiro modernos”, fruto de uma industria criativa, sustentável e inovadora. Estes jogos não são baratos, custando várias vezes o preço de um livro. Não aconselho ninguém a comprar sem experimentar primeiro e perceber um pouco da variedade que existe. Nessas bibliotecas as pessoas podem experimentar e partilhar os jogos, reutilizando, o que evita consumos desnecessários. Nelas podem experimentar e testar, com colaboradores informados para auxiliar, tal como fazem com os livros.

Um serviço desta natureza numa biblioteca em Leiria seria valiosíssimo. Estes jogos são formas de cultura, pois geram dinâmicas importantes entre os jogadores, disseminando conhecimento, incentivando a comunicação e sociabilização. São enquadrados em temas e contextos, servindo para comunicar através do ato fascinante de jogar, o que se torna divertido e diferenciador, sem muitas alternativas que possam competir com isso. Estes jogos são um incentivo aos novos criadores das mecânicas conceptuais, investigadores que têm de estudar os temas associados aos jogos de modo a criarem uma abstração coerente, mas também para designers gráficos e de modelação. Um exemplo é o jogo “Lisboa” de Vital Lacerda. Nesse jogo os jogadores competem para contribuir para a reconstrução da capital portuguesa depois do terramoto de 1755. Para isso têm de perceber como funciona o comércio na época, o papel da igreja. Saber quais os poderes dos líderes do estado absoluto. Decidir onde construir os edifícios públicos no novo desenho urbano da cidade, que tipo de lojas incentivar a abrir e que bens produzir. Este é apenas um exemplo. Há muitos outros. 

Ter em Leiria uma biblioteca com estas valências teria um potencial único, especialmente porque estes jogos também poderiam ser utilizados pelas escolas como ferramentas de apoio educativo. Esta ideia não é difícil de implementar, basta querer.

Texto publicado no Diário de Leiria

Jogos de tabuleiro modernos para salvar o Verão

Está um verão atípico. Aquelas atividades que habitualmente fazíamos têm estado condicionadas pelo frio, céu encoberto e até uma ou outra chuva pontual. O clima parece estar instável e a meteorologia uma verdadeira lotaria onde não sai prémio algum. Então o que fazer com este tempo? Teremos provavelmente de ficar mais por casa, ou noutras atividades de exterior mais ativas do que a passividade do simples estender ao sol. 

Então quais às alternativas. Recomendo que, na medida do possível, aproveitarem a companhia dos vossos familiares e amigos para jogarem uns jogos de tabuleiro. Podem fazer muitas outras coisas, desporto e passeios, mas não fiquem só por isso. Recomendo também esses jogos por serem atividades sustentavelmente divertidas que podem fazer independentemente do bom tempo. Só precisam de boa companhia e dos jogos certos é claro. Quer seja em casa, num telheiro, esplanada ou debaixo de um chapéu, muitos jogos adequam-se a interiores e exteriores. Alguns nem sequer precisam de mesas. 

Quando falo de jogos de tabuleiro não me refiro aos clássicos, não porque não possam servir para o efeito, mas porque existem outros muito melhores que até vão fazer mudar a opinião de quem diz que não gosta deste tipo de jogos. Existem novos jogos, produtos criativos de autor, especialmente pensados para adultos, mas que também podem ser jogados por crianças. Vou passar a recomendar alguns deles que podem encontrar com facilidade e ainda ajudar a salvar o vosso verão.

“Passa o Desenho” reimplementa, através de sequências de palavras e desenhos, o antigo jogo do telefone avariado. Em o “Código Secreto” jogam em equipas que tentam adivinhar palavras, quase sempre recorrendo a pistas confusas e que se podem tornar hilariantes. “Ikonikus” serve para expressarem emoções e sentimentos, que no ambiente certo podem fazer-vos chorar de rir. “Soldado Milhões” é um jogo rápido de gestão de recursos, que são cartas, para tentar reclamar mais pontos que os outros. “Rhino Hero”, parece um jogo de crianças porque o é, que os adultos vão adorar enquanto constroem uma torre com cartas, fazem subir o rinocerote e esperam que sejam os outros a derrubar a construção. Existem muitos mais, alguns que se jogam apenas com papel e caneta, uns que simulam “Escape Rooms”, outros que se jogam de forma totalmente colaborativa, e por aí fora. Depois existem os meus preferidos, mas que demoram algumas horas e ocupam imenso espaço de mesa, que se aproximam de simulações económica em que desenvolvemos indústrias, cidades, sistemas de produção agrícola e por aí fora. Esses dariam origem a outro texto.

Isto são apenas alguns exemplos de jogos que podem utilizar nas vossas férias e que não são difíceis de arranjar nem jogar sem os conhecerem previamente. Ao jogarem este tipo de coisas com os vossos familiares e amigos, em atividades presenciais que se olham olhos nos olhos, vão ver como se vão sentir ainda mais próximos. Já temos todo o ano para andarmos em correrias e a comunicar com meio mundo de olhos no ecrã.

Texto publicado no Diário de Leiria.

10 anos do blogue “A Busca pela Sabedoria”

Há 10 anos trabalhava em engenharia, mais concretamente em gestão e planeamento de obras públicas. Uns anos antes tinha concluído o bacharelato, algo que na altura correspondia às atuais licenciaturas de Bolonha, e comecei então a trabalhar na minha área de formação, tendo naturalmente prosseguido estudos. Nessa altura havia essa possibilidade, tanto pelo tecido empresarial da região, tal como pela oferta formativa do Instituto Politécnico de Leiria onde era possível fazer os restantes dois anos da licenciatura, agora equivalente a mestrado, em regime noturno. Era cansativo, mas algo que não se podia desperdiçar, pois era a fusão da teoria com a prática. Assim pensava eu.

Por essa altura, há 10 anos, já tinha concluído a antiga licenciatura, uma formação avançada em higiene e segurança no trabalho e estava prestes a entrar no mestrado em energia e ambiente. Mas nada disso parecia suficiente para me apaziguar o intelecto. Apesar de todo este trabalho e estudo faltava-me algo. Foi então que comecei a escrever sobre outros assuntos. Criei um blogue, aquele com que assino cada um dos textos aqui nesta coluna quinzenal do Diário de Leiria. Nascia então “A Busca pela Sabedoria”. Nesse espaço pude escapar para outros assuntos fora da minha vida profissional, ajudando-me a respirar entre o pó das obras e a não me afundar na lama dos estaleiros.

Ao longo destes 10 anos fui escrevendo muitos textos, mais de 400 constam nesse blogue, que recebeu mais de 650.000 visitas, pelo menos da última vez que vi. Não é nada de excecional comparado com outros blogues. Mas essa não é a razão que me faz escrever isto. O que quero partilhar é o exemplo e de como me foi útil esta aventura. Ao escrever sobre outros assuntos que me despertavam interesse criei nesse blogue um espaço que me libertou. Havia então um motivo para escrever e uma razão para ordenar aquilo que lia e aprendia das áreas que me fascinavam, tal como a história, filosofia, sociologia, política e muitas outras, até cinema e artes plásticas. Foi uma forma de sistematizar informação e descobrir que gosto de aprender e conhecer coisas novas. É que nem sempre sabemos do que realmente gostamos.

Se acham que as vossas atividades profissionais são limitativas existem este tipo de espaços onde podem tocar noutros mundos. Hoje temos liberdade e imensas ferramentas ao nosso dispor. A Internet trouxe a possibilidade de qualquer um ter meios de partilha de informação, e de apreender enquanto os utilizada. No meu blogue cometi imensos erros. Fui sendo corrigido, fui aprendendo e evoluindo. Ao fazer aprendi e descobri que o medo de errar é uma das maiores restrições a que nos sujeitamos, que nos condiciona realmente e impede de viver mais experiências.

O blogue “A Busca pela Sabedoria” fez no passado dia 31 de agosto 10 anos. Anda mais calmo e ponderado, mas continua vivo, tal como a vontade de continuar a aprender. E vocês, já pensaram em fazer algo deste género? Façam, depois analisem. O pior que vos pode acontecer é errar e fazer com que façam ainda melhor das próximas vezes.
Texto publicado no Diário de Leiria.

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Mais um exemplo de projeto culturalmente sustentável em Leiria

A cultura tem de ser sustentável. Por isso se tenta reduzir o rácio de dinheiro investido por participante. Por outro lado, eventos de massas trazem outros benefícios, sendo facilmente associados a fatores multiplicativos. Com muitas pessoas num evento cultural é mais provável que aumentem os consumos diretos e indiretos na economia local. Também se percebe o porquê das réplicas dos eventos culturais para grandes públicos, muitas vezes indiferenciados e descontextualizados. Sabe-se que, segundo aquele modelo, há garantidamente muito público instantaneamente e um modo de poder dizer que foi um sucesso cultural. Mas será sustentável culturalmente?

Quando se fazem múltiplos eventos de massas a partir do nada, e sem um plano de continuidade ou projetos de suporte que aprofundem a dimensão cultural, a sustentabilidade pode ser difícil de garantir. Tão facilmente se mobilizam multidões como de seguida fica o deserto. Se todos fizermos o mesmo, de forma indiferenciada, e se não dermos o devido tempo de maturação para que se criem públicos ávidos de mais e melhor, o esforço pode produzir apenas a sucessos efémeros. A novidade, apesar de ser mais do mesmo, pode acontecer ali ao lado, como subitamente dali pode passar a ocorrer noutro local, feito exatamente pelas mesmas pessoas e nos mesmos moldes.

Existe um projeto que ajudei a fundar e que tem lutado por se implementar de forma sustentável em Leiria. Os Boardgamers de Leiria são hoje um projeto da Associação Asteriscos. Já passaram por várias fases de maturação e estiveram a funcionar noutros locais, instalações, associações e parcerias. O projeto pode ser replicado noutros territórios, tanto que existem grupos semelhantes de apaixonados por jogos de tabuleiro modernos que produzem atividades educativas e culturais noutras geografias, pois estes jogos são formas de inovação e de cultura passíveis de serem utilizados por todos. No entanto dificilmente se poderiam recriar exatamente os Boardgamers de Leiria, pois têm identidade própria, são fruto de anos de persistência e da criação de um público próprio, que cresce de forma sustentável ao seu próprio ritmo. Não nos pareceu sustentável começar por fazer um grande encontro de massas para um publico indiferenciado que dificilmente poderia assimilar toda esta nova vaga cultural de jogos. Em alternativa fazemos encontros todas as semanas. Já vamos quase em 200. Fazemos também encontros mensais para públicos familiares. Visitamos escolas e outras instituições, apostando na formação e divulgação baseada na experimentação na primeira pessoa.

Este caso dos Boardgamers de Leiria serve aqui apenas de exemplo, de um projeto cultural que tenta criar o seu próprio público, consolidando as atividades, para ser sustentável, sem se desvirtuar. Tenta-se aprofundar cada vez mais a variedade de conteúdos, das metodologias, das relações humanas e das aplicações com jogos. Todas as sextas-feiras, a partir das 21h30, podem aparecer gratuitamente para experimentar estes jogos na escola primária dos capuchos. Vão ficar surpreendidos.

Texto publicado no Diário de Leiria

Começou a corrida aos votos pelo ambiente

A maior parte dos partidos políticos em Portugal já apresentaram os seus programas eleitorais, embora duvido que o número de leitores seja relevante. No entanto, as máquinas de propaganda vão tentar passar as ideias principais. Com tanta poluição informativa terá de se inovar para passar mensagens, especialmente as políticas. Para já estaremos em plena silly season, ainda mais parva que o costume porque nem temos verão que nos distraia, pelo penos aqui pela zona litoral centro.
Vamos viver o efeito PAN para as próximas eleições legislativas. O PAN, provavelmente, irá crescer. Primeiro porque surge associado a uma tendência internacional, uma vez que até agora não tivemos em Portugal nenhum partido que tenha conseguido assumir a causa ambiental de forma mediática, sem se contaminar com outras ideologias. Depois porque é uma mensagem nova, com novas pessoas e novas formas de estar. Vivemos na era de culto da novidade, em que até as coisas antigas são redescobertas nessa ânsia. Na política tudo nos parece velho, menos o PAN. Há outras novidades, mas essas parecem mera cosmética ou demasiado perigosas.

Vivemos também numa era de micro-poderes, que se mobilizam rapidamente por causas especificas. Pequenos grupos agora, através das tecnologias, mas também do efeito do poder da comunicação e das sociedades organizadas em redes, conseguem reunir, durante períodos curtos, poder considerável. As causas ambientais estão a conseguir mobilizar esses pequenos poderes e as massas generalizadas. A diferença é que a causa ambiental não será uma moda passageira, pois a nossa insustentabilidade não nos vai deixar desligar dos múltiplos problemas ambientais que vamos enfrentar. 

Assim todos os partidos, independentemente da ideologia, vão tentar aproveitar a onda e transformar as preocupações publicas pelo ambiente em votos. Vamos ver partidos liberais a pedir intervenção do Estado para gerir este problema. Vamos ver partidos de esquerda a incentivar a iniciativa privada que garanta mais sustentabilidade. Vai ser uma misturada ideológica para captar todos os votos daqueles se preocupam com o ambiente e estão disponíveis para ir votar.

No entanto, se muitas dessas medidas forem implementadas vamos ter imensos condicionamentos ao nosso modo de vida. Não existe outra forma, pois temos hábitos de consumo insustentáveis, o nosso civismo nem sempre cumpre a sua parte e uma intervenção do Estado irá obrigar a mais impostos. Será que as pessoas que se emocionam pelo degelo estão disponíveis para consumir menos, viajar menos, reutilizar mais e passar a dispensar algumas automatizações tão práticas da vida contemporânea? E estarão as pessoas prontas para pagar mais impostos e taxas ambientais resultantes das propostas que os vários partidos agora nos apresentam? E os partidos estão preparados para esse descontentamento posterior? Ou será que estamos no processo de nos tornar ambientalistas?

Texto publicado no Diário de Leiria

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Uma escola próxima de casa para o bem de todos e do ambiente

Parece estar a haver uma mudança no que toca à possibilidade de poder escolher as escolas públicas. O critério prioritário, com base na proximidade à escoa, está longe de ser o primeiro. No entanto, se os equipamentos escolares fossem planeados para os territórios não havia qualquer razão para se justificar a possibilidade de escolher, tirando casos muito pontuais. 

Deveriam existir escolas em funcionamento, com boas condições pedagógicas em todos os territórios. Aos morarmos num determinado sítio seria suposto esse local estar abrangido por uma dessas escolas, a uma proximidade adequada. Aí também se poderiam definir prioridades para as crianças que delas necessitem, mas partindo de uma base em que todas as crianças de todos os territórios estariam bem servidas. 

Felizmente o sistema apertou é pelo que percebi tem sido mais dificil encontrar forma de apresentar falsas moradas. A tendência será para as crianças estudarem nas escolas da sua área de residência, mas isto ainda não é uma realidade. Enquanto isso não acontece somam-se dificuldades para atingir um sistema insustentável. Ao não conseguirmos planear de forma equilibrada e justa, também não conseguimos evitar desperdícios que produzem impactes sociais e ambientais negativos.

Ao permitirmos que certos territórios tenham mais escolas que outros, e que a qualidade delas seja desigual, incentiva-se que os pais tentem escolher as escolas que acham melhor para os seus filhos, seja lá onde for e com base nos critérios mais díspares. Vamos ter crianças a fazer quilómetros diários de automóvel para frequentarem escolas longe das suas casas, quanto poderiam aceder a outras muito mais perto. As implicações ambientais disto são enormes, tal como de desenvolvimento para as próprias crianças que não se habituam a vivenciar e experimentar os territórios, com toda a sua riqueza e vida. Limitam-se a ir rapidamente do ponto A para o ponto B, com os pais sempre apressados em percursos desnecessários e poluentes.

Sem uma rede estruturada de escolas adequadas aos territórios é dificil planear os transportes escolares, que deveriam ser outra prioridade, para se evitar o uso insustentável do automóvel privado e para promover o uso de recursos partilhados através do transporte coletivo. Também não se geram as desejáveis relações entre a comunidade escolar e as comunidades locais, pois nada garante que os alunos morem perto dos equipamentos escolares que frequentam. Perde-se um potencial imenso de desenvolvimento dos territórios e até de conhecimento associado à natureza e património cultural local, que depois tem reflexos na construção das identidades culturais coletivas. 

Esta na altura de percebermos que tudo o que desenvolvemos acontece sempre num território e que as crianças são o mais valioso dos nossos desenvolvimentos e apostas para o futuro. Há que começar a ser sustentável pelas bases, pelo território. 

Texto publicado no Diário de Leiria

Jogos de tabuleiro modernos nas atividades de enriquecimento curricular em Leiria

As atividades de enriquecimento curricular (AECs) existem há bastante tempo e foram várias as escolas que tentaram inovar nesta matéria, quer seja pela introdução de atividades que reforçam os conteúdos ministrados, quer por outras que criam atividades disruptivas, mas igualmente importantes para as crianças. 

Em Leiria existe uma AEC que contribui para o processo educativo de uma forma divertida através de jogos de tabuleiro. No Agrupamento de Escolas D. Dinis, neste ano passado de 2018/2019, houve uma clara intenção de inovar, surgindo nas escolas do ensino básico várias AECs inovadoras. Uma delas foi a AEC que desenvolvemos através dos Boardgamers de Leiria da Associação Asteriscos. Foi algo novo, cheio de desafios e que ainda estamos a avaliar, mas provámos que é possível fazer. Ao logo deste ano, cerca de 700 crianças jogaram jogos de tabuleiro modernos, que é como quem diz: jogos analógicos de inspiração nos jogos desenvolvidos na Alemanha a partir dos anos 80 do século XX, em plena era de expansão dos jogos digitais. Estes jogos são diferentes dos jogos de massas, aqueles que todas as pessoas conhecem e que estão à venda em todas as grandes superfícies. Estamos a falar de jogos de autor, que tendem a evitar o fator sorte, a gerar atividades de grupo com tempo controlado, em que nenhum jogador é eliminado durante as partidas e nem existem ataques, mas em que ganha quem tiver sido mais eficiente. Estes jogos podem ser até cooperativos, com todos os jogadores colaboram para superar os desafios do jogo. Acima de tudo, apesar de todas estas caraterísticas, estes jogos são divertidos e interessantes para todas as idades, pois não foram pensados para serem jogos educativos. Ou seja, divertem primeiro que tudo. E, se devidamente utilizados, podem educar e ensinar inúmeras competências e conhecimentos.

Mas não foi só nas AECs que estes jogos fizeram sucesso nas escolas de Leiria. Também no Jardim-Escola João de Deus decorreram atividades com jogos de tabuleiro modernos, tendo sido possível fazer um trabalho muito específico enquanto as crianças brincavam. Também em atividades direcionadas para famílias, inseridas num projeto de melhoria do desempenho escolar, que realizamos em parceira com a GO’WE para a Comunidade Intermunicipal do Oeste, testemunhámos o poder destes jogos na geração de momentos de partilha e diversão intergeracional. 

No entanto este trabalho não foi fácil. Nos Boardgamers de Leiria, como em toda a associação Asteriscos, somos maioritariamente voluntários que constroem estes projetos por paixão, e porque sabemos e conhecemos o seu potencial destes jogos. Para nós tem sido também uma aprendizagem. Ver uma ideia, quer surgiu através do apoio importantíssimo da Associação de Pais da Escola dos Capuchos, parece agora quase inacreditável. Este esforço coletivo permitiu criar uma realidade que meteu Leiria no mapa nacional da inovação em atividades de enriquecimento curricular. Por isso aproveito para agradecer a todas as pessoas e instituições que nos apoiaram. A todos um muito obrigado.
Texto publicado no Diário de Leiria

Que A Porta nunca se feche no centro de Leiria

O festival A Porta aconteceu no centro da cidade, pois é aí que faz sentido. As cidades são muito mais que os seus edifícios, ruas, praças e demais invenções humanas. As cidades são as suas pessoas e no centro histórico de Leiria, mas também de alguma forma nas zonas urbanas imediatamente contíguas, os habitantes têm desaparecido, salvo casos pontuais. Constatei isso num estudo que fiz sobre o património urbano e o desenvolvimento sustentável da cidade de Leiria, a propósito do mestrado em estudos do património. A maioria das zonas centrais da cidade que estão a perder habitantes a um ritmo preocupante, enquanto que certos locais restritos, com a devida conjugação de investimentos públicos e privados, para garantir qualidade de vida, estão a conseguir reter e atrair novos habitantes. 

São vários os fatores que atraem pessoas e atividades ao centro das cidades, mas, por vezes, os mesmos que atraem umas pessoas afastam outras. Os espaços urbanos podem contribuir para formas de exclusão ou segregação social, positiva e negativa. Isto por si só pode ser preocupante, pois pode estar relacionado com processos de gentrificação e perda de diversidade social nas cidades. De certeza que não queremos nem cidades de elites nem cidades de excluídos. Queremos cidades para todos com espaços abertos e multifuncionais.

No festival A Porta demonstrou-se que o edificado e demais existências urbanas podem ser atrativos e úteis, incluindo os degradados, para públicos muito diversificados. As pessoas, mesmo tendo em conta restrições de utilização de veículos automóveis, estiveram em massa no centro histórico de Leiria, porque lá havia atividades de interesse. Obviamente que não podemos ter festas todos os dias. Podemos, em alternativa, ter elementos de interesse e apoio aos habitantes e geradores de qualidade de vida, tais como equipamentos de apoio, habitação de rendas a custos controlados, start ups, incubadoras, e outros projetos que atraiam emprego e vontade de habitar perto do que se oferece no centro, daquele ambiente urbano diferenciado. Acesso a meios de transporte alternativos será também importante. Isto não se faz somente por iniciativa privada, porque já se sabe que a falta de gestão urbana leva a gentrificação e criação de blocos que, na melhor das hipóteses apenas atraem ricos. Todos os restantes ficam excluídos. 

Precisamos de um esforço coletivo que conjugue o investimento público e o privado, mas com uma forte gestão pública e civicamente participada, capaz de planear esta complexidade urbana. Importa também aproveitar as forças associativas que simplesmente querem fazer coisas pelo prazer de as fazer acontecer. Deste esforço coletivo poderemos manter a esperança de que a porta nunca se feche. Se fizermos o paralelismo com o festival que agora terminou, se não fosse já um esforço coletivo de tantas pessoas a iniciativa não se conseguiria manter e tornar sustentável. Parabéns pelo exemplo que nos deram. 

Texto publicado no Diário de Leiria

O que vem depois do novo jardim de Leiria?

Há uns anos parecia que o Jardim da Almoinha Grande nunca seria uma realidade. Não pela dificuldade de o fazer nem por ser de uma originalidade causadora de choque. Há vários jardins deste tipo, não muito distantes, semelhantes e até maiores. Mas em Leiria, desde o final dos anos 60, tem dominado uma política de massificação da construção, o que gerou muitos edifícios e espaço público de qualidade duvidosa. Somente nos finais dos anos 90, com os primeiros projetos de renovação, depois com o POLIS e demais intervenções públicas, a cidade foi tendo as suas intervenções de melhoria do ambiente urbano. 

Apesar de tudo isso sempre ficou a sensação de que era pouco. Ainda hoje, mesmo com este novo jardim, queremos todos mais. Sabemos que as necessidades humanas não têm limites, e que crescem muito acima dos recursos disponíveis, mas é desejável sonhar. São esses sonhos que nos levam a planear, num mundo de onde temos constantemente de decidir.

Nesta fase o jardim ainda está imberbe, as árvores pequenas, os prados e as espécies ripícolas da ribeira e lago ainda longe da consolidação. Nota-se que muitos dos utilizadores do jardim ainda o visitam por curiosidade, e não por um hábito estabelecido de desfrutar de um espaço verde onde se podem fazer múltiplas atividades. Lá virá o tempo em que tudo isso se irá consolidar. As espécies assumirão o seu papel, com a devida manutenção. As árvores vão crescer e desempenhar as suas múltiplas funções, incluindo a sombra. E as pessoas perder a curiosidade para passar a utilizadores habituais das valências de um jardim deste tipo. Não duvido, pois é assim em todas as cidades, desde que os espaços sejam cuidados e assumidos pelos habitantes.

O curto espaço de tempo de utilização do jardim demonstrou o fascínio dos utilizadores pela água, nas suas várias modelações. Tal evidência pode surpreender numa cidade que tem vivido de costas voltadas para o rio, tanto pelo seu enquadramento urbano como pela qualidade das suas águas. Fica claro que gostávamos de ter um rio mais limpo e aprazível. Imaginem o que seria se pudesse ter uma praia fluvial urbana? Imaginem essa valência balnear integrada com outras atividades fluviais de desporto e lazer. Tudo isso num contexto urbano com comércio, serviços e espaços culturais iria gerar atratividade sustentável, mas, mais que isso, iria gerar qualidade de vida, pois as cidades servem para vivermos nelas. 

E nas cidades vive quem nelas mora diretamente, mas também vivem os habitantes dos territórios adjacentes, das periferias que geram a centralidade urbana. As cidades não são isoladas da sua envolvente, especialmente em cidades médias, no contexto português, como Leiria. Essa conectividade garante-se com um sistema de transportes, que neste jardim passou, para já, por se cingir aos veículos particulares. Exige-se agora reforço do transporte público e a rede e ciclovias, aproveitando as zonas planas, e que conecte os roços desgarrados existentes e suas perigosas ligações com o tráfego intenso das rodovias.  

Texto publicado no Diário de Leiria

Processos criativos com jogos de tabuleiro: usar a fotografia para ver para além dos objetos

Tenho a perceção de que a fotografia cresceu fortemente como passatempo nos últimos anos, mas também me fica a sensação de que a capacidade de captação e processamento de fotografia pelos smartphones têm mudado um pouco o panorama. 

Seja como for, em que formato e suporte se usar, continuamos muito interessados em fotografia, e em passar mensagens através da arte de captação de luz - de pintar com a luz como dizem os mais poéticos. Veja-se a crescente popularidade do Instagram, especialmente entre os mais jovens, que preferem a força das imagens aos longos textos que inundam hoje as redes sociais como o Facebook, quase sempre escritos por gerações mais velhas. 

Eu também tive o meu momento de despertar e fascínio para a fotografia. Continuo a ter a minha DSLR, com várias objetivas, e até uma câmara mais pequena, de aspeto mais vintage, sem espelho, para aventuras mais comodas e volantes. No entanto, apesar disso, fotografo muito com o telemóvel. Ficou-me, desde que fui fazer uma formação de introdução à fotografia digital, uma vontade de fazer projeto fotográfico. Na altura fiz umas coisas, mas depois acabei por não continuar a até há bem pouco tempo. 

Recentemente fiz um exercício que recomendo, não pelo conteúdo e resultado material, mas pelo próprio ato de o fazer. Durante um ano, fiz pelo menos uma fotografia diária para a minha rede Instagram, subordinada à efeméride do dia. Disso resultaram fotografias de dioramas com peças de jogos de tabuleiro modernos. Produzi assim centenas de fotografias. Foi um ano de testar os limites da imaginação, e de muitas aprendizagens, porque as fotografias ficavam imediatamente disponíveis online. Isso gerou um efeito de rede altamente interativo, em Portugal e no estrangeiro. Muitas fotografias tinham cariz político, associadas a causas. Muitas foram polémicas, devido às diferenças culturais. Para verem do que falo basta seguir o hashtag #boardgamephotocreative.

O que sugiro é que experimentam fazer algo deste género. Definir um projeto, associado a um tema. Hoje podem fazer isso com os vossos telemóveis. É um modo de trabalhar a criatividade com alguns parâmetros de ajuda. Ao contrário do que se possa imaginar, este criar contínuo não esgota a nossa imaginação. Muito pelo contrário. Estimula e abre horizontes para mais criações e projetos.

Hoje em dia podem ter respostas imediatas dos outros. Não precisam de expor formalmente este tipo de trabalhos. O custo é muito reduzido, mas o vosso ganho pessoal pode ser imenso. No entanto, é preciso ter abertura de espírito e saber lidar com a indiferença e a crítica. Mas também isso faz parte do processo de aprendizagem.

No meu caso foi a paixão pelos jogos de tabuleiro modernos, pela fotografia e pela intervenção cívica e política que me levaram a fazer isso. Podem simplesmente experimentar. Quanto mais falham mais se aproximam do que, no fundo, mais vos convém. Inevitavelmente vão encontrar a vossa paixão criativa. 

Texto publicado no Diário de Leiria

Sustentabilidade para o aeroporto de Monte Real

A construção de um novo aeroporto de tráfego civil tem um imenso potencial para alavancar o desenvolvimento de um território. Mas tal só será verdade se forem garantidas determinadas condições associadas.

Podemos encontrar várias justificações para a existência desta infraestrutura na nossa região. Ao nível das NUTS II, a região centro é uma das 4 regiões do sul da europa que não têm este tipo de infraestruturas, sendo a mais populosa e dinâmica de todas. A mais populosa das restantes 3 regiões detém apenas ¼ da nossa população. Isto deve servir de reflexão para que possamos comparar o que é comparável, e perceber o que estamos a perder de competitividade regional e territorial face à realidade europeia.

Para o aeroporto de Monte Real ter uma sustentabilidade confortável, tendo em conta a atual realidade das companhias aéreas, deverá fazer-se por garantir nele uma base de uma das principais companhias low cost. Não será fácil, mas se o processo for bem conduzido será possível, até porque uma dessas companhias, há uns anos, demonstrou esse interesse.

Não nos podemos esquecer que um aeroporto, seja de que tipo for, será sempre um projeto de escala regional. No nosso caso irá incluir sempre o distrito de Leiria, Coimbra, Santarém e talvez até franjas de Aveiro, Viseu e Castelo Branco. Para garantir que o aeroporto participa no sistema de transportes regionais será necessário garantir a conetividade às redes de transportes existentes. Tem de estar mais perto das capitais dos distritos e principais cidades de proximidade, especialmente de Coimbra.  É incontornável a necessidade de internacionalização da sua universidade, mas também de garantir acesso às restantes valências da cidade, onde se centram grande parte dos organismos e instituições da zona centro. Neste caso, aproximar será melhorar as infraestruturas existentes. Na prática isso consistiria em ligar, na zona norte do concelho de Leiria, a A17 à A1, ganhando minutos preciosos para que Coimbra pudesse considerar este aeroporto também como seu. Seriam apenas 10km. 

Na ferrovia importa também ligar a linha do Oeste à linha do Norte. Substituir o aeroporto por uma eventual linha de alta velocidade só seria competitivo até aos 1.000 km, o que implicava usar o avião além Espanha na mesma. Lembremos que Leiria continua sem ser devidamente servida por comboio, o que nos afasta mais de um uso e acesso sustentável aos aeroportos do Porto e de Lisboa. Cada modo de transporte tem a sua distância de referência ótima, e nós parecemos ficar a meia distância de todos eles. Por cá temos apenas a alternativa da autoestrada como sabemos. 

Havendo um aeroporto em Monte Real, abre-se também a porta para os grandes voos internacionais através das escalas em Lisboa e Porto, à semelhança do que acontece noutros países que conjugam as suas infraestruturas aeroportuárias. Seja como for, construir um aeroporto é muito mais que uma pista de aterragens e suas dependências: é uma oportunidade de melhorar todo o sistema de transportes.

Texto publicado no Diário de Leiria

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Que tipo de participação cívica pretendemos?

Incentivar à participação cívica em assuntos de interesse público é uma intenção recorrente de muitos agentes políticos e institucionais. Mas afinal o que é participar nestes contextos? Basta assistir e marcar presença? Ou será mais que isso?

A participação cívica só é sustentável se for agradável para quem se envolve e a concretiza, mesmo que seja meramente passiva. Se as pessoas sentirem que estão a perder o seu tempo dificilmente voltam a participar. Se o envolvimento pessoal for inconsequente, depois de um esforço para participar ativamente, surge frustração e até repúdio pelas próprias iniciativas. Os processos participativos, quando não são meras propagandas políticas ou de reforço de lóbis obscuros, são trabalhosos e exigentes para todos os intervenientes, podendo facilmente correr mal. Há que ter noção das consequências desses falhanços ou desvirtuamentos. A crítica destrutiva e do ódio é facilmente difundida pelos mecanismos de comunicação ao alcance dos cidadãos. É mais fácil destruir que construir.

Então, sempre que se organiza um evento, uma dinâmica ou um qualquer processo onde a participação cívica seja importante, há que ter noção dos efeitos de sustentabilidade da própria participação. A competição por ter instantaneamente mais participantes pode ser perniciosa a longo prazo. Podemos facilmente saturar as pessoas com processos mal planeados e inúteis, que depois condicionam outras atividades realmente relevantes e desenhadas para reforçar o hábito cívico participativo nas comunidades.

Mas para fazer este tipo de dinâmicas não bastam as boas intenções. Existem técnicas de organização e encadeamento de atividades dos ditos processos participativos, que podem a recorrer a ferramentas tão inesperadas, mas necessárias, como jogos. É possível levar a participação a níveis ainda mais profundos como os modelos deliberativos e até colaborativos. Estes modelos têm sido testados em casos piloto, estando um desses projetos a decorrer em Leiria neste momento: o Urbanwins. Nestes processos todos os participantes estão em pé de igualdade e participam na produção e discussão de ideias, tomam decisões conjuntas através de metodologias orientadas para resultados e propostas concretas sobre o tema em causa. No caso do Urbanwins consiste em abordar as problemáticas dos resíduos urbanos. O produto final nestas metodologias consiste num trabalho coletivo equitativo, muito debatido e tecnicamente apoiado.

Recentemente realizou-se em Leiria um fórum dedicado à utilização civil do base aérea de Monte Real. Os promotores desse fórum reforçaram a vertente participativa e agregadora deste fórum, no entanto decorreu em moldes tradicionais e formais. Havia oradores que comunicavam para uma plateia, que no máximo poderia colocar questões no final. Poderia ter sido replicado o conhecimento e experiência do Urbanwins. Seria trabalhoso, mas foi pena. Só o futuro dirá se existe abertura para implementar as metodologias participativas, deliberativas e colaborativas em Leiria, especialmente nos grandes assuntos de interesse público.

O que vem depois do novo jardim de Leiria?

Há uns anos parecia que o Jardim da Almoinha Grande nunca seria uma realidade. Não pela dificuldade de o fazer nem por ser de uma originalidade causadora de choque. Há vários jardins deste tipo, não muito distantes, semelhantes e até maiores. Mas em Leiria, desde o final dos anos 60, tem dominado uma política de massificação da construção, o que gerou muitos edifícios e espaço público de qualidade duvidosa. Somente nos finais dos anos 90, com os primeiros projetos de renovação, depois com o POLIS e demais intervenções públicas, a cidade foi tendo as suas intervenções de melhoria do ambiente urbano. 

Apesar de tudo isso sempre ficou a sensação de que era pouco. Ainda hoje, mesmo com este novo jardim, queremos todos mais. Sabemos que as necessidades humanas não têm limites, e que crescem muito acima dos recursos disponíveis, mas é desejável sonhar. São esses sonhos que nos levam a planear, num mundo de onde temos constantemente de decidir.

Nesta fase o jardim ainda está imberbe, as árvores pequenas, os prados e as espécies ripícolas da ribeira e lago ainda longe da consolidação. Nota-se que muitos dos utilizadores do jardim ainda o visitam por curiosidade, e não por um hábito estabelecido de desfrutar de um espaço verde onde se podem fazer múltiplas atividades. Lá virá o tempo em que tudo isso se irá consolidar. As espécies assumirão o seu papel, com a devida manutenção. As árvores vão crescer e desempenhar as suas múltiplas funções, incluindo a sombra. E as pessoas perder a curiosidade para passar a utilizadores habituais das valências de um jardim deste tipo. Não duvido, pois é assim em todas as cidades, desde que os espaços sejam cuidados e assumidos pelos habitantes.

O curto espaço de tempo de utilização do jardim demonstrou o fascínio dos utilizadores pela água, nas suas várias modelações. Tal evidência pode surpreender numa cidade que tem vivido de costas voltadas para o rio, tanto pelo seu enquadramento urbano como pela qualidade das suas águas. Fica claro que gostávamos de ter um rio mais limpo e aprazível. Imaginem o que seria se pudesse ter uma praia fluvial urbana? Imaginem essa valência balnear integrada com outras atividades fluviais de desporto e lazer. Tudo isso num contexto urbano com comércio, serviços e espaços culturais iria gerar atratividade sustentável, mas, mais que isso, iria gerar qualidade de vida, pois as cidades servem para vivermos nelas. 

E nas cidades vive quem nelas mora diretamente, mas também vivem os habitantes dos territórios adjacentes, das periferias que geram a centralidade urbana. As cidades não são isoladas da sua envolvente, especialmente em cidades médias, no contexto português, como Leiria. Essa conectividade garante-se com um sistema de transportes, que neste jardim passou, para já, por se cingir aos veículos particulares. Exige-se agora reforço do transporte público e a rede e ciclovias, aproveitando as zonas planas, e que conecte os roços desgarrados existentes e suas perigosas ligações com o tráfego intenso das rodovias.

Texto publicado no Diário de Leiria.

terça-feira, 14 de maio de 2019

O fascínio e o lado sério dos jogos de tabuleiro modernos

Em finais dos anos 80, quando a industria dos jogos digitais estava a arrancar, na Alemanha desenvolveu-se um novo tipo de design de jogo de tabuleiro, aquilo a que hoje chamamos eurogames. À conta disso, surgiam alguns jogos de sucesso internacional como o Settlers of Cantan. Isso marcou o início da era dos jogos de tabuleiro modernos, para salientar as diferenças de design que os caraterizavam dos mais antigos e comerciais. Estes jogos eram pensados, preferencialmente, para adultos, tanto nas mecânicas como nos temas. Evitavam o conflito direto e o fator sorte ao reforçarem a importância das decisões dos jogadores, gerando exercícios de estratégia relevantes. Tinham durações de jogo controladas e eram jogados em grupos de pessoas. Nos E.U.A. desenvolviam-se também outos jogos, mais agressivos, mas igualmente poderosos por cativarem públicos crescentes, e capazes de gerar imersão nessas atividades sociais. Destas duas grandes influencias, germânica e americana, surgiu uma explosão de novos jogos no início do novo milénio. Hoje são publicados mais de 5.000 jogos por ano em todo o mundo, e alguns deles conseguem reunir milhões de euros em plataformas de crowdfunding e em vendas diretas.

Surgem cada vez mais lojas, grupos, associações, convenções, reuniões e projetos que utilizam estes novos jogos analógicos para vários fins. Estamos perante uma pujante indústria criativa que gera produtos culturais de autor, que podem ser utilizados para lazer e diversão, mas também para outros fins ditos mais “sérios”. A região de Leiria é um caso nacional paradigmático desta nova tendência. Temos a maior convenção nacional de jogos de tabuleiro, já fortemente internacionalizada: a Leiriacon. Existem duas editoras aqui sediadas e os Boardgamers de Leiria, da associação Asteriscos, são um dos grupos mais dinâmicos de apaixonados por jogos de tabuleiro no país, ao ponto de terem transformado esse prazer em vários projetos educativos, sociais e culturais que arrastam centenas de pessoas.
Pessoalmente estou a fazer investigação em aplicações de jogos para processos de planeamento territorial na Universidade de Coimbra, e tenho dado várias aulas, workshops e conferências sobre aplicações de jogos em projetos e formação, direcionados, por exemplo, para o desenvolvimento de competências tais como a negociação, criatividade e colaboração. 

Tudo isto pode parecer muito estranho, mas se experimentarem vão perceber do que falo. 


Texto publicado no Jornal de Leiria

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Modos suaves de transporte para melhorar a nossa vida

O tema da mobilidade e a acessibilidade diz respeito a todos. Porque todos, de forma mais ou menos intensa, têm necessidade de se deslocarem ou de que se desloquem por eles. O assunto faz parte do nosso quotidiano. No entanto não é um assunto simples, de análise imediata e cujos problemas se resolvem facilmente sem um grande investimento em estudo e planeamento. Planear o sistema de transportes de uma cidade é complexo, exige muito conhecimento técnico, ferramentas próprias e metodologias adequadas para cada caso, quase sempre associadas a dispendiosas modelações matemáticas. São essas as bases para desenhar cenários e saber quais os resultados de determinada proposta.

Dos sistemas de transportes fazem parte os modos suaves. Podemos dizer que são àqueles modos em que se dispensa o uso de equipamentos e veículos geradores de impactes negativos nos ambientes em que circulam. Os dois casos paradigmáticos são as deslocações a pé e de bicicleta, incluindo variantes que se encaixem nos princípios de baixos níveis de impactes.

Andar a pé é natural, saudável e inevitável. É aquilo que transforma qualquer viagem num percurso intermodal, pois acabamos sempre por andar a pé numa parte do trajeto. Apesar de ser natural andar a pé, nem sempre as nossas cidades facilitam essas deslocações. Os passeios tendem a ser ocupados por obstáculos e barreiras. Os pavimentos nem sempre são adequados e seguros. As passadeiras tanto podem ser inexistentes como existir sem condições de segurança. Em alguns locais poderíamos andar mais a pé se nos sentíssemos protegidos do tráfego automóvel, das condições climatéricas e até do crime.

Andar de bicicleta, que é o meio de transporte mais eficiente, permitiria atenuar os efeitos do excesso de veículos automóveis. Seria saudável, barato e versátil para uma grande parte da população. Mas não existe segurança na estrada para quem queria mesmo andar de bicicleta, especialmente nos atravessamentos e nós rodoviários. Escasseiam as redes cicláveis contínuas. Mesmo as zonas de fortes declives podem ser facilmente ultrapassadas com as novas bicicletas elétricas que apoiam o pedalar nas zonas mais exigentes.

A poupança monetária e os ganhos de saúde serão imensos se pudermos implementar um sistema de transportes urbanos e rurais em que os modos suaves sejam privilegiados, especialmente quando os conjugarmos com os outros transportes em modelos intermodais. Isso será possível se existir uma rede de transportes integrada e contínua, em que se possa conjugar a bicicleta com os parques de estacionamento, tal como com o transporte público confortável e versátil. Poupávamos direta e indiretamente. Ganhávamos mais saúde e qualidade de vida. Se tantas pessoas estão hoje disponíveis para transformar um passeio, corrida e volta de bicicleta de dezenas de quilómetros em atividades de lazer e bem-estar, facilmente podemos reconverter isso num novo e reinventado sistema de transportes mais sustentável. Mas para isso precisamos de mudar as cidades e as políticas. 

Texto publicado no Diário de Leiria

Porque as vias não são todas iguais: o caso desadequado da Avenida Marquês de Pombal

As vias, que é como quem diz as estradas, não são todas iguais nem servem todas para o mesmo fim. Umas servem para canalizar tráfego, umas para distribuir e outras ainda para aceder. Por isso quando estamos a gerir e planear o território as estradas não podem ser vistas apenas como um caminho de um ponto para outro.

Para definir uma estrada quanto à sua hierarquia, que é como quem diz quanto à sua importância e função, importa perceber quais os elementos que as podem distinguir. Exemplos são as larguras, quantidades de faixas de rodagem e de vias nas faixas de rodagem. As larguras são muito importantes, tal como o tipo de atravessamentos de peões e nós rodoviários. Os atravessamentos podem ser de nível ou segregados, influenciado a facilidade com que os peões atravessam e o modo como o trânsito automóvel flui sem interferências. Os nós rodoviários, os cruzamentos, entroncamentos e rotundas podem ter as mais variadas formas, potenciando a velocidade, as prioridades, a capacidade de escoamento de trânsito e a conjugação com os outros modos que partilham as estradas, com os peões e bicicletas por exemplo. 

Vamos então a casos concretos. Em leiria existe um exemplo de uma avenida que demonstra bem a importância de planear e gerir as vias pela sua hierarquia viária. A Avenida Marquês de Pombal é exemplo de uma via que antigamente, quando foi planeada, tinha como funções escoar o trânsito de circulação e atravessamento da cidade. Nessa altura privilegiavam-se mais os automóveis. Mas a zona envolvente da avenida massificou-se em construção de habitação. Hoje os acessos aos edifícios e os atravessamentos de peões são muitos. A Avenida não pode ser mais uma via de canalização e escoamento de grandes volumes de tráfego. As velocidades têm de ser reduzidas, caso contrário estamos perante perigos múltiplos para os utilizadores e residentes. 

Uma parte da avenida já foi intervencionada, tendo-se minimizado os efeitos do propósito do anterior traçado. Mas a zona envolvente da Escola Amarela continua por intervir. Trata-se de um troço excessivamente pavimentado de forma inútil, de 4 vias de largura, sem atravessamentos pedonais, e onde as passadeiras mais próximas oferecem apenas 12 segundos de atravessamento, tudo isto ao lado de uma escola. Este é um caso digno de estudo para demonstrar a importância da hierarquia viária, com um troço de estrada desfasado das suas funções de acesso, de necessidade de controlo de velocidade e facilidade para os atravessamentos pedonais. Essa zona funciona como uma barreira aos transeuntes, mas que nem para os veículos automóveis serve, uma vez que o sistema semaforizado aí implementado gera muitas paragens desnecessárias.  

Sabendo que o sistema viário da Avenida Nsa. Sra. De Fátima e General Humberto Delgado está em fase de planeamento, espero que se possa aproveitar para reordenar e adequar também esta zona da Avenida Marquês de Pombal, uma vez que é uma das zonas urbanas mais pujantes da cidade e onde vivem muitas pessoas.

Texto publicado no Diário de Leiria

domingo, 5 de maio de 2019

Quando o associativismo cresce contra a sua natureza

As associações e a livre organização de forma voluntária para implementar ideias e defender causas coletivas podem ser atividades de grande mérito. Quando estas são feitas de forma interessada nas causas e desinteressada nos ganhos pessoais diretos produz-se a receita para o sucesso do voluntariado e do associativismo, pelo menos durante algum tempo. Quando este modelo se aplica ganham todos, quem faz e quem beneficia do trabalho realizado. No entanto há sempre a pressão do financiamento das atividades e do poder que elas trazem a quem as dirige.

Se os projetos de voluntariado, de inovação social realizados por associações sem fins lucrativos, pretendem ter futuro têm forçosamente de procurar a sua própria sustentabilidade financeira. Há imensos custos, mesmo em regime de voluntariado. Há forçosamente custos fixos, sendo as sedes e instalações as maiores dificuldades. Por outro lado, para inovar e manter no tempo as suas atividades há que optar. Ou passam a um regime semiprofissionalizado (ou até mesmo profissionalizado) em que existem atividades e recursos humanos remunerados ou então necessitam de uma grande rotatividade de voluntários. Seja como for, garantir salários ou estar constantemente a receber, formar e preparar novos voluntários para as atividades é trabalhoso, consumidor de recursos e tempo.

Os municípios podem ajudar ao disponibilizar infraestruturas às associações, para serem utilizadas enquanto existir atividade. Assim uma das principais dificuldades fica garantida. O resto pode ser conseguido com voluntariado e projetos desenhados de forma sustentável, com receitas próprias. O recurso crítico, apesar de tudo, são as pessoas. Para que se possam envolver nos projetos há que garantir um bom ambiente humano, uma gestão interna democrática e sentido de justiça. Acima de tudo importa também que as pessoas se divirtam e sintam realizadas no que fazem, como isso evita-se a saturação.
Se as associações pretenderam enveredar por outros rumos mais profissionalizados há um perigo à espreita. O vil metal pode corromper os corações mais bondosos e as boas intenções eclipsam-se perante os dígitos das contas bancárias. As associações são incentivadas a implementarem modelos semiprofissionais, assumir a inovação social, crescer nos processos burocráticos e depender de financiamentos exigentes. Com isso arriscam desvirtuar-se: a liderança passa a ser uma forma de aceder a prestigio e dinheiro, convertendo os voluntários em mão-de-obra barata. Apesar da via profissionalizada permitir trazer dinheiro para as associações é um risco grande de destruição do poder coletivo que criou os projetos, as ideias e as boas intenções. Corre-se o risco de fulanizar e de apropriações individuais do que inicialmente era coletivo. 

Deveríamos pensar nisto. Que tipo de associações queremos ter e se realmente as queremos transformar em empresas. Será sustentável do ponto de vista associativo? Talvez não. O dinheiro é preciso, mas as pessoas são mais importantes.

Texto publicado no Diário de Leiria

terça-feira, 30 de abril de 2019

Sistema de apoio ao estacionamento para a Feira de Maio: um exemplo a seguir

Quando se diz que Leiria tem problemas de falta de estacionamento estamos a dizer, no fundo, que tem excesso de dependência de automóveis. Quantos mais lugares criamos mais atração e mais necessidades de estacionamento vão surgir. Inevitavelmente, para suprir estas necessidades, temos de pensar nos transportes e na mobilidade como um sistema, em que usamos vários modos de transporte, articulados uns com os outros, para transportarmos pessoas e bens da forma mais comoda, rápida e eficiente.
Isto tudo a propósito da Feira de Maio e do Jardim de Almoinha Grande que está na fase final de conclusão. Com o novo jardim desapareceu a zona que servia de apoio ao estacionamento informal da Feria de Maio, agora conhecida como Feira de Leiria. Preveem-se assim dificuldades e caos pela falta de estacionamento, uma vez que em Leiria e na região envolvente dependemos muito do automóvel privado para nos deslocarmos.
Devíamos apostar em transporte público e coletivo, mais isso não se faz de um dia para o outro. Na prática esse esforço não tem sido a prioridade.  Bem sei que é dispendioso e que a nossa ocupação territorial dispersa não ajuda a implementar uma rede funcional e sustentável. Mas é urgente começar a estruturar essa rede para que não se diga que a falta de estacionamento continua a ser um problema e para que possamos aproveitar melhor os escassos espaços urbanos livres que temos no centro da cidade, tal como fazer a nossa parte na missão de redução das emissões poluentes.
Mas Leiria não pode parar. A cidade e todo o território concelhio, de uma forma geral, são exemplos de dinamismo. As estatísticas comprovam isso mesmo. Por isso importa conjugar o desenvolvimento de Leiria com soluções sustentáveis. No fundo esse é o grande segredo para o desenvolvimento sustentável. E para a nossa terra não devemos exigir menos que isso.
A Feira de Leiria terá uma importância relativa. Não será esse evento que define o desenvolvimento da nossa cidade, no entanto atrai pessoas e gera alguns efeitos multiplicadores na economia local. Para além disso é uma tradição, mesmo que algo renegada e não assumida. Quer queiramos quer não, esta feira diz algo aos leirienses.
Nesse sentido acho que é de louvar o esforço de planeamento e comunicação que foi feito para proporcionar parques de estacionamento alternativos para servir os visitantes da Feira de Maio, com transporte coletivo gratuito de apoio. É a solução possível. Espero sinceramente que seja um sinal de uma mudança para um futuro sistema de mobilidade urbano, mais sustentável para a nossa cidade. Com isto está dado o primeiro passo. Agora é continuar a caminhar nesse sentido, sem medo, pois o nosso futuro disso depende.
Espero que um dia existam autocarros a circular entre parques de estacionamento, facilitando o uso das bicicletas também e com apoio a pessoas com mobilidade condicionada.  Espero que tudo isso se transforme num sistema de informação e comunicação em tempo real, com acesso rápido e facilitado para todos. 

Texto publicado no Diário de Leiria

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Externalidades ambientais e suiniculturas: castigar e acarinhar

Uma atividade económica tem, habitualmente, externalidades, que são aqueles efeitos externos à própria atividade e que não se refletem no mercado. Quando me refiro a mercado estou a pensar no sistema de relação entre oferta e procura do bem ou serviço em causa que gera o preço. No fundo as externalidades são efeitos positivos ou negativos para terceiros, que não participam ativamente na construção do preço.

Dizia-se que na nossa região tinha mais porcos que pessoas. Independentemente disso, a produção suinícola é muito relevante na nossa região, tanto pelo volume de negócios como pelos impactes ambientais da própria atividade. Estamos perante casos de externalidades. Uma delas são os dejetos e efluentes suinícolas, especialmente quando despejados de modo a impactar o ambiente, quer em excesso sobre os solos nos espalhamentos quer diretamente para as linhas de água. 

Surge deste modo uma externalidade que tem de ser internalizada na própria atividade económica. Os custos ambientais têm de ser refletidos no produto, neste caso na carne de porco. No enanto, não é sustentável ser uma mera indemnização. Esse custo deverá ser convertido em tecnologias e sistemas produtivos que minimizem e tratem os efluentes e resíduos assim produzidos. Como isso tem custos, os mesmo devem ser transferidos para o preço de mercado. 

Poucas são as atividades económicas que não são forçadas a internalizar as suas externalidades, especialmente quando são materializadas em impactes ambientais. Por isso não se compreende como podem continuar a funcionar as suiniculturas em estado de incumprimento com a legislação ambiental em vigor. Não é por falta de regulamentação que os casos como a poluição da ribeira dos milagres e de toda a bacia hidrográfica do Lis persistem. Talvez falhe a fiscalização e a capacidade de transformar esses registos em consequências.

Por outro lado, nem todas as suiniculturas são focos de crime ambiental. Haverá com certeza bons exemplos, que numa economia de mercado são prejudicados por terem de competir com quem não assume os custos dos impactes ambientais que gera. Deveria haver uma forma de reconhecer esses casos, algum tipo de selo, de reconhecimento público, para que soubéssemos que aquela carne que consumimos não gerou poluição.  

Em resumo, uma dupla ação seria provavelmente o mais adequado. Se a lei é para cumprir, e isso tem sido claramente algo por garantir neste caso, também podemos defender uma atitude alternativa, ainda que não desculpe de modo algum os poluidores. Nem todos os suinicultores são maus na sua atividade, como nem todas as pessoas são boas no exercício da sua cidadania. O mundo real não é uma fotografia estática a preto e branco. 

Até os governos mais liberais sabem que têm de controlar a poluição. Não basta produzir legislação ou reclamar de forma inconsequente. É preciso atuar e mobilizar as consciências de todos. Ninguém quer que a poluição suinícola continue a ser uma marca da região.

Texto publicado no Diário de Leiria.

O queremos dos políticos e da democracia?

Vivemos então em liberdade democrática, apesar de todas as falhas que conhecemos. Podíamos dizer que a utopia era a solução, no entanto seria utopia considerar que saberíamos definir que tipo de utopia nos dava jeito. Estaremos então num beco sem saída? 

Acho que não, porque a democracia não é uma obra acabada e totalmente definida, mas um produto em melhoria contínua. Isto só por si é uma posição política, quiçá uma ideologia se alguém a doutrinar. E é segundo este processo, rumo a uma democracia melhor, que devemos questionar sobre o queremos dos nossos políticos e qual o nosso papel em tudo isto. 

Dizem que a meritocracia é um mito instituído apenas para manter as elites dominantes. Dizem também que a igualdade de oportunidades total é impossível. Dizem muitas coisas, os outros e nós mesmos. Isto significa que gostamos de dizer coisas. Aí está um pilar essencial da democracia: queremos fazer-nos ouvir e não penas ouvir o que os outros dizem. Por isso queremos que os políticos nos ouçam, porque sabemos hoje que são pessoas tão banais como nós. No entanto persiste um défice global de disponibilidade para ouvir, acentuado pela crescente vontade de todos quererem falar ao mesmo tempo.

Adoramos narrativas e metáforas.  Os políticos sabem disso e nós por vezes esquecemo-nos. Mas na prática queremos mais que uma boa história. Queremos políticos que nos ouçam e façam o que lhes pedimos, mesmo quando não sabemos o que queremos. É um paradoxo, porque queremos mais do que as condições básicas de vida. Desejamos coisas muito mais complexas, sem limites como dizem os economistas, querendo-as independentemente dos recursos que este nosso mundo nos oferece, tal como nos alertam os ambientalistas. E queremos tudo agora, porque duvidamos do amanhã.

Assim, qualquer pessoa que ouvisse, fizesse a vontade dos cidadãos, mas tivesse uma noção dos limites do possível, seria um bom político? Talvez fosse uma boa base de partida. Mas para ser isso tudo é necessário ter muitas qualidades e competências, algumas indefinidas. Qual será a formas de garantirmos tudo isso? Será através do atual regime político, em que não temos forma de avaliar os políticos e as políticas durante os períodos de governação? Como mudar o sistema de listas fechadas? Qual a segurança do voto se os políticos não seguem claramente linhas de orientação de base que assumem, as chamadas ideologias que supostamente os distinguem? Qual a validade dos programas eleitorais descartáveis na hora da governação? E qual o papel de todos nós na melhoria do próprio sistema político? Podemos ser mais que meros espetadores? Haverá forma de nos envolvermos na governação?

Parece-me que estamos perante um momento de mudança de paradigma político. Sabemos que precisamos de mudar e reformar, experimentar coisas novas, embora não saibamos exatamente o quê, de que forma e como. No entanto começam a surgir algumas soluções que abordarei futuramente. São riscos que a democracia precisa de correr para continuar a evoluir e evitar uma estagnação que a fará morrer.

Texto publicado no Diário de Leiria.
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Redundâncias da Actualidade - criado em Novembro de 2009 por Micael Sousa





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