quinta-feira, 7 de outubro de 2010

100 anos de cidadania

Recentemente comemoraram-se os 100 anos da implantação da República. Hoje, provavelmente, olha-se para a 1ª república através de lentes, um tanto ou quanto, desfocadas pela distância histórica que nos separa dessa época - reina uma visão quase fantástica/mitológica em torno desse importante período histórico. 
Sem dúvida que os propósitos dos primeiros republicanos foram bem-intencionadas, que as suas intenções verdadeiramente filantrópicas e prenhes de vontade de levar Portugal para o modernidade esclarecida e cientifica. Mas claro, nem tudo correu como se pretendia e planeara. Os entraves e as dificuldades foram muitas. As heranças, ou não fosse Portugal um país já na altura bem antigo e cheio de história – com todas as implicações que isso traz –, de algum modo incapacitantes. As finanças públicas andavam nas penúrias devido ao desgoverno da monarquia parlamentar – onde já vimos isto? O grande analfabetismo que existia em Portugal (cerca de ¾ da população) dificultara a divulgação dos ideais republicanos e da sua verdadeira difusão pela sociedade, tendo ela própria de responder com participação cívica para que o regime democrático e republicano pudesse persistir. Sem educação, sentido de pertença e empatia social pela mesma causa, disponibilidade para governar e ser governado segundo os princípios democráticos, respeito por valores e exercício de deveres – algumas definições e pressupostos para se ser verdadeiramente cidadão – o regime definhou, entrou em convulsão e quase anarquia até que pereceu com a concretização das ditaduras. Já para não falar do adverso contexto internacional, do advento da 1ª Guerra Mundial, que nada contribuiu para a estabilidade do Regime.

Apesar dos intuitos e vontades serem elevados, as conjunturas e dificuldades reais de governar dificultaram a concretização de tudo ao que se propunham os primeiros republicanos.
Tudo o que aconteceu foi História, acontecimentos que vieram dar maturidade ao republicanismo - nas várias formas em que se manifestou nestes últimos 100 anos. Hoje, acima de tudo, o que devemos celebrar é o dia em que deixámos de ser súbditos (e vassalos) e passámos a ser cidadãos com direitos fundamentais e deveres não menos importantes.  Agora resta honrar este estatuto que alcançamos expressando-o através da cidadania activa – não vejo melhor forma de celebrar os 100 anos da república.

(texto publicado em 7 de Outubro de 2010 no Jornal de Leiria e dia 11 de Outubro no Diário de Leiria)

terça-feira, 5 de outubro de 2010

100 anos de cidadania, abaixo os súbditos e vassalos!

Hoje assinalam-se 100 anos na implantação da República. Apesar dos intuitos e vontades serem nobres, as conjunturas e dificuldades reais de governar dificultaram a concretização de tudo a que se propunham os primeiros republicanos. Tudo o que aconteceu foi história, eventos que vieram dar maturidade ao republicanismo que hoje, quer queiramos quer não, herdamos do passado. Penso que, acima de tudo, hoje se assinala o dia em que deixámos de ser súbditos (e vassalos) e passámos a ser cidadãos com direitos fundamentais e deveres não menos importantes. 
 Por isso, neste dia penso que a melhor honra que podemos fazer à republica é canalizar todos os esforços para o reforçar da cidadania democrática activa – tendo o bem comum sempre como ideal supremo.

sábado, 2 de outubro de 2010

T.G.V. – Transporte que pode trazer Grandes Vantagens!

Todos nos lembramos daquele fenómeno geológico islandês que paralisou a Europa durante vários dias. Bastou um fenómeno natural, uma nuvem repleta de partículas incandescentes expelida por um vulcão de nome complicado perdido lá longe, para que se provasse que o nosso sistema de transportes [português e europeu] é frágil e de que não temos verdadeiras alternativas ao avião para transportes de longa distância.
Os projectos trans-europeus de transportes, que prevêem uma aposta significativa nos caminhos-de-ferro, têm sido de execução morosa. A linha de alta velocidade (TGV) em Portugal faz parte desses projectos estratégico para o desenvolvimento regional e europeu – ou não fosse a ferrovia um dos modos mais sustentáveis de transporte. Mas para que esta obra se realize temos de a defender, caso contrário é mais uma a ficar no papel.
As fragilidades e atrasos de Portugal no modo ferroviário são bem evidentes pois, a somar à tendência que se verifica por toda a Europa de diminuição dos transportes por comboio, por cá há quase 100 anos que não se acrescentam verdadeiramente novas linhas, sendo que muitas das actuais ou estão obsoletas – caso da nossa linha do Oeste – ou simplesmente já foram desactivadas. Outro problema dos caminhos-de-ferro Portugueses, mas também de Espanha, é a dimensão da bitola (distância entre carris) que por ser diferente da do resto da Europa impede a ligação directa entre Europa e Península Ibérica, aumentando assim ainda mais os custos de manutenção e utilização das infra-estruturas ibéricas.
Construir a linha de alta velocidade é a oportunidade de reformular as linhas férreas nacionais, de uniformizar a bitola e de ficarmos verdadeiramente ligados a Europa pela ferrovia. E já que a economia está na ordem do dia, a aposta no TGV seria também uma oportunidade de reduzir a grande dependência nacional face ao modo rodoviário. Algo que influencia directamente a nossa balança de importações pois todo o combustível utilizado para movimentar por cá os automóveis é importado. Já para não falar dos impactos ambientais que afectam o ambiente, a saúde humana e até o nosso potencial turístico devido ao uso excessivo de veículos automóveis. Outra oportunidade é o potencial de criação de empregos do projecto, quer seja na construção quer seja posteriormente na manutenção e exploração.
Assim, apostar nos caminhos-de-ferro é apostar também no TGV pois, quando se fazem projectos desta natureza e volume, há que planear para o futuro e para os comboios que virão. Lembro aqui a acção do Marquês de Pombal que, dotado de uma visão estratégica, criou largas ruas e avenidas para a capital. Hoje essas vias podem parecer insuficientes, mas na altura pareceram aos contemporâneos do Marques um exagero e um despesismo injustificado devido à sua grande dimensão que apresentavam para a época. O mesmo acontece com o TGV que, para além das necessidades de hoje, tem de responder às necessidades do amanhã.
As finanças públicas não estão bem mas sem investimento e sem infra-estruturas modernas para hoje, e especialmente para o amanhã, como se poderá recuperar a economia?

(texto publicado em 30 de Setembro de 2010 no Diário de Leiria)

Iniciativa da REAPN e do RL - O que é para si a pobreza?

 Gostava de partilhar aqui o meu pequeno contributo, na forma de umas palavras, para uma das iniciativas  do Núcleo distrital da  Rede Europeia Anti-Pobreza (REAPN), mais concretamente a coluna que disponibilizaram no jornal Região de Leiria para que os cidadãos expressassem os conceitos e definições de pobreza. Aqui ficam as palavras que me ocorreram:

"A pobreza em primeira instância sente-se na pele, sente-se no corpo e, muitas vezes, no que falta ao estômago. Sem que essa pobreza cesse jamais podem ser minimizadas ou combatidas todas as outras formas comportamentais e intelectuais de ser pobre, pois quando a pobreza é extrema o corpo fala mais alto e remete para o campo dos luxos a preocupação com pobrezas de espírito."

(texto publicado em 1 de Outubro no Jornal Região de Leiria)

Deixo aqui também os links da REAPN para mais informações sobre as suas iniciativas e acções:

domingo, 26 de setembro de 2010

Alteração da Constituição – um processo de argumentação anti-lógico?

Um dos pressupostos – provavelmente até o mais importante - que nos permite utilizar a lógica como grande ferramenta capaz de fundamentar e dar força a um argumento num debate ou discurso é o recurso a um encadeamento de premissas (evidências ou argumentos de base simples), que se parte do princípio que são verdadeiras, com um determinado conteúdo de modo a atingir uma determinada conclusão/ideia - obrigatoriamente verdadeira se as premissas que o originaram também o forem. No fundo, recorrer à lógica, que segundo a Filosofia é a “arte de bem pensar”, é um bom modo de bem argumentar e fundamentar uma ideia ou opinião. Mas, infelizmente, nem sempre as ideias ou debates nascem e utilizam os preceitos da lógica – ou não sem os adulterar -, sendo essa prática comum quando se faz política – especialmente a “má política”. Um caso disso é discussão que se iniciou há uns meses sobre algumas propostas de alteração à actual Constituição da República Portuguesa e que agora, depois da reentre política, voltam de novo a causar polémica, pois alguma da argumentação em defesa da necessidade dessas mesmas alterações tende, na minha opinião, a violar normas básicas do uso da lógica. Isto porque se socorre de premissas (ideias base supostamente verdadeiras) que são falsas, ou por comprovar, para chegar às conclusões que querem que aceitemos.
 Então vejamos alguns exemplos da argumentação usada para alterar a constituição.
  • Questão do Emprego: Existe desemprego – premissa verdadeira; Despedimentos facilitados aumentam a criação de emprego – premissa falsa; Facilitar os despedimentos é modo de combater o desemprego - conclusão lógica falsa porque a 2ª premissa é falsa. A conjugação das duas premissas resultaria no agravamento do desemprego.
  • Questão da Saúde: Os cuidados de saúde prestados aos cidadãos são dispendiosos - premissa verdadeira; Os cidadãos adoecem mais porque isso não lhes traz acréscimo significativo de custos - premissa falsa; Aumentar os custos dos serviços de saúde vai reduzir os custos para o Estado pois os cidadãos só usariam esses serviços em estrita necessidade, sendo que assim também os valorizariam mais porque pagariam por eles – conclusão lógica falsa porque a 2ª premissa é falsa ou está por provar. Neste caso dever-se-ia concluir simplesmente que os custos para o utente iriam aumentar. 
  • Questão da Educação: A qualidade da educação pode sempre ser melhorada – premissa verdadeira; A educação pública universal é pior do que a privada que é mais rigorosa – premissa falsa; A educação deixa de ser uma obrigação do Estado porque o ensino privado e pago é de melhor qualidade - conclusão lógica falsa porque a 2ª premissa está por provar. Aqui a conclusão seria que a educação universal de qualidade deixaria de ser uma obrigação.
Esta suposta falta de rigor, que acontece quando se argumenta sem uma boa base lógica, é provavelmente um reflexo da pouca importância que se dá ao estudo de disciplinas como a Filosofia (ou da Matemática enquanto lógica). Ainda pior é que ainda há quem pondere acabar com ensino obrigatório desta importante disciplina nas escolas – provavelmente é mais um dos ataques à escola pública universal, ataques se registam igualmente a outros serviços públicos por parte de quem os pode dispensar devido à sua capacidade financeira de pagar serviços reservados às elites. Ou então o problema aqui é simplesmente económico, sendo aqui a lógica suplantada pela poder dos números quando conjugados com cifrões!

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Dia europeu sem carros: um dia para repetir mais vezes mas com alternativas!

Depois de ter feito alguns trabalhos académicos e de investigação, tal como textos para jornais, blogues e redes sociais, não podia deixar de assinalar e referir as comemorações do passado dia 22 de Setembro: o 'Dia Europeu sem carros'. A data é apenas simbólica mas por cá [Portugal] acaba por ser de grande importância devido à nossa extrema dependência face a este meio de transporte, na sua versão privada. Há que inverter isto! Já muitos países e  cidades europeias perceberam a importância e necessidade de abandonar os automóveis e afasta-los dos seus centros urbanos - isto chega em alguns casos a ser uma medida de atracção turística pois, sem dúvida que, cidades sem carros são mais agradáveis para viver e visitar.
 No caso de Portugal a importância de diminuirmos a nossa dependência face ao automóvel assume pelo menos três grandes razões (estando todas elas relacionadas): económica, ambiental e turística
    •    Económica, pois não produzimos o combustível que utilizamos para mover a frota automóvel nacional, o que implica importar combustível, agravando assim ainda mais a relação entre importações e exportações que tantos afectam a nossa economia. Já para não falar dos materiais para construir as infra-estruturas rodoviárias. •    Ambiental, pois os automóveis são responsáveis por grandes impactes ambientais, especialmente na qualidade do ar e no ruído, entre outros. Até os modos de propulsão alternativos como os eléctricos têm os seus problemas ou não fossem as baterias em «fim de vida» resíduos problemáticos e perigosos. •    Turística, pois os automóveis poluem, são perigosos para peões e ocupam áreas nobres das cidades que assim perdem assim o seu potencial de turismo.
Chegou a altura de transformar estes actos simbólicos em acções do dia-a-dia, algo que cabe principalmente aos nossos governantes - se bem que também temos a nossa dose de responsabilidade no modo como escolhemos em nos movimentar -, à sua capacidade de planear e ordenar, impondo regras que limitem o uso excessivo do automóvel mas sem esquecer que devem também criar e dar alternativas de transporte (preferencialmente público) e mobilidade aos cidadãos - a conhecida teoria do "bastão e da cenoura"

(Texto publicado no Diário de Leiria em 27 de Setembro de 2010)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Aqui vai, num instante, "Uma ideia para um Portugal Feliz"

Enquanto via as várias centenas de e-mails depois de umas verdadeiras férias, inclusive da Internet, vi que uma pequeno texto meu tinha sido escolhido e premiado como uma das melhores ideais da semana 10 do passatempo "Uma Ideia para um Portugal Feliz". Fiquei surpreendido e aproveito para agradecer ao Jornal I e Editora Planeta por terem escolhido as minhas palavras.
 Deixo então aqui o fruto da minha participação nesta iniciativa:
"Não devemos olhar para cima, para baixo ou para os lados à procura de exemplos salvadores para imitarmos ou procurar salvadores da pátria milagrosos. Devemos ter consciência do passado, aprendendo com ele, consciencializarmo-nos que não somos melhores nem piores que ninguém mas que podemos construir o presente, regidos pelo optimismo, de modo a criar um futuro verdadeiramente feliz – nem que seja o despertar para uma felicidade já existente."

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A equação do incêndio

Tal como existe uma época balnear, existe também uma época de incêndios - ambas por razões climáticas e meteorológicas, dependentes das elevadas temperaturas. Entre as muitas diferenças que as distinguem há uma curiosidade que não posso deixar de referir: os Portugueses tendem a iniciar as suas actividades balneares mesmo antes do inicio da época oficial; já os incêndios tendem a iniciar-se e aumentar drasticamente aquando da publicitação e divulgação do inicio da dita época e da informação dos primeiros actos de fogo. Mais estranho é que durante a realização de um grande evento desportivo ou cultural, já em pleno Verão e com todas as supostas condições meteorológicas reunidas (entre outras) para que um qualquer incêndio de grandes proporções se inicie e lavre o suficiente para o tornar perigosamente importante, fica-me na altura quase sempre a ideia de que não existem incêndios em Portugal e de que não corremos esse risco – provavelmente coincidências de calendário e de meteorologia. Em jeito de sarcasmo e ironia deixo a seguinte questão: será que precisamos de “Mundiais de Futebol”, “Jogos Olímpicos”, festivais de música e afins para evitar incêndios em Portugal? Curiosidades e sarcasmos à parte – pois trata-se de assunto sério -, independentemente dessas atitudes e ocorrências mediáticas contribuírem ou não para o aumento dos incêndios, na verdade um incêndio só pode ocorrer se se reunirem três condições fundamentais necessárias, três parâmetros, tendo obrigatoriamente de existir: ignição, combustível e comburente.
 Quanto ao comburente, em ambientes exteriores nada poderemos fazer para o retirar da equação que origina o incêndio. Pois, o ar que respiramos, aquele que constitui a nossa atmosfera, é composto por cerca de 21% de oxigénio – o principal comburente que existe.
O combustível, bem, esse existe por todo o lado também. Matas, florestas e agrupados de árvores são por si só um excelente combustível, especialmente inflamável e combustivo se a eles estiverem associados materiais vegetais contíguos, rasteiros e secos – aquelas espécies vegetais intituladas de “matos”, assim como outros resíduos e produtos vegetais florestais, ambos resultantes da falta de limpeza e manutenção das nossas áreas arborizadas. Aqui sim, poderemos actuar. Limpezas e ordenamento das florestas podem e devem ser feitos, criando acessos e aproveitando a biomassa residual daí proveniente enquanto combustível (produto sustentável ao nível das emissões de CO2) e fertilizantes. A solução parece fácil, mas a implementação - como todos temos visto - é difícil e exige: fiscalização e execução de planeamento e ordenamento do território por parte do Estado e poder Local; proprietários privados consciencializados para a responsabilidade de tratarem das suas florestas e terras.
O terceiro parâmetro, a ignição, talvez seja o mais passível de ser controlado – pelo menos aparentemente. Por mais “combustível” (zonas florestais desordenadas e sem manutenção) e uma atmosfera devidamente oxigenada, sem fontes de ignição o fogo não pode acontecer. O ateamento – a ignição – de um incêndio pode ocorrer de um modo “natural”, dependo do clima (altas temperaturas, radiação solar e baixos níveis de humidade), mas ser potenciado e catalisado indirectamente pela presença de lixos urbanos. Sabemos também que a acção e responsabilidade humana pode ser ainda mais directa, comprovando isso estão os comportamentos negligentes e intencionais de fogo posto. Ambas as acções são passíveis de causar incêndios de grandes proporções e ambas podem ser evitadas através da prevenção por campanhas de sensibilização e pela actuação das entidades responsáveis.
Temos evoluído, temos melhorado, mas os paradigmas mudam. Se antes os incêndios atingiam grandes proporções por falta de meios, hoje, provavelmente, eles acontecem por excesso de “combustível” (muitas vezes desordenado) e de fontes de “ignição” – podendo esses dois parâmetros ser reduzidos se todos assumirmos a nossa quota-parte de responsabilidade (autoridades e poder público incluídos).
Só espero que se evitem visões extremistas que levem à redução irreflectida de todos os parâmetros da equação do incêndio (combustível, ignição e comburente), ou seremos todos, qualquer dia, asfixiados por uma crescente falta de “oxigénio”.

(Texto publicado no Diário de Leiria em 27 de Agosto de 2010)

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

1000 visitas nas "redundâncias"

Obrigado a todos os que têm passado por este espaço de opinião e lido os meus pensamentos aqui concretizados através da escrita.Textos esses que têm também sido publicados regularmente nos meios de comunicação locais. Por isso, deixo-lhes um especial agradecimento: muito obrigado aos os jornais e publicações que me têm permitido essas aventuras no papel.

Obrigado por cada uma das 1000 visitas!

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Uma chuva que suja em vez de limpar

Todos presenciamos ou ouvimos falar do estranho fenómeno meteorológico ocorrido no passado Domingo dia 8 de Agosto: fazia calor e caiu uma curta chuva fugaz. Mas mais surpreendente foi o efeito da dita chuva no parque automóvel nacional – não que a frota automóvel portuguesa não seja já por si só curiosa por ser das melhores da Europa. A chuva, ao contrário do que todos os proprietários e condutores esperavam – nos quais me incluo -, não desempenhou o seu normal e habitual papel de limpeza, muito pelo contrário, a chuva sujou ainda mais os veículos desprotegidos. Apesar de invulgar o fenómeno nada tem de misterioso ou metafísico, pois, não chovendo há muito tempo, as poeiras e partículas – chamadas de aerossóis – tendem a acumular-se na atmosfera (muitas delas transportadas por ventos desde o Norte de África), especialmente nesta época do ano. Para mais, devido aos incêndios que têm lavrado por terras Lusas a quantidade de material em suspensão na atmosfera era ainda mais abundante, e, como a chuva foi curta nem sequer se deu o tempo necessário para que se depositassem todas as poeiras acumuladas e caísse “chuva limpa”.
Tal como a chuva que cai e não limpa, hoje parece-me que vivemos também em Portugal um fenómeno social algo peculiar. Provavelmente este fenómeno nada tem de novo, provavelmente a sua visibilidade deve-se apenas os novos meios e modos de comunicação, acessíveis e de fácil utilização para a uma franja cada vez maior da população – sendo a Internet o mais preponderante -, e à crescente taxa de literacia da sociedade portuguesa. Por todo o Portugal, com a maior das facilidades, “precipitam” críticas e comentários de pessoas que até há bem pouco tempo não o podiam ou queriam fazer - um reflexo de uma jovem democracia que vai amadurecendo à medida que a discussão e debates cívicos se generalizam. Mas teremos a formação necessária para compreender e lidar com toda a informação que recebemos? Teremos os meios e autonomia para convertermos essa informação em acção? Teremos os hábitos e ferramentas de cidadania necessários? Com muita facilidade “precipitamos” criticas uns aos outros, ao país e a nós mesmos. Mas será que criticamos “bem”? Será que criticamos devidamente informados, fundamentando o acto de criticar com a devida predisposição para tornar as nossas próprias críticas fecundas de acções e resoluções?
Tal como estes aguaceiros de Agosto, tendencialmente criticamos a quente. Usualmente, à semelhança do que acontece com as nuvens espessas e as chuvas abundantes que delas advêm, só as criticas consistentes e na devida quantidade podem ter algum efeito positivo sobre o ambiente em que caem. Para evitar que a culpa destas ineficazes “precipitações” morra solteira podemos adoptar uma atitude “poligâmica” e casar todos [os Portugueses] com ela [a culpa]. Podemos fazer mais e melhores críticas, consistentes e a longo prazo, e evitar cair no marasmo do sofá logo que a nossa voz crítica se cala à espera que outros ouçam e atendam com reverência os nossos ditames. Agora que fiz também eu mais um critica – uma que me parece também vazia e precipitada - chega-me a vontade de voltar ao meu próprio divã, no qual permaneço meio sentado meio de pé olhando para a rua e esperando, tal como a maioria dos Portugueses, uma chuva que molhe e limpe.
Bem, lirismos à parte, tenho mesmo de me levantar e ir limpar o meu automóvel, porque, provavelmente até já sabem, há uns dias caiu uma chuva que em vez de lavar sujou.

(texto publicado no Diário de Leiria em 17 de Agosto de 2010 e no Região de Leiria em 20 de Agosto de 2010)
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Redundâncias da Actualidade - criado em Novembro de 2009 por Micael Sousa





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