quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Inventar um novo ano

 A terra deu mais uma volta ao sol, marcando assim mais um ano. Definimos o primeiro de janeiro como marca desse ponto de viragem simbólico. Mas poderia ter sido noutro dia qualquer. Precisamos de atribuir significados a tudo, e a mudança de ano é um dos mais importantes. Organizamos a nossa vida em anos e suas demais subdivisões para medirmos a incerteza da vida.

Organizar a vida em anos permite invocar a metáfora do renascimento. Num ano que correu mal, em que a taxa de mortalidade voltou um século atrás, precisamos verdadeiramente de reiniciar a vida. Na verdade, o tempo é um fluxo contínuo. Mas para os físicos o tempo pode ser muitas outras coisas, algumas que temos dificuldade em imaginar. Assumimos o tempo como um facto verdadeiro, apesar de poder ser verdadeiramente incompressível. Valorizamos esta verdade como sendo absoluta e imutável, definida e objetiva. Mas a verdade pode ser relativa, dependendo do ponto de vista, do enquadramento e das construções conceptuais sobre a qual é formulada, tal como da luz do seu tempo. A nossa condição humana cobre tudo com o manto da subjetividade e de significados configuráveis, quer queiramos quer não. É essa capacidade que nos faz mover, responder e sobreviver. Faz parte da condição humana, do modo como os nossos cérebros funcionam e se ativam através das emoções. A mudança de ano pode ser algo meramente simbólico, uma construção do real. No entanto, nem por isso deixa de ser importantíssima.

Acreditamos que neste ano de 2021 tudo será melhor. A divisão em anos permite fazer estas barragens, introduzir comportas à negatividade. Celebrar um novo ano pode parecer inútil, mas não é. Essas festividades não têm de estar associadas a um culto ou religião, embora quase sempre estejam, porque cada vez mais se diluem as influências do sagrado e da crença coletiva, tanto que os extremismos tentam chocar para recuperar esses valores perdidos. Ainda assim podemos ver para além do misticismo, saber que é uma criação humana, sem que perca o seu efeito. 

Também no ano passado, pela primeira vez, desde da existência da humanidade, a massa de bens artificiais ultrapassou a massa de matéria viva no planeta. Somos animais criativos, tanto que nos autodestruímos. Para além disso, criamos talvez ainda mais coisas imateriais, criamos cultura, criamos significados para o que criamos.

Neste ano acabado de criar, persiste, tal como sempre, a força da imaginação humana como resposta perante o perigo. Nada de novo, embora tenha ficado evidente a dificuldade em ocultar as ameaças. Percebemos o quão frágeis podemos ser. Quão pouco basta para mudar a realidade. Não sabemos ainda quais os efeitos da pandemia no futuro, na nossa civilização, nas sociedades, culturas e economias que gera. Não sabemos propriamente quais as causas e efeitos, quais as relações com o ambiente e o clima. Temos como desafio encontrar essas razões e se necessário os significados para trazer ordem ao mundo, para que, mesmo sujeito a tantas mudanças, possamos criar significados para podermos continuar a viver como humanos criadores. 


sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Porque não vamos estar sozinhos: algumas recomendações de jogos para animar o Natal

 Este foi um ano estranho por muitos motivos, um deles foi o acelerado ritmo a que chegámos ao Natal. Pelo menos foi assim que eu senti o passar do tempo. A abertura do verão passou num ápice, e de súbito o agravar da situação e as preocupações com todas as incertezas trouxeram um Natal sem preparação. 

Este não teremos um Natal convencional. Vamos ter de reduzir o número de pessoas com quem iremos estar. As grandes reuniões de família e de amigos terão de ser adiadas. No entanto, uma grande maioria de nós também não estará sozinha. Vamos tentar todos estar à mesa, pelo menos com a família mais próxima ou com quem convivemos diariamente. Vamos ter de ficar em casa, evitando os passeios e as aglomerações que também ajudavam a dar ao Natal as suas cores. Vai ter de ser diferente. 

Mas existem outras alternativas. Temos de as encontrar para explorar este tempo que temos. A minha recomendação é, novamente, jogos de tabuleiro, jogos analógicos que fortalecem as nossas interações e relações. Não estou a falar dos jogos clássicos, aqueles que vemos, de forma repetida ano após ano, na maioria dos supermercados e grandes superfícies. Estou a falar de outros, dos jogos de tabuleiro modernos, especialmente dos jogos de inspiração europeias, que geram interações mais colaborativas e menos conflituosas, mesmo sendo competitivos. Apesar de serem menos conhecidos, estes jogos começam a ser mais comuns cá em Portugal, com editoras nacionais a ganharem escala, incluído as de Leiria.

Deixo então aqui algumas recomendações, desta vez de 7 jogos simples, onde podem explorar múltiplas experiências na quadra que se avizinha. Recomendo, naturalmente, alguns jogos que estão disponíveis em Portugal:

3 Tigres: jogo do “desconfia” em formato cartas, com novas habilidades e com ilustrações muito cativantes, que pode ser jogado em 15 minutos.

Café: jogo rápido de planeamento e gestão, em que as cartas representam as nossas infraestruturas e os cubos a nossa produção de café.

Código Secreto: jogo de espiões onde o significado das palavras e seus adjetivos fará a diferença entre a vitoria e derrota.

Ekipas: jogo de festa com atividades de perguntas, desenhos e muito mais, mas onde a dimensão coletiva e trabalho em equipa gera momentos hilariantes nunca vistos. 

Monstro das Cores: jogo colaborativo que nos vai levar a falar sobre os nossos sentimentos e emoções.

Poker de Bichos: jogo de bluff que vai testar a capacidade de ocultar, mas também a decisão estratégica.

Rossio: ao colocarmos peças e gerirmos dinheiro e trabalhadores iremos contruir a praça do Rossio. 

Estes são apenas alguns dos exemplos das centenas de jogos que estão disponíveis em Portugal. Estes são alguns dos mais simples. Despois existem muitos outros, para quem se queira aventurar em experiências mais profundas. 

Somos um povo de interações à mesa, embora ficar por casa não seja um hábito muito generalizado, talvez estes e outros jogos nos ajudem a ultrapassar com mais alegria este Natal diferente. 


Texto publicado no Diário de Leiria


Chuva na rua e jogos na mesa

 Estava com dúvidas sobre o que escrever para esta crónica. Aqui fechados por casa, quase totalmente dedicados às lides domésticas, não ajuda a imaginar algo para partilhar que merecesse ser lido. Na rua paira a ameaça do vírus, que não se assusta sequer com o frio. Através da janela apreciamos a beleza melancólica da chuva que cai do cinzento das nuvens. Acendemos a lareira para partilhar com ela o calor e a vivacidade das chamas. Neste marasmo ocupado, entre tarefas domésticas e os trabalhos de casa dos miúdos, afinal do que valerá a pena falar?

Mas lembrei-me! Nestes dias houve algo que trouxe uma cor que rivaliza com as luzes intermitentes da árvore de natal. Foram as pausas em que conseguimos limpar a mesa de todos os afazeres, libertando-a para um jogo de tabuleiro. O tempo por casa, quando os miúdos estão acordados, passa a correr. Ainda assim, os jogos dão-nos momentos de pausa e de uma animação estruturada, orientada para um prazer que ensina e desenvolve competências. Até o mais novo conseguiu fazer uma jogada! É um orgulho que fica assim remetido às pequenas coisas, instantes passageiros, mas que vão persistir na memória familiar. Com a mais velha, a surpresa é outra. Ganhou-nos finalmente!

Depois lá virá o deitar, já a horas transgressoras. Os miúdos, depois de bem aninhados deixarão outros jogos entrar na sua imaginação. Teremos então o nosso momento de pausa como pais. Fica tanto por limpar. Mais um esforço até a casa ficar disfarçadamente arrumada e o tempo será todo nosso, todo o pouco tempo que resta. Lá ao fundo o sofá chamará, mas a mesa vence, convida a mais uma partida. Chegará o momento de jogar um jogo mesmo só para nós, experimentar uma cumplicidade intelectual, num momento de partilha e competição que nunca nos destrói, só reforça. Lá fora o frio reclamará pelo nosso calor. Quererá entrar, quererá jogar connosco. Mas o novo troco que colocamos na lareira ajudará.  

Estes dias de inverno, ainda mais isolados que nos anos anteriores, viramo-nos para dentro, para aqueles que nos são mais próximos. Privamos e interagimos. Procuramos novas formas de nos conhecer e explorar. Experimentamos novos jogos. 

Para estes dias de isolamento e frio, de luz decresce, a cada dia que passa, os jogos de tabuleiro podem ser a nossa iluminação artificial. Podem trazer momentos de partilha, de intimidade, de dinâmicas controladas, para todos e todas. Através das suas peças podemos viajar para outras realidades, imaginários ilimitados. Jogar um jogo de tabuleiro é partilhar e colaborar, é aprender e decidir passar um momento de proximidade. 

Bem, o mais novo já acordou da sesta. Começam outros jogos, vamos rolar pelos tapetes. Escalar pelos sofás, progredindo até aquela almofada mais distante. Vamos imitar animais, assumir outros papeis, rir e explorar o desconhecido. Logo à noite poderemos descansar, e até jogar um novo jogo mais sério. Quem sabe? Sabemos apenas que não queremos parar de jogar tão depressa, mesmo que o calor da rua venha e as paredes não nos sejam impostas. 


Texto publicado no Diário de Leiria
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Redundâncias da Actualidade - criado em Novembro de 2009 por Micael Sousa





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