domingo, 26 de setembro de 2010

Alteração da Constituição – um processo de argumentação anti-lógico?

Um dos pressupostos – provavelmente até o mais importante - que nos permite utilizar a lógica como grande ferramenta capaz de fundamentar e dar força a um argumento num debate ou discurso é o recurso a um encadeamento de premissas (evidências ou argumentos de base simples), que se parte do princípio que são verdadeiras, com um determinado conteúdo de modo a atingir uma determinada conclusão/ideia - obrigatoriamente verdadeira se as premissas que o originaram também o forem. No fundo, recorrer à lógica, que segundo a Filosofia é a “arte de bem pensar”, é um bom modo de bem argumentar e fundamentar uma ideia ou opinião. Mas, infelizmente, nem sempre as ideias ou debates nascem e utilizam os preceitos da lógica – ou não sem os adulterar -, sendo essa prática comum quando se faz política – especialmente a “má política”. Um caso disso é discussão que se iniciou há uns meses sobre algumas propostas de alteração à actual Constituição da República Portuguesa e que agora, depois da reentre política, voltam de novo a causar polémica, pois alguma da argumentação em defesa da necessidade dessas mesmas alterações tende, na minha opinião, a violar normas básicas do uso da lógica. Isto porque se socorre de premissas (ideias base supostamente verdadeiras) que são falsas, ou por comprovar, para chegar às conclusões que querem que aceitemos.
 Então vejamos alguns exemplos da argumentação usada para alterar a constituição.
  • Questão do Emprego: Existe desemprego – premissa verdadeira; Despedimentos facilitados aumentam a criação de emprego – premissa falsa; Facilitar os despedimentos é modo de combater o desemprego - conclusão lógica falsa porque a 2ª premissa é falsa. A conjugação das duas premissas resultaria no agravamento do desemprego.
  • Questão da Saúde: Os cuidados de saúde prestados aos cidadãos são dispendiosos - premissa verdadeira; Os cidadãos adoecem mais porque isso não lhes traz acréscimo significativo de custos - premissa falsa; Aumentar os custos dos serviços de saúde vai reduzir os custos para o Estado pois os cidadãos só usariam esses serviços em estrita necessidade, sendo que assim também os valorizariam mais porque pagariam por eles – conclusão lógica falsa porque a 2ª premissa é falsa ou está por provar. Neste caso dever-se-ia concluir simplesmente que os custos para o utente iriam aumentar. 
  • Questão da Educação: A qualidade da educação pode sempre ser melhorada – premissa verdadeira; A educação pública universal é pior do que a privada que é mais rigorosa – premissa falsa; A educação deixa de ser uma obrigação do Estado porque o ensino privado e pago é de melhor qualidade - conclusão lógica falsa porque a 2ª premissa está por provar. Aqui a conclusão seria que a educação universal de qualidade deixaria de ser uma obrigação.
Esta suposta falta de rigor, que acontece quando se argumenta sem uma boa base lógica, é provavelmente um reflexo da pouca importância que se dá ao estudo de disciplinas como a Filosofia (ou da Matemática enquanto lógica). Ainda pior é que ainda há quem pondere acabar com ensino obrigatório desta importante disciplina nas escolas – provavelmente é mais um dos ataques à escola pública universal, ataques se registam igualmente a outros serviços públicos por parte de quem os pode dispensar devido à sua capacidade financeira de pagar serviços reservados às elites. Ou então o problema aqui é simplesmente económico, sendo aqui a lógica suplantada pela poder dos números quando conjugados com cifrões!

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