quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A evasão fiscal e a necessidade de aumentar impostos

Independentemente de ser gordo, largo ou comprido, seja qual for a sua forma ou aspecto, não há Estado algum que sobreviva sem colecta de impostos, pelo menos Estados com responsabilidades sociais. Por isso, com poucas ou muitas despesas, a colecta de impostos é para a sustentabilidade de um Estado algo de suma importância.
Recentemente fiz uma viagem à Grécia e por lá pude beber um pouco da cultura, dos valores, práticas e costumes gregos. Uma viagem incrivelmente enriquecedora, mas também propensa a reflexões e extrapolações para o nosso próprio país. O turismo é o principal sector gerador de riqueza da Grécia contemporânea, tendo ultrapassado já os tradicionais sectores navais e a agrícolas. Ou seja, supostamente, é da actividade turística que o próprio Estado Grego deveria recolher a maior parte dos seus impostos. No entanto - não fosse a Grécia um país latino (do ponto de vista das práticas sociais) - a evasão fiscal e fuga aos impostos é uma realidade que afecta especialmente o principal sector económico do país. Independentemente da zona geográfica na Grécia (continental ou insular), é comum ser-se aliciado com descontos da ordem dos 20 a 30% se o pagamento for em numerário. Isto despertava o descrédito de alguns turistas, pois todos percebiam que era um modo de evitar impostos. No entanto, apesar destas experiências estarem longe de ser representativas da realidade grega e não servirem para chegar a conclusões incontestáveis, através delas, pode-se formular pelo menos uma questão que deixo à reflexão: num país onde ficam por cobrar impostos, especialmente os relacionados com a principal fonte de riqueza nacional, como pode esse Estado ter dinheiro suficiente para fazer face às suas obrigações sociais e demais despesas?
Por cá também somos prejudicados pela fuga ao fisco! Não será a evasão fiscal também responsável, pelo menos em parte, pelos anunciados cortes nas despesas sociais do Estado e aumentos de impostos? Será que, se todos pagassem o que manda a lei, haveria necessidade desta sobrecarga?
É certo que a evasão fiscal só por si não é a única responsável pelo depauperar das finanças públicas, mas lá que tem contribuído para isso tem! Independentemente da eficiência com que o Estado gere o seu tesouro, a evasão fiscal contribui indirectamente para o aumento dos impostos, pois o dinheiro que o Estado deixa de receber legitimamente tem de ser compensado de algum modo. A solução adoptada passa, quase sempre, por aumentar ainda mais os impostos nas fontes onde não há escapatória. Trata-se de um problema circular em que as consequências se tornam causas e vice-versa - especialmente quando a ética e a empatia social são miragens utópicas.

(Texto publicado no Jornal de Leiria no dia 18 de Novembro de 2010 e no Diário de Leiria no dia 19 de Novembro de 2010)

7 comentários:

  1. Excelente artigo Micael.

    Isto da evasão fiscal é mesmo uma pescadinha de rabo na boca!

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  2. "o dinheiro que o Estado deixa de receber legitimamente tem de ser compensado de algum modo."

    E O dinheiro que o Estado gasta ilegitimanente? Como é compensado?

    "A solução adoptada passa, quase sempre, por aumentar ainda mais os impostos nas fontes onde não há escapatória."

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  3. O Estado não gasto dinheiro ilegitimamente, quem o pode fazer é são determinadas pessoas que num determinado momento têm poder para isso. O Estado somos nós, já o Governo é leito e escolhido dentre nós.

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  4. Micael desculpe mas não posso deixar de questionar; Então o "Estado" que deixa de receber não é o mesmo "Estado" que gasta?
    Então para que recebe? Ou, o Estado recebe e o Governo gasta? ( Este ou qualquer outro governo).
    Um bom dia para si.

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  5. O Estado gasta, mas aqui o termo não tem nem deve ter qualquer conotação negativa - mesmo muitos tentar forçar essa associação. Um Estado que gasta é um Estado que distribui a riqueza, através da acção social, saúde e educação. Só resta saber se quem governa gasta bem, ou seja, gasta para o bem comum. Não se trata de gastar pouco ou muito pois: mesmo um Estado que gaste pouco, pode gastar mal e um que gaste muito pode gastar bem.

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  6. Primeiro um aparte: a Grécia não é um país latino. Quanto aos impostos é uma questão de ética e de responsabilidade. De ética dos cidadãos que têm de saber se querem regalias sociais têm de contribuir para os seus impostos. É um facto se os cidadãos não pagam devidamente os seus impostos a carga fiscal tenderá a aumentar. Por outro lado, temos a responsabilidade dos políticos. Estes não sentem que o dinheiro é dos cidadãos, é do Estado, uma entidade abstracta e, como se costuma dizer, se é do Estado não é de ninguém. Os políticos lidam não com centenas ou milhares de euros como qualquer cidadão, mas com milhões de euros. De algum modo perdem a capacidade de julgar o valor do dinheiro. Gastar 100,000 euros em flores para o palácio de S. Bento ou milhares em jantares de confraternização, não tem qualquer valor quando se lidam com biliões de euros. Assim se vai gastando dinheiro dos contribuintes que multiplicados pelos ministérios, direcções gerais, repartições etc, dá contas de milhões. Se os políticos e funcionários fossem mais escrutinados pelos cidadãos e responsabilizados pelos actos que tomam, se o desbaratar viesse nos jornais e televisões, talvez estes cidadãos que vivem à custa do comum dos cidadãos contribuintes, fossem mais comedidos nos seus gastos (na Suécia os ministros até partilham carros). O problema é que não são escrutinados e o cidadão comum tem a reacção lógica: para que é que eu vou pagar todos os impostos devidos para alimentar aqueles pansudos? É como disse o Marco: isto é uma pescadinha de rabo na boca. Falta a ética aos políticos. Quando se pede sacrifícios aos cidadãos, vemos as rubricas de flores e viagens aumentarem. Sabiam que os ministros de Cuba quando viajam ao estrangeiro vão em turística? Aqui qualquer gato borrado vai de primeira. Depois admiram-se que haja défice publico - adoro o trocadilho "dívida soberana".

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  7. O latino aqui é no sentido das prática sociais e não linguísticas, foi nesse sentido que referi as semelhanças entres estes países. Estive tentado a dizer mediterrânico, mas nem todos os países mediterrânicos se incluiriam no saco em causa - a evasão fiscal. Mas tem razão Vicente, na verdade a Grécia não é um país latino, pelo menos directamente e no sentido de que lá não se fala uma língua com origem no latim.
    A falta de ética é generalizada, ela falta tanto a políticos como ao cidadãos comum. É uma falha social e não sectária.

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