O festival A Porta aconteceu no centro da cidade, pois é aí que faz sentido. As cidades são muito mais que os seus edifícios, ruas, praças e demais invenções humanas. As cidades são as suas pessoas e no centro histórico de Leiria, mas também de alguma forma nas zonas urbanas imediatamente contíguas, os habitantes têm desaparecido, salvo casos pontuais. Constatei isso num estudo que fiz sobre o património urbano e o desenvolvimento sustentável da cidade de Leiria, a propósito do mestrado em estudos do património. A maioria das zonas centrais da cidade que estão a perder habitantes a um ritmo preocupante, enquanto que certos locais restritos, com a devida conjugação de investimentos públicos e privados, para garantir qualidade de vida, estão a conseguir reter e atrair novos habitantes.
São vários os fatores que atraem pessoas e atividades ao centro das cidades, mas, por vezes, os mesmos que atraem umas pessoas afastam outras. Os espaços urbanos podem contribuir para formas de exclusão ou segregação social, positiva e negativa. Isto por si só pode ser preocupante, pois pode estar relacionado com processos de gentrificação e perda de diversidade social nas cidades. De certeza que não queremos nem cidades de elites nem cidades de excluídos. Queremos cidades para todos com espaços abertos e multifuncionais.
No festival A Porta demonstrou-se que o edificado e demais existências urbanas podem ser atrativos e úteis, incluindo os degradados, para públicos muito diversificados. As pessoas, mesmo tendo em conta restrições de utilização de veículos automóveis, estiveram em massa no centro histórico de Leiria, porque lá havia atividades de interesse. Obviamente que não podemos ter festas todos os dias. Podemos, em alternativa, ter elementos de interesse e apoio aos habitantes e geradores de qualidade de vida, tais como equipamentos de apoio, habitação de rendas a custos controlados, start ups, incubadoras, e outros projetos que atraiam emprego e vontade de habitar perto do que se oferece no centro, daquele ambiente urbano diferenciado. Acesso a meios de transporte alternativos será também importante. Isto não se faz somente por iniciativa privada, porque já se sabe que a falta de gestão urbana leva a gentrificação e criação de blocos que, na melhor das hipóteses apenas atraem ricos. Todos os restantes ficam excluídos.
Precisamos de um esforço coletivo que conjugue o investimento público e o privado, mas com uma forte gestão pública e civicamente participada, capaz de planear esta complexidade urbana. Importa também aproveitar as forças associativas que simplesmente querem fazer coisas pelo prazer de as fazer acontecer. Deste esforço coletivo poderemos manter a esperança de que a porta nunca se feche. Se fizermos o paralelismo com o festival que agora terminou, se não fosse já um esforço coletivo de tantas pessoas a iniciativa não se conseguiria manter e tornar sustentável. Parabéns pelo exemplo que nos deram.
Texto publicado no Diário de Leiria
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